São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2005

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QUESTÃO AGRÁRIA

Investigação aponta inoperância de órgãos federais e violência da PM

Justiça favorece ocupações ilegais em MT, diz relatório

CLAUDIA ANTUNES
COORDENADORA DA SUCURSAL DO RIO

RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO

A dificuldade da União de assegurar sua posse sobre terras devolutas ocupadas por grileiros e fazendeiros impede a resolução de conflitos agrários em Mato Grosso, segundo relatório recém-concluído pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, vinculada ao Programa de Voluntários, da ONU (Organização das Nações Unidas).
O documento enumera decisões da Justiça que favorecem a ocupação ilegal dessas áreas, equivalentes, de acordo com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a 34 mil km2, pouco mais da metade das terras da União no Estado.
"A confusão fundiária faz com que haja áreas com até 16 títulos de terra sobrepostos", diz o relatório, que atribui a origem do problema à inoperância de órgãos federais e seu agravamento à política do governo estadual de estímulo à expansão agrícola.
O Relatório da Missão a Mato Grosso foi entregue na semana passada a autoridades estaduais e federais e será encaminhado às comissões de direitos humanos da ONU e da OEA (Organização dos Estados Americanos). O documento acusa a Polícia Militar do Estado de agir com violência contra quilombolas e sem-terra e denuncia casos em que lideranças desses movimentos são ameaçadas de morte por pistoleiros. Os integrantes da Relatoria percorreram 3.000 quilômetros no Estado.
O relatório se concentra em quatro casos nos quais índios, quilombolas e pequenos produtores rurais deslocados por conflitos agrários e por uma barragem de Furnas Centrais Elétricas foram condenados a vagar, sem pouso fixo, quando deveriam ter sido instalados em reservas ou em terras da União cuja posse é mantida em disputa por sucessivas decisões judiciais.
"Nosso direito foi fundado sobre a noção de propriedade. O indivíduo que tem bens é sempre visto como aquele que produz. Ninguém vai ver se, antes, ele expulsou alguém daquela terra", diz Jean-Pierre Leroy, relator nacional para o direito humano ao ambiente, que assina o documento.
"Há uma dificuldade do Judiciário de considerar o bem coletivo. Como o Estado nunca assumiu sua responsabilidade de ter um mapa fundiário organizado, quem tem mais força leva [a terra]", afirma.
Um dos casos esmiuçados no relatório é o de 75 famílias retiradas em agosto de 2003 da terra indígena Urubu Branco, em Confresa, no nordeste do Estado. Elas deveriam ser levadas para o assentamento Liberdade, criado pelo Incra em 1985. Só que 80% do assentamento está ocupado por sete fazendas de gado, soja e algodão e, antes de instalar as famílias, o Incra tinha que recuperar judicialmente essa área.
Como a decisão sobre um pedido de tutela antecipada feita pelo órgão foi adiada por mais de 70 dias pela Justiça Federal, as famílias, que estavam acampadas na beira da estrada, entraram no assentamento. No dia seguinte, o proprietário de uma das fazendas conseguiu na Justiça Estadual uma ordem de despejo das famílias, sob o argumento de que elas não tinham vínculo com a área.


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