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EM VIAGEM
Novos atores se incorporam à prática política, diz presidente
Na Itália, FHC faz críticas
ao ``atraso'' dos partidos
CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Bolonha
O presidente Fernando Henrique Cardoso emitiu ontem o que
parece ser a sua própria versão da
notória frase ``não me deixem só'',
de seu antecessor Fernando Collor
de Mello.
Mas foi um apelo dirigido a um
público específico e qualificado, o
acadêmico, na aula magna que
FHC deu após ter recebido o título
de doutor ``honoris causa'' da
Universidade de Bolonha, que se
considera a mais antiga do mundo.
Foi um denso discurso sobre
``alguns aspectos da questão da
democracia nos dias de hoje''.
``Simplificação''
Nele, FHC afirmou: ``É preciso
reconhecer que a dicotomia clássica entre Estado e sociedade civil,
bem como sua simplificação na
oposição Estado e mercado, são
insuficientes para definir o `locus'
da politica e a arquitetura das instituições políticas contemporâneas''.
Acrescentou que ``novos atores''
estão se incorporando à pratica
política democrática, entre os
quais citou as ONGs (organizações
não-governamentais) e o chamado Terceiro Setor (entidades privadas que prestam serviços sociais, como a Fundação Abrinq,
que cuida dos direitos das crianças).
Listou também os meios de comunicação, que ``criam uma
agenda pública, inescapável para o
homem de Estado''.
FHC disse não conhecer uma
única autoridade pública que
``não comece o dia pela leitura de
jornais''.
O presidente lamentou que os
partidos políticos sejam vítimas do
que chamou de ``atraso em compreender'' o novo conceito de cidadania.
Cidadania
``O conceito de cidadania não é
mais exclusivamente o simples
exercício do voto, mas também a
luta por um meio ambiente saudável, pela garantia do emprego, por
segurança, por direitos de minorias, por educação e saúde de qualidade, por remuneração adequada de aposentados, por lazer, por
um ambiente sadio eticamente'',
disse o presidente.
Todo esse complexo teorema,
aqui muito simplificado, obriga
``o homem político, o líder, a criar
formas não-tradicionais de interlocução e interpelação''.
Fazê-lo é ``tarefa imensa que a
poucos é dado cumprir com consciência e grandeza'', completou o
presidente.
Engatou, como fecho, o apelo
carregado de uma humildade pouco habitual desde que assumiu a
Presidência:
``Não aspiro ser capaz de tanto.
Que pelo menos a lucidez da Academia ajude-me a formular, senão
a exercer, os papéis que a democracia contemporânea exige dos
presidentes e dos demais dirigentes políticos.''
Fala em italiano
FHC falou em italiano, depois de
ter recebido o título em cerimônia
que seguiu todo o rito medieval,
incluindo as togas de todo o corpo
de professores da universidade,
velha de 909 anos.
Fernando Henrique Cardoso,
que participara em Bolonha de
duas conferências internacionais,
em 1982 e 1992, vestia toga com
bordados roxos e recebeu o anel
que, segundo a tradição medieval,
simboliza a aliança entre os novos
doutores com a ciência.
Recebeu igualmente o livro ``A
República'', de Platão, sempre de
acordo com o ritual antigo.
Primeiro, o livro fechado, que,
dizia o locutor, significa que ``o
professor Fernando Henrique
Cardoso possui a ciência da política de Estado''.
Depois, o livro aberto que ``significa que ele pode levar à sociedade aquela ciência, com a palavra e
com a ação''.
Ao fundo do palco, o coral pontuava cada momento da cerimônia
com cânticos igualmente medievais.
Prodi
O primeiro-ministro italiano
Romano Prodi, também professor
da Universidade de Bolonha, fez
questão de comparecer ao ato, para, depois, voltar a Roma no avião
da Presidência da República brasileira.
FHC mencionou por duas vezes,
em sua aula magna, o pensador
italiano Norberto Bobbio.
Do texto ``Itália Civil'', de Bobbio, FHC destacou a frase ``detesto os fanáticos com toda a alma''.
E, improvisando sobre o texto
escrito, acrescentou: ``Anque io
(eu também)''.
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