São Paulo, quarta-feira, 14 de março de 2007

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ELIO GASPARI

Waldir Pires censurou Boris Casoy

O jornalista meteu-se a relembrar o levante comunista de 1935 e tomou uma tesourada

PELA PRIMEIRA vez em 51 anos de profissão, o jornalista Boris Casoy teve um texto expressamente censurado por um ministro. O censor foi o titular da Defesa, Waldir Pires, no episódio que aqui vai narrado.
No dia 5 de outubro, Casoy recebeu uma mensagem do encarregado da edição da revista "Informe Defesa", uma publicação trimestral da Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Defesa. Pediam-lhe um artigo para a seção "Abre Aspas", sobre qualquer assunto que julgasse relevante. Ofereciam-lhe o espaço para que opinasse "de forma livre e transparente".
Nove em dez jornalistas que recebem esse tipo de solicitação argumentam que estão atarefados, agradecem e seguem em frente, mas Casoy decidiu atender ao pedido. Escreveu pouco mais de 20 linhas, relembrando o levante comunista de 27 de novembro de 1935.
Disse coisas assim: "Ai de quem invoca as vítimas da fracassada tentativa comunista de tomada do poder! Imediatamente sofre a censura e os ataques das "patrulhas" dispostas a levar adiante seus propósitos, que apesar dos fracassos, agora sob nova roupagem, ainda motivam -por volúpia de poder ou ignorância- parcelas de nossa sociedade. E mais: há todo um movimento pela deificação do executor da Intentona, Luiz Carlos Prestes. (...) A ação comunista produziu 33 vítimas, cujas famílias nunca reivindicaram nada do governo brasileiro".
Proféticas palavras. No dia 27 de dezembro, o jornalista recebeu uma mensagem informando que seu texto fora mandado às urtigas. Nas seguintes palavras, de um assessor de Waldir Pires: "Ao ser levada a prova gráfica à consideração do ministro (como de praxe) ele solicitou-me retirar o "Abre Aspas". O argumento do ministro é o de evitar-se a reabertura de feridas do passado. Ele chegou a conversar com o Comandante do Exército sobre isso".
O ministro, no caso, é um cidadão que, em 1964, teve os direitos políticos suspensos pela ditadura militar. Tornou-se um "cassado", nome que se dava à época aos malditos da política. Durante anos a mazorca dos generais proibiu a imprensa de "veicular declarações, opiniões ou citações de cassados ou seus porta-vozes".
Censura não fecha "feridas do passado". Elas são cicatrizes da história, com as quais é necessário conviver. A grandeza da França convive com a degola de Luís 16 e com o encarceramento do octogenário marechal colaboracionista Philippe Petain, mandado em 1945 para uma enxovia de pedra no meio do oceano. (Está lá até hoje.) Na história do Brasil, os comunistas de 1935 matando colegas de farda, e os generais de 1974, ordenando o extermínio de guerrilheiros presos no Araguaia, são feridas que não têm remédio pela ação da censura. Elas pedem debate em vez de silêncio.
Dá vontade de chorar quando se sabe que, em novembro do ano passado, no meio do apagão aéreo, o ministro da Defesa, um advogado, ocupava-se conferindo "a prova gráfica" de um boletim de sua assessoria. Devia estar sob a influência de um ex-estudante de direito da universidade de Kazan que lia os editoriais do Pravda antes que circulassem. Com uma diferença: Lênin lendo o Pravda rendeu uma bonita fotografia. Waldir Pires lendo o "Informe Defesa" não dá xilogravura de feira.


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