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ELIO GASPARI
Waldir Pires censurou Boris Casoy
O jornalista meteu-se
a relembrar o levante comunista de 1935 e
tomou uma tesourada
PELA PRIMEIRA vez em 51 anos
de profissão, o jornalista Boris
Casoy teve um texto expressamente censurado por um ministro.
O censor foi o titular da Defesa, Waldir Pires, no episódio que aqui vai
narrado.
No dia 5 de outubro, Casoy recebeu uma mensagem do encarregado
da edição da revista "Informe Defesa", uma publicação trimestral da
Assessoria de Comunicação Social
do Ministério da Defesa. Pediam-lhe um artigo para a seção "Abre Aspas", sobre qualquer assunto que
julgasse relevante. Ofereciam-lhe o
espaço para que opinasse "de forma
livre e transparente".
Nove em dez jornalistas que recebem esse tipo de solicitação argumentam que estão atarefados, agradecem e seguem em frente, mas Casoy decidiu atender ao pedido. Escreveu pouco mais de 20 linhas, relembrando o levante comunista de
27 de novembro de 1935.
Disse coisas assim: "Ai de quem
invoca as vítimas da fracassada tentativa comunista de tomada do poder! Imediatamente sofre a censura
e os ataques das "patrulhas" dispostas a levar adiante seus propósitos,
que apesar dos fracassos, agora sob
nova roupagem, ainda motivam
-por volúpia de poder ou ignorância- parcelas de nossa sociedade. E
mais: há todo um movimento pela
deificação do executor da Intentona, Luiz Carlos Prestes. (...) A ação
comunista produziu 33 vítimas, cujas famílias nunca reivindicaram nada do governo brasileiro".
Proféticas palavras. No dia 27 de
dezembro, o jornalista recebeu uma
mensagem informando que seu texto fora mandado às urtigas. Nas seguintes palavras, de um assessor de
Waldir Pires: "Ao ser levada a prova
gráfica à consideração do ministro
(como de praxe) ele solicitou-me retirar o "Abre Aspas". O argumento do
ministro é o de evitar-se a reabertura de feridas do passado. Ele chegou
a conversar com o Comandante do
Exército sobre isso".
O ministro, no caso, é um cidadão
que, em 1964, teve os direitos políticos suspensos pela ditadura militar.
Tornou-se um "cassado", nome que
se dava à época aos malditos da política. Durante anos a mazorca dos generais proibiu a imprensa de "veicular declarações, opiniões ou citações
de cassados ou seus porta-vozes".
Censura não fecha "feridas do
passado". Elas são cicatrizes da história, com as quais é necessário conviver. A grandeza da França convive
com a degola de Luís 16 e com o encarceramento do octogenário marechal colaboracionista Philippe Petain, mandado em 1945 para uma
enxovia de pedra no meio do oceano. (Está lá até hoje.) Na história do
Brasil, os comunistas de 1935 matando colegas de farda, e os generais
de 1974, ordenando o extermínio de
guerrilheiros presos no Araguaia,
são feridas que não têm remédio pela ação da censura. Elas pedem debate em vez de silêncio.
Dá vontade de chorar quando se
sabe que, em novembro do ano passado, no meio do apagão aéreo, o ministro da Defesa, um advogado, ocupava-se conferindo "a prova gráfica"
de um boletim de sua assessoria. Devia estar sob a influência de um ex-estudante de direito da universidade de Kazan que lia os editoriais do
Pravda antes que circulassem. Com
uma diferença: Lênin lendo o Pravda rendeu uma bonita fotografia.
Waldir Pires lendo o "Informe Defesa" não dá xilogravura de feira.
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