São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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JANIO DE FREITAS

Beneficiários do terror

O atentado em Madri assinalou exatos dois anos e meio de fracasso absoluto da luta contra o terrorismo. Por diferentes modos, ressaltou a mediocridade, em muitos casos acompanhada de leviandade, dos que têm dirigido nossos países ocidentais.
O fracasso tão completo se explica, em última instância, pelo fato de que, entre o atentado de 11.9.2001 nos Estados Unidos e o da Espanha em 11.3.2004, mais se acirraram as motivações dos diferentes ímpetos terroristas, sem que uma só delas fosse objeto de atenção interessada. O que se tem chamado de luta contra o terrorismo é só uma sucessão tresloucada de restrições a direitos e liberdades individuais, em graus variados de violência pelo mundo afora. Dos Estados Unidos à Tchetchênia, do Oriente Médio à Indonésia, da Malásia à África, seja onde for, todos estamos oprimidos por arbitrariedades indiscriminadas, mas a vulnerabilidade a ações da Al Qaeda, como de outros possíveis terrorismos internacionais, continua a mesma.
O antiterrorismo está dominado por propósitos políticos individuais ou partidários. Nenhum dos dois com fundamentos respeitáveis. Desde a modalidade que lhe deram os narodniks russos no final do século 19, o terrorismo pode ter o sentido, de outros, de propaganda. Mas quem o imaginaria, mesmo nos nossos tempos, subvertido em peça de marketing político?
Com a exploração do antiterrorismo, Bush se deu uma dimensão que jamais esperaria dentro do seu país, por falta incorrigível de mérito, quanto mais fora de lá. O antiterrorismo ao seu modo é, agora, a bandeira da campanha pela reeleição. Na Inglaterra, associar-se ao antiterrorismo belicista de Bush serviu a Tony Blair para encobrir o colapso da sua Terceira Via, afinal reduzida a mera via auxiliar.
Por seu lado, os políticos do governo espanhol iniciaram a exploração eleitoral do atentado quando ainda sangravam as vítimas nos lugares das explosões. Confronto direto ou negociação com o ETA basco é uma das divergências influentes na disputa eleitoral de hoje na Espanha, entre a linha dura do PP governista e o PS. Os pepistas não tiveram pejo em relegar os indícios apontando para a ferocidade socialmente indiferente da Al Qaeda, nem, depois, em desprezar as declarações de autoria dos fundamentalistas e de isenção do terror basco, que jamais renegou um de seus atos. No primeiro-ministro José María Aznar e em seus correligionários prevaleceu, sobre o crime, sobre os mortos e sobre os feridos, a conveniência eleitoral de lançar, contra os partidários de negociação com o ETA, o eleitorado enraivecido. Não lhes importou o habeas corpus preventivo que deram à Al Qaeda.
As sociedades estão igualmente expostas ao terrorismo e aos efeitos incivilizantes, e freqüentemente também criminosos, da mediocridade e leviandade elevadas por métodos torpes a poder dominante. Em tal panorama, o cidadão comum pode no máximo perguntar em vão: qual será o próximo?


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