São Paulo, Domingo, 14 de Fevereiro de 1999
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ELIO GASPARI
Tiazinha, o símbolo da fase bate-que-eu-gosto

Para quem gosta de perder tempo pensando em bobagens mais agradáveis que os apocalipses da ekipekonômica.
Neste Carnaval a fantasia brasileira está confirmando a idéia de que há uma relação entre a alma dos povos e as características dos símbolos sexuais que escolhem em determinadas fases de suas vidas.
A introspectiva Europa do após guerra transformou Ingrid Bergman na mulher ideal. Os americanos dos anos 50 tiveram em Marilyn Monroe o seu monumento à abundância. Com Brigitte Bardot, a França antecipou o domínio do mito da juventude sobre a cultura mundial.
No Brasil dos últimos anos aconteceram coisas interessantes.
Em 1984, depois da derrota da campanha das Diretas-Já, quando a oposição ia tomar a presidência da República valendo-se de Tancredo Neves e do sistema indireto que condenara, o símbolo sexual era Roberta Close. Numa época de ambiguidade, um travesti como símbolo sexual.
Em 1994, FFHH e o Plano Real aumentaram o poder de consumo de toda a população. Pareciam estar prontos para levar os bem-aventurados ao Primeiro Mundo. Nessa festa, o símbolo sexual foi Carla Perez. Como ensina o jornalista Marcos Augusto Gonçalves, ela foi a versão popular de Marta Rocha, a baiana de cabelos claros do tempo de JK. Adeus cravo e canela, adeus Gabriela. Com seus tênis importados, a moça do Tchan posou nua primeiro em Miami, só depois é que se despiu no Pelourinho.
Terminada a festa, quem é o símbolo sexual de 1999?
Tiazinha. Com as seguintes características:
Suzana Alves é bem equipada, mas usa máscara. Tem nome e rosto mas, mesmo assim, ninguém sabe direito quem é.
É desejada, mesmo sabendo-se que chicoteia os admiradores e lhes tosa o couro.
Simboliza uma época consagrada na última eleição: bate-que-eu-gosto.

Quiromancia

Pelo andar da carruagem, o atual ministério não vive até o fim do ano.

Populismo cambial

Deve-se ao ministro José Serra, em antigas elucubrações, a melhor definição do que aconteceu no Brasil nos últimos anos.
Segundo Serra, enquanto a esquerda tende a praticar uma espécie de populismo fiscal, o seu contraponto tem uma fascinação secreta pelo populismo cambial.
No populismo fiscal, os governos produzem felicidade gastando mais do que arrecadam, para fabricar programas que, segundo dizem, destinam-se a melhorar a vida da população.
No populismo cambial, produzem felicidade fabricando uma fantasia. A moeda sobrevalorizada barateia os produtos importados, gera empregos no exterior e desemprego no país.
Os dois populismos são eternos enquanto duram e cruéis quando explodem.

Erro

O vice-governador paulista, Geraldo Alckmin, presidente do Conselho Diretor do Programa de Desestatização do Estado, informa que estava errada a informação aqui publicada, segundo a qual a empresa Eletropaulo Metropolitana, vendida por R$ 2 bilhões, teve os seus ativos reavaliados em R$ 4,6 bilhões.
O que se vendeu por R$ 2 bilhões foi o controle da Metropolitana (30% das ações) e não a empresa toda. No leilão, o valor da companhia foi fixado em pelo menos R$ 6,2 bilhões.

O que Rabelo de Castro previu em outubro

Aqui vão alguns cacos da palestra que o economista Paulo Rabelo de Castro fez para 30 caciques do PFL na manhã de 10 de outubro passado. Seus cenários foram considerados tão amargos que as transparências usadas na exposição foram recolhidas.
Rabelo sustentava que o ajuste fiscal de R$ 23 bilhões proposto pelo governo seria insuficiente. Propunha um ajuste imediato de R$ 45 bilhões a serem conseguidos com três garfos:
1) R$ 27 bilhões de cortes federais;
2) R$ 9 bilhões de cortes nos Estados e municípios;
3) R$ 9 bilhões em aumentos de impostos, mostrando-se à sociedade que para cada real tungado, seriam cortados três pelo governo federal.
Projetava quatro cenários para a relação da dívida pública com o PIB e para o desempenho da economia neste ano. Um, exponencial, era implausível, pois a bomba explodiria antes que ele acontecesse. Os outros três eram os seguintes:
1) havendo o ajuste, ao fim do mandato de FFHH a dívida ficaria em 44,6% do PIB e neste ano a economia sofreria uma contração de 1%;
2) não havendo o ajuste, ia-se para uma maxidesvalorização e a recessão ficaria em 2%;
3) sem ajuste e com máxi, viria o cenário explosivo, com a recessão batendo nos 4%.
Pelas contas de hoje, a economia vaga entre o cenário da máxi e o da explosão.
A cifra do ajuste foi revista e pode chegar a R$ 31 bilhões. Se o FMI exigir que se produza um superávit primário de até 5% do PIB, dona Teresa Ter-Minassiam pedirá em fevereiro algo próximo dos R$ 45 bilhões que Rabelo calculou em outubro.

A escola do doutor Joel Rennó

O doutor Joel Rennó continua seu desfile. No último dia 5, um dos três superintendentes de exploração da Petrobrás recancelou o contrato de arrendamento da sonda Falcon-100, da empresa Reading Bates-Falcon, destinada ao campo de Bijupirá-Salema, na bacia de Campos. Negócio de mais ou menos US$ 150 milhões.
Fez isso por diversas razões.
Primeiro, porque a sonda, contratada em 1996 para entrega em agosto de 1998, ainda não deu o ar de sua graça. Nem o dará antes de julho. O atraso já ultrapassou, de longe, a cláusula que permite o cancelamento do contrato depois de 180 dias de inadimplência.
Segundo, porque o mercado de sondas está em baixa. Empresas interessadas em cortar custos, estão se livrando de fornecedores inadimplentes. A Falcon já teve contratos cancelados pela Mobil, Texaco e Amoco (as sondas Peregrino 6, 7 e 8).
Terceiro, porque o sistema de exploração de Bijupirá-Salema está agora sob administração da Odebrecht, e, se ela puder conseguir novos preços, melhor para todos.
Quarto, porque FFHH pediu às estatais para que congelem seus investimentos.
O superintendente pode ter confundido focinho de porco com tomada.
Na segunda-feira a Falcon protestou. Na quinta, o doutor Rennó desautorizou o funcionário e manteve o contrato.
Rennó daria um exemplo do zelo com que persegue a diligência repreendendo publicamente o funcionário que cancelou o contrato. Os motivos do presidente da Petrobrás poderiam ser levados ao conhecimento da choldra. Serviriam (ou não) de lição aos funcionários da Petrobrás e à política de ajuste fiscal de FFHH.

Um operador político no Banco Central

O novo diretor de política econômica do Banco Central, Sérgio Werlang, tem uma veia de colunista político.
Como diretor do Banco da Bahia, redigia sueltos para o folheto de astrologia financeira da instituição. Escrito em inglês, chama-se "Weekly Economic Outlook" ("Observador Econômico Semanal"). Na sua edição de 9 de novembro do ano passado, jogando os búzios da sucessão presidencial, Werlang viu o seguinte:
"De um lado, os partidos da oposição tentarão entrar unidos na disputa. De outro, o primeiro nome que apareceu no noticiário mostrando-se capaz de sustentar a coligação PFL-PSDB-PMDB-PPB é o do ministro Pedro Malan, sobretudo se ele for capaz de completar as reformas. Coisa para se guardar na lembrança".
Não há registro de analise política publicada na imprensa com semelhante especulação, mas isso não tem importância. O que preocupa é a possibilidade de que, como diretor do BC, Werlang continue operando na política da mesma forma que operava como diretor de uma casa privada.
Chute por chute, aqui vai outro:
Está vaga uma vice-presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento, e Enrique Iglesias, seu atual presidente, é candidato à sucessão do embaixador Renato Ruggiero na Organização Mundial do Comércio. Se o Brasil conseguir indicar o novo vice-presidente do BID, e se Iglesias levar a presidência da OMC, é possível que essa pessoa venha a ser promovida, substituindo-o.
Nesse caso, Malan poderia conseguir uma presidência. Coisa para guardar na lembrança.

ENTREVISTA

João Sayad

(53 anos, professor de economia da Universidade de São Paulo.)

O senhor falava mal do câmbio sobrevalorizado. O que diz do que há agora?
Estou otimista. Você quer um indicador de que as coisas estão melhorando? Passou-se quase um mês da desvalorização e não apareceu uma só proposta nova para prejudicar os aposentados. Vivemos por quatro anos num regime de cambio artificial e de felicidade de consumo, mas toda semana havia uma nova proposta contra os aposentados, como se o dinheiro para custear o sistema estivesse com eles. Não devemos perder tempo discutindo se a desvalorização foi feita na hora certa ou da maneira certa. Como diz um amigo meu, "antes tarde do que mais tarde". Meu otimismo aumentaria se o governo abandonasse a política de juros altos e os vestígios de uma retórica segundo a qual há limites para a alta do dólar.
O senhor quer que o dólar suba?
Não. Eu quero que o governo reconheça que a sua capacidade de fixar o seu preço é relativamente pequena. Quando ele diz que a economia não aguenta um dólar de R$ 2,00, não está dizendo nada. Se o dólar tiver que ir a R$ 2,00, ele vai. Não adianta ficar falando em especulação. Quem estava especulando era o governo, com uma taxa de R$ 1,20. Eu prefiro que o dólar fique barato, mas não tenho poder para determinar seu preço. Quando o governo mostra perplexidade em relação ao valor do dólar, não altera seu preço, mas transmite sua perplexidade para o setor produtivo. O empresário que pode exportar, ainda não recebeu sinais claros de que é a exportação que se busca. Mudou-se a política cambial, mas não se reconheceu que passamos quatro anos com um câmbio errado. Não proponho que se faça uma autoflagelação, mas apenas que se deixe claro que mudou a política. Numa situação como a nossa, a ambiguidade paralisa.
O que o governo deveria fazer para acabar com a ambiguidade?
Antes de tudo, deixar de ser ambíguo. Depois, informar ao país que nossa meta é exportar. A política anterior estava errada porque prejudicava as exportações. A atual só se mostrará certa se as estimular. O setor agrícola já começou a se recuperar. A produção de autopeças vai se levantar. Temos que esquecer a ilusão de um Brasil como país importador, com vergonha da época em que teve superávits comerciais de US$ 10 bilhões.


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