São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

MICHAEL SCHELLEMBERGER

Para antropólogo, luta contra efeito estufa depende da eliminação da "categoria mental" ambiente

Ambientalismo sofre de esclerose, diz americano

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Dois espectros rondam o movimento ambientalista. Eles são americanos e atendem pelos nomes de Michael Schellemberger e Ted Nordhaus. Às vésperas da festejada entrada em vigor, depois de amanhã, do Protocolo de Kyoto, acordo contra o aquecimento global rejeitado pelos EUA, a dupla afirma, simplesmente, que o ambientalismo está morto.
Schellemberger, 33, é antropólogo e tem uma firma de relações públicas. Nordhaus, 39, trabalha com pesquisas de opinião. Em outubro do ano passado, eles apresentaram num encontro de fundações que financiam organizações ambientais um artigo chamado "A Morte do Ambientalismo". O ensaio é baseado em uma pesquisa de opinião que mostra um conservadorismo cada vez maior na população dos EUA ao longo dos últimos 15 anos e em entrevistas com líderes das principais ONGs do país.
Ele conclui que o movimento ambientalista foi incapaz de alertar o público e os tomadores de decisão do país sobre o principal desafio ambiental da história humana -o aquecimento global- devido a algo que a dupla chama de "esclerose literal". "A esclerose literal pode ser vista quando se assume que, para obter vitórias contra o aquecimento global, é preciso falar em aquecimento global em vez de, digamos, economia ou política industrial", escreveram.
O artigo está fazendo barulho na internet. O ambientalista Carl Pope, diretor-executivo do Sierra Club, uma das maiores ONGs dos EUA, denunciou-o como uma descaracterização completa do movimento. A revista digital "Grist" (www.gristmagazine.com) criou um fórum virtual para debater o ensaio. Na última quinta-feira, havia 500 postagens.
Para os autores, é preciso abolir a "categoria mental" do ambiente. "As pessoas conceituam o ambiente como alguma coisa que está fora de nós, acham que é separado da economia", disse Schellemberger à Folha. O foco do discurso, afirma, deve estar em promover políticas de incentivo às "indústrias do futuro", que usem energia limpa e reduzam as emissões de gases de efeito estufa.
Leia abaixo a entrevista concedida por Schellemberger por telefone de seu escritório na Califórnia. O artigo original, em inglês, pode ser obtido na internet (www.thebreakthrough.org).
 

Folha - O que deu a vocês a idéia de escrever o ensaio?
Michael Schellemberger -
Eu estava frustrado com a falta de progresso que os ambientalistas estavam fazendo politicamente. Você olha para as pesquisas de opinião e vê que 70% dos americanos se consideram ambientalistas ou apóiam posições ambientalistas. Por que nós temos uma política que cria inação nos assuntos ambientais mais importantes, incluindo aquecimento global? E a resposta surgiu alguns anos mais tarde, quando começamos a olhar os resultados de uma pesquisa de opinião sobre valores sociais. E os dados mostram que todo mundo nos EUA é ambientalista. Eles só não são ambientalistas muito convictos. Então, quando as pessoas vão votar, elas não pesam assuntos ambientais, elas pesam assuntos que são mais relevantes para elas, como economia, segurança nacional, educação etc.

Folha - Isso explica então por que a filiação a ONGs ambientalistas cresce enquanto a política ambiental nos EUA declina?
Schellemberger -
Exato. Você tem uma maioria que apóia o ambiente, mas ele está lá no fim da lista de prioridades. Então, a pergunta é: como fazer as pessoas ligarem mais para o ambiente? Nós precisamos fazer com que elas se importem mais com o ambiente? Ou podemos fazê-las se importarem com uma série de outras coisas que vão acabar beneficiando o ambiente? Aí você pode propor uma visão para o país que faz bem para o ambiente, mas que não é definida exatamente em volta dele. Os ambientalistas são muito bons em falar sobre o ambiente, mesmo quando a maioria das pessoas realmente não liga tanto assim para o assunto. Nós chamamos isso de esclerose literal.

Folha - O aquecimento global é provavelmente a questão ambiental mais importante da história. E hoje nem o público, nem os políticos parecem estar convencidos da ameaça. Os ambientalistas têm culpa nisso?
Schellemberger -
Claro! Os ambientalistas hoje são mais fracos em Washington do que eram há 15 anos. Há 20 anos eles defendem o mesmo programa para aumentar a economia de combustível em automóveis e caminhões, e os padrões de economia de combustível caíram, não aumentaram.
As propostas políticas deles para ação em aquecimento global não criam nenhum problema político para os seus oponentes. Ou seja, se você votar contra ela, você não vai ter problemas na próxima eleição. Temos ambientalistas que são politicamente autistas. Eles só se importam em falar sobre coisas que eles designaram como "ambientais", e insistem nas mesmas estratégias que têm falhado nos últimos 20 anos! Se você fosse o CEO da IBM, e os produtos que você inventou há 20 anos não estivessem vendendo mais, e você se recusasse a inventar novos produtos, você seria demitido! E, na comunidade ambiental, a liderança dessas organizações continua no poder.
O que estamos dizendo é: existe um meio de deixar o público animado com a ação, com dar os passos que precisamos dar para agir contra o aquecimento global, mas você precisa colocar isso de outra forma, como passos que vão criar empregos e melhorar a economia. Você não precisa falar de aquecimento global para realizar as ações necessárias contra ele, então por que falar?

Folha - Mas como colocar o assunto de uma maneira que não seja difusa demais?
Schellemberger -
Eu falaria em criar um programa maciço de geração de empregos. Que investiria em indústrias do futuro. Os EUA cresceram economicamente quando investiram em indústrias do futuro, fosse a ferrovia no governo Lincoln, as auto-estradas no governo Eisenhower ou os microchips e a internet. Essas eram indústrias nas quais o governo investiu. E compensou. A Cisco e a Intel não existiriam se o governo dos EUA não tivesse feito grandes investimentos nos anos 60 em chips e outras tecnologias. Então, propomos que o governo faça um investimento da mesma magnitude em tecnologias de energia limpa, porque elas são as indústrias que vão ajudar os EUA a continuarem competitivos em relação à Europa e o Japão. As pessoas aqui nos EUA gostam de imaginar que podem fazer as coisas, e acreditam nisso. E é nesse espírito que nós precisamos pautar a nossa ação política. E os ambientalistas não entendem isso. Eles passaram os últimos 30 anos dizendo às pessoas o que elas não podem fazer e o que elas não podem ter.

Folha - Mas vocês reconhecem no artigo que o movimento teve vitórias importantes no passado.
Schellemberger -
Há duas coisas aí: nos anos 60 e 70, mesmo no governo de Richard Nixon, você tinha uma cultura política que era muito mais progressista. Hoje você tem um ambiente de valores culturais nos EUA que é muito mais conservador hoje que há 20 ou 30 anos. A segunda coisa é que os problemas ambientais de então eram muito mais visíveis e imediatos para o público. Você tinha um rio em Ohio que literalmente pegava fogo, de tantos poluentes que ele tinha. Você ligava a TV e via o rio pegando fogo. Todos os políticos em Washington queriam votar a Lei das Águas Limpas. No caso do efeito estufa, você tem um problema que ninguém pode ver, cheirar, ou sentir. É um problema totalmente diferente. E requer que nós transformemos radicalmente a economia energética do planeta. Como você motiva o público e os políticos a apoiar essa transformação? Você precisa animá-los em relação aos benefícios. Em vez disso, os ambientalistas falam que nós precisamos fazer isso porque o desastre está a caminho. Perguntamos isso ao Sierra Club, e eles nos disseram: "Olha aqui, o nosso trabalho é ambiente, não política industrial". Mas e se você tivesse de se preocupar com a política industrial para obter ação em efeito estufa? É por isso que falamos tanto em categorias mentais. O ambiente é uma categoria mental. As pessoas conceituam o ambiente como alguma coisa que está fora de nós, acham que é separado da economia.

Folha - Mas essa categorização tem funcionado até agora.
Schellemberger -
Ela funcionou até 1990, mas não funciona mais. De fato, não é só que os ambientalistas não possam fazer nada a respeito do aquecimento global. Eles não podem nem proteger as leis ambientais que nós aprovamos nos anos 60 e nos 70. Essas leis estão correndo risco de serem minadas, porque a comunidade ambiental não tem poder político.

Folha - O artigo de vocês é um estudo de caso baseado nos EUA. O ambientalismo também está morrendo em outros lugares?
Schellemberger -
Certamente. Acho que esse é o caso no Brasil. As pessoas falam no ambiente como se fosse uma categoria separada da pobreza. Ou as pessoas são parte do ambiente, e, nesse caso, a pobreza é parte do ambientalismo, ou elas não são, e nesse caso você precisa se perguntar por que as pessoas não seriam parte do ambiente. Por que pôr pessoas numa categoria separada das árvores, da água e do ar? Quais são as implicações políticas de ter um movimento ambiental separado do movimento contra a fome? Se você propõe uma nova política industrial, ela precisa ser boa para as famílias dos trabalhadores, para o ambiente, para a sua política externa e para a sua agenda comercial. O nosso argumento com o efeito estufa é que, se nós separamos a economia do ambiente, perdemos essa oportunidade de conseguir políticas públicas que alcancem esses objetivos.

Folha - Qual é a diferença, então, entre os EUA e países como a Alemanha, onde o ambiente ainda é uma categoria separada e que parecem estar lidando bem com isso?
Schellemberger -
Eu não conheço tanto a Europa quanto conheço o Brasil, mas sei que na Europa os valores ambientais são muito mais progressistas que nos EUA. A cidadania é muito diferente. Os EUA estão ficando muito mais conservadores e fundamentalistas. Não sei como estão os valores no Brasil hoje, mas suspeito que haja muito mais gente cujas preocupações principais sejam fome, pobreza e emprego do que o que vai acontecer com a Amazônia.

Folha - O ambientalismo nos EUA deu as costas para a política?
Schellemberger -
É engraçado. Eles se envolvem, sim, com política. O movimento ambientalista gastou US$ 15 milhões para eleger John Kerry, mas eles o fizeram como todos os interesses especiais dos liberais [centro-esquerda]: eles querem fazer com que Kerry fale sobre seus assuntos durante a campanha, mas eles não procuram uma visão comum com as pessoas que compartilham seus valores. Então você teve Kerry disputando a presidência em cima de uma série de problemas e soluções técnicas, enquanto Bush estava disputando a presidência com base em valores e visões.

Folha - Houve quem dissesse que a mensagem do artigo era "financie a gente, não eles". Então, o que vocês fariam se tivessem tanto dinheiro quanto o Greenpeace?
Schellemberger -
Eu não quero ter tanto dinheiro quanto o Greenpeace! Eu estou interessado em ver emergir um novo conjunto de instituições políticas. Então, temos a oferecer essa pesquisa sobre os valores essenciais do povo americano. O liberalismo nos EUA está na bancarrota intelectual. Ele está morto desde os anos 80, mas os liberais têm se iludido sobre o quão poderosos eles são. Ainda há ambientalistas e liberais em que acham que nós estamos muito perto de retomar o governo. Não! Nós perdemos os três Poderes e não devemos reconquistá-los tão cedo. Eles insistem em negar o quão mortos estão.


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