São Paulo, sexta, 14 de fevereiro de 1997.

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EM VIAGEM
Novos atores se incorporam à prática política, diz presidente
Na Itália, FHC faz críticas ao ``atraso'' dos partidos

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Bolonha

O presidente Fernando Henrique Cardoso emitiu ontem o que parece ser a sua própria versão da notória frase ``não me deixem só'', de seu antecessor Fernando Collor de Mello.
Mas foi um apelo dirigido a um público específico e qualificado, o acadêmico, na aula magna que FHC deu após ter recebido o título de doutor ``honoris causa'' da Universidade de Bolonha, que se considera a mais antiga do mundo.
Foi um denso discurso sobre ``alguns aspectos da questão da democracia nos dias de hoje''.
``Simplificação''
Nele, FHC afirmou: ``É preciso reconhecer que a dicotomia clássica entre Estado e sociedade civil, bem como sua simplificação na oposição Estado e mercado, são insuficientes para definir o `locus' da politica e a arquitetura das instituições políticas contemporâneas''.
Acrescentou que ``novos atores'' estão se incorporando à pratica política democrática, entre os quais citou as ONGs (organizações não-governamentais) e o chamado Terceiro Setor (entidades privadas que prestam serviços sociais, como a Fundação Abrinq, que cuida dos direitos das crianças).
Listou também os meios de comunicação, que ``criam uma agenda pública, inescapável para o homem de Estado''.
FHC disse não conhecer uma única autoridade pública que ``não comece o dia pela leitura de jornais''.
O presidente lamentou que os partidos políticos sejam vítimas do que chamou de ``atraso em compreender'' o novo conceito de cidadania.
Cidadania
``O conceito de cidadania não é mais exclusivamente o simples exercício do voto, mas também a luta por um meio ambiente saudável, pela garantia do emprego, por segurança, por direitos de minorias, por educação e saúde de qualidade, por remuneração adequada de aposentados, por lazer, por um ambiente sadio eticamente'', disse o presidente.
Todo esse complexo teorema, aqui muito simplificado, obriga ``o homem político, o líder, a criar formas não-tradicionais de interlocução e interpelação''.
Fazê-lo é ``tarefa imensa que a poucos é dado cumprir com consciência e grandeza'', completou o presidente.
Engatou, como fecho, o apelo carregado de uma humildade pouco habitual desde que assumiu a Presidência:
``Não aspiro ser capaz de tanto. Que pelo menos a lucidez da Academia ajude-me a formular, senão a exercer, os papéis que a democracia contemporânea exige dos presidentes e dos demais dirigentes políticos.''
Fala em italiano
FHC falou em italiano, depois de ter recebido o título em cerimônia que seguiu todo o rito medieval, incluindo as togas de todo o corpo de professores da universidade, velha de 909 anos.
Fernando Henrique Cardoso, que participara em Bolonha de duas conferências internacionais, em 1982 e 1992, vestia toga com bordados roxos e recebeu o anel que, segundo a tradição medieval, simboliza a aliança entre os novos doutores com a ciência.
Recebeu igualmente o livro ``A República'', de Platão, sempre de acordo com o ritual antigo.
Primeiro, o livro fechado, que, dizia o locutor, significa que ``o professor Fernando Henrique Cardoso possui a ciência da política de Estado''.
Depois, o livro aberto que ``significa que ele pode levar à sociedade aquela ciência, com a palavra e com a ação''.
Ao fundo do palco, o coral pontuava cada momento da cerimônia com cânticos igualmente medievais.
Prodi
O primeiro-ministro italiano Romano Prodi, também professor da Universidade de Bolonha, fez questão de comparecer ao ato, para, depois, voltar a Roma no avião da Presidência da República brasileira.
FHC mencionou por duas vezes, em sua aula magna, o pensador italiano Norberto Bobbio.
Do texto ``Itália Civil'', de Bobbio, FHC destacou a frase ``detesto os fanáticos com toda a alma''.
E, improvisando sobre o texto escrito, acrescentou: ``Anque io (eu também)''.

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