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ENTREVISTA DA 2ª
MICHAEL SCHELLEMBERGER
Para antropólogo, luta contra efeito estufa depende da eliminação da "categoria mental" ambiente
Ambientalismo sofre de esclerose, diz americano
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Dois espectros rondam o movimento ambientalista. Eles são
americanos e atendem pelos nomes de Michael Schellemberger e
Ted Nordhaus. Às vésperas da
festejada entrada em vigor, depois
de amanhã, do Protocolo de Kyoto, acordo contra o aquecimento
global rejeitado pelos EUA, a dupla afirma, simplesmente, que o
ambientalismo está morto.
Schellemberger, 33, é antropólogo e tem uma firma de relações
públicas. Nordhaus, 39, trabalha
com pesquisas de opinião. Em
outubro do ano passado, eles
apresentaram num encontro de
fundações que financiam organizações ambientais um artigo chamado "A Morte do Ambientalismo". O ensaio é baseado em uma
pesquisa de opinião que mostra
um conservadorismo cada vez
maior na população dos EUA ao
longo dos últimos 15 anos e em
entrevistas com líderes das principais ONGs do país.
Ele conclui que o movimento
ambientalista foi incapaz de alertar o público e os tomadores de
decisão do país sobre o principal
desafio ambiental da história humana -o aquecimento global-
devido a algo que a dupla chama
de "esclerose literal". "A esclerose
literal pode ser vista quando se assume que, para obter vitórias contra o aquecimento global, é preciso falar em aquecimento global
em vez de, digamos, economia ou
política industrial", escreveram.
O artigo está fazendo barulho
na internet. O ambientalista Carl
Pope, diretor-executivo do Sierra
Club, uma das maiores ONGs dos
EUA, denunciou-o como uma
descaracterização completa do
movimento. A revista digital
"Grist" (www.gristmagazine.com) criou um fórum virtual para
debater o ensaio. Na última quinta-feira, havia 500 postagens.
Para os autores, é preciso abolir
a "categoria mental" do ambiente.
"As pessoas conceituam o ambiente como alguma coisa que está fora de nós, acham que é separado da economia", disse Schellemberger à Folha. O foco do discurso, afirma, deve estar em promover políticas de incentivo às
"indústrias do futuro", que usem
energia limpa e reduzam as emissões de gases de efeito estufa.
Leia abaixo a entrevista concedida por Schellemberger por telefone de seu escritório na Califórnia. O artigo original, em inglês,
pode ser obtido na internet
(www.thebreakthrough.org).
Folha - O que deu a vocês a idéia
de escrever o ensaio?
Michael Schellemberger - Eu estava frustrado com a falta de progresso que os ambientalistas estavam fazendo politicamente. Você
olha para as pesquisas de opinião
e vê que 70% dos americanos se
consideram ambientalistas ou
apóiam posições ambientalistas.
Por que nós temos uma política
que cria inação nos assuntos ambientais mais importantes, incluindo aquecimento global? E a
resposta surgiu alguns anos mais
tarde, quando começamos a olhar
os resultados de uma pesquisa de
opinião sobre valores sociais. E os
dados mostram que todo mundo
nos EUA é ambientalista. Eles só
não são ambientalistas muito
convictos. Então, quando as pessoas vão votar, elas não pesam assuntos ambientais, elas pesam assuntos que são mais relevantes
para elas, como economia, segurança nacional, educação etc.
Folha - Isso explica então por que
a filiação a ONGs ambientalistas
cresce enquanto a política ambiental nos EUA declina?
Schellemberger - Exato. Você
tem uma maioria que apóia o ambiente, mas ele está lá no fim da
lista de prioridades. Então, a pergunta é: como fazer as pessoas ligarem mais para o ambiente? Nós
precisamos fazer com que elas se
importem mais com o ambiente?
Ou podemos fazê-las se importarem com uma série de outras coisas que vão acabar beneficiando o
ambiente? Aí você pode propor
uma visão para o país que faz bem
para o ambiente, mas que não é
definida exatamente em volta dele. Os ambientalistas são muito
bons em falar sobre o ambiente,
mesmo quando a maioria das
pessoas realmente não liga tanto
assim para o assunto. Nós chamamos isso de esclerose literal.
Folha - O aquecimento global é
provavelmente a questão ambiental mais importante da história. E
hoje nem o público, nem os políticos parecem estar convencidos da
ameaça. Os ambientalistas têm
culpa nisso?
Schellemberger - Claro! Os ambientalistas hoje são mais fracos
em Washington do que eram há
15 anos. Há 20 anos eles defendem
o mesmo programa para aumentar a economia de combustível
em automóveis e caminhões, e os
padrões de economia de combustível caíram, não aumentaram.
As propostas políticas deles para ação em aquecimento global
não criam nenhum problema político para os seus oponentes. Ou
seja, se você votar contra ela, você
não vai ter problemas na próxima
eleição. Temos ambientalistas
que são politicamente autistas.
Eles só se importam em falar sobre coisas que eles designaram
como "ambientais", e insistem
nas mesmas estratégias que têm
falhado nos últimos 20 anos! Se
você fosse o CEO da IBM, e os
produtos que você inventou há 20
anos não estivessem vendendo
mais, e você se recusasse a inventar novos produtos, você seria demitido! E, na comunidade ambiental, a liderança dessas organizações continua no poder.
O que estamos dizendo é: existe
um meio de deixar o público animado com a ação, com dar os passos que precisamos dar para agir
contra o aquecimento global, mas
você precisa colocar isso de outra
forma, como passos que vão criar
empregos e melhorar a economia.
Você não precisa falar de aquecimento global para realizar as
ações necessárias contra ele, então por que falar?
Folha - Mas como colocar o assunto de uma maneira que não seja difusa demais?
Schellemberger - Eu falaria em
criar um programa maciço de geração de empregos. Que investiria
em indústrias do
futuro. Os EUA
cresceram economicamente quando
investiram em indústrias do futuro,
fosse a ferrovia no
governo Lincoln, as
auto-estradas no
governo Eisenhower ou os microchips e a internet.
Essas eram indústrias nas quais o governo investiu. E
compensou. A Cisco e a Intel não existiriam se o governo
dos EUA não tivesse feito grandes investimentos nos
anos 60 em chips e
outras tecnologias.
Então, propomos
que o governo faça um investimento da mesma magnitude em
tecnologias de energia limpa, porque elas são as indústrias que vão
ajudar os EUA a continuarem
competitivos em relação à Europa
e o Japão. As pessoas aqui nos
EUA gostam de imaginar que podem fazer as coisas, e acreditam
nisso. E é nesse espírito que nós
precisamos pautar a nossa ação
política. E os ambientalistas não
entendem isso. Eles passaram os
últimos 30 anos dizendo às pessoas o que elas não podem fazer e
o que elas não podem ter.
Folha - Mas vocês reconhecem no
artigo que o movimento teve vitórias importantes no passado.
Schellemberger - Há duas coisas
aí: nos anos 60 e 70, mesmo no governo de Richard Nixon, você tinha uma cultura política que era
muito mais progressista. Hoje você
tem um ambiente
de valores culturais
nos EUA que é muito mais conservador hoje que há 20
ou 30 anos. A segunda coisa é que
os problemas ambientais de então
eram muito mais
visíveis e imediatos
para o público. Você tinha um rio em
Ohio que literalmente pegava fogo,
de tantos poluentes
que ele tinha. Você
ligava a TV e via o
rio pegando fogo.
Todos os políticos
em Washington
queriam votar a Lei
das Águas Limpas. No caso do
efeito estufa, você tem um problema que ninguém pode ver, cheirar, ou sentir. É um problema totalmente diferente. E requer que
nós transformemos radicalmente
a economia energética do planeta.
Como você motiva o público e os
políticos a apoiar essa transformação? Você precisa animá-los
em relação aos benefícios. Em vez
disso, os ambientalistas falam que
nós precisamos fazer isso porque
o desastre está a caminho. Perguntamos isso ao Sierra Club, e
eles nos disseram: "Olha aqui, o
nosso trabalho é ambiente, não
política industrial". Mas e se você
tivesse de se preocupar com a política industrial para obter ação
em efeito estufa? É por isso que falamos tanto em categorias mentais. O ambiente é uma categoria
mental. As pessoas conceituam o
ambiente como alguma coisa que
está fora de nós, acham que é separado da economia.
Folha - Mas essa categorização
tem funcionado até agora.
Schellemberger - Ela funcionou
até 1990, mas não funciona mais.
De fato, não é só que os ambientalistas não possam fazer nada a respeito do aquecimento global. Eles
não podem nem proteger as leis
ambientais que nós aprovamos
nos anos 60 e nos 70. Essas leis estão correndo risco de serem minadas, porque a comunidade ambiental não tem poder político.
Folha - O artigo de vocês é um estudo de caso baseado nos EUA. O
ambientalismo também está morrendo em outros lugares?
Schellemberger - Certamente.
Acho que esse é o caso no Brasil.
As pessoas falam no ambiente como se fosse uma categoria separada da pobreza. Ou as pessoas são
parte do ambiente, e, nesse caso, a
pobreza é parte do ambientalismo, ou elas não são, e nesse caso
você precisa se perguntar por que
as pessoas não seriam parte do
ambiente. Por que pôr pessoas
numa categoria separada das árvores, da água e do ar? Quais são
as implicações políticas de ter um
movimento ambiental separado
do movimento contra a fome? Se
você propõe uma nova política industrial, ela precisa ser boa para
as famílias dos trabalhadores, para o ambiente, para a sua política
externa e para a sua agenda comercial. O nosso argumento com
o efeito estufa é que, se nós separamos a economia do ambiente,
perdemos essa oportunidade de
conseguir políticas públicas que
alcancem esses objetivos.
Folha - Qual é a diferença, então,
entre os EUA e países como a Alemanha, onde o ambiente ainda é
uma categoria separada e que parecem estar lidando bem com isso?
Schellemberger - Eu não conheço tanto a Europa quanto conheço o Brasil, mas sei que na Europa
os valores ambientais são muito
mais progressistas que nos EUA.
A cidadania é muito diferente. Os
EUA estão ficando muito mais
conservadores e fundamentalistas. Não sei como estão os valores
no Brasil hoje, mas suspeito que
haja muito mais gente cujas preocupações principais sejam fome,
pobreza e emprego do que o que
vai acontecer com a Amazônia.
Folha - O ambientalismo nos EUA
deu as costas para a política?
Schellemberger - É engraçado.
Eles se envolvem, sim, com política. O movimento ambientalista
gastou US$ 15 milhões para eleger
John Kerry, mas eles o fizeram como todos os interesses especiais
dos liberais [centro-esquerda]:
eles querem fazer com que Kerry
fale sobre seus assuntos durante a
campanha, mas eles não procuram uma visão comum com as
pessoas que compartilham seus
valores. Então você teve Kerry
disputando a presidência em cima de uma série de problemas e
soluções técnicas, enquanto Bush
estava disputando a presidência
com base em valores e visões.
Folha - Houve quem dissesse que
a mensagem do artigo era "financie a gente, não eles". Então, o que
vocês fariam se tivessem tanto dinheiro quanto o Greenpeace?
Schellemberger - Eu não quero
ter tanto dinheiro quanto o
Greenpeace! Eu estou interessado
em ver emergir um novo conjunto de instituições políticas. Então,
temos a oferecer essa pesquisa sobre os valores essenciais do povo
americano. O liberalismo nos
EUA está na bancarrota intelectual. Ele está morto desde os anos
80, mas os liberais têm se iludido
sobre o quão poderosos eles são.
Ainda há ambientalistas e liberais
em que acham que nós estamos
muito perto de retomar o governo. Não! Nós perdemos os três
Poderes e não devemos reconquistá-los tão cedo. Eles insistem
em negar o quão mortos estão.
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