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Para Giannetti, discurso econômico deve focar capital humano
Economista, cuja entrada na pré-campanha de Marina Silva foi criticada por aliados, rejeita rótulo de neoliberal e diz que se identifica mais com os clássicos
COLUNISTA DA FOLHA
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, 53, foi o pivô
de uma pequena crise na pré-candidatura de Marina Silva
(PV-AC) à Presidência. Sua
aproximação com a senadora,
revelada pela Folha, chegou a
ser interpretada como uma
guinada neoliberal da campanha em preparação e rejeitada
por vários simpatizantes.
O ex-trotskista, autor de "Vícios Privados, Benefícios Públicos?", entre vários livros, abriu
uma exceção para declarar seu
voto em Marina Silva, atraído
pela promessa de um modo novo de fazer política no Brasil.
Quem o levou até ela foi o
empresário Guilherme Leal,
provável candidato a vice na
chapa, um dos donos da Natura
e criador do Instituto Arapyaú,
que tem Giannetti em seu conselho.
(MARCELO LEITE)
FOLHA - Qual é seu papel, no momento, na pré-candidatura de Marina Silva e qual deverá ser no futuro?
Vai se envolver diretamente em formulação de programa de governo?
EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA -
Esse processo está começando,
tenho tido conversas frequentes com a senadora. Minha presença é complementar. Não tenho perfil executivo e nunca
me envolvi em processo eleitoral. Nem sequer declarei meu
voto, até hoje. Sou um virgem.
Me animei com essa perspectiva porque Marina passa uma
postura diferente no modo de
fazer política. O Brasil não precisa ser uma cópia imperfeita
do padrão americano. Eu me
pergunto: se tudo der certo no
Brasil, nós viramos um Estado
empobrecido do sul dos Estados Unidos? É esse o nosso sonho civilizatório?
FOLHA - Sua contribuição deve ser
mais em política macroeconômica?
GIANNETTI - Sim, mas não só. Na
construção de um projeto de
país que não submete tudo às
decisões econômicas. Aumentar o PIB de qualquer maneira
não seria a ambição desesperada de todas as nações.
FOLHA - Em setores próximos de
Marina, sua presença na pré-campanha foi rotulada como neoliberal e
não muito bem vista.
GIANNETTI - Não sei em que essa
rotulagem contribui para o debate. Como pessoa que passou
boa parte da vida estudando escolas de pensamento, sei da dificuldade de carimbar posições. Exemplo: uma ideia tão
cara ao PT quanto renda cidadã
é de um economista tachado de
neoliberal, Milton Friedman.
As pessoas usam esses rótulos
achando que estão dizendo alguma coisa, quando nem sabem o que estão dizendo.
FOLHA - Elas querem dizer tucano.
GIANNETTI - Tucano seria social-democrata. Se quiserem
discutir bandeiras ideológicas,
vamos lá. Tem neoliberalismo
austríaco, de Chicago, de Virgínia, tem o liberalismo clássico.
Eu me identifico muito mais
com os liberais clássicos, Adam
Smith, John Stuart Mill, Alfred
Marshall -que, aliás, foi quem
trouxe o capital humano para a
reflexão em economia.
FOLHA - Como o sr. enxerga o PAC
e o pré-sal? O que precisaria mudar
da perspectiva de uma candidatura
com propostas ambientais?
GIANNETTI - Gostaria de ver o
mesmo empenho que o governo Lula deu ao PAC dado ao capital humano. Embora o Brasil
tenha problemas sérios de capital físico e infraestrutura, o
grande desafio secular sempre
foi a sua incapacidade de formar capital humano. O Brasil
nunca vai se tornar um país civilizado ou desenvolvido porque descobriu petróleo ou fez
uma nova usina hidrelétrica.
Esse fetiche do capital físico é
uma herança do processo de
desenvolvimento brasileiro.
FOLHA - E o pré-sal?
GIANNETTI - Tenho muitas dúvidas técnicas sobre o pré-sal, sobre custo de produção, o preço
do barril quando o pré-sal se
materializar. É economia suja.
O Brasil está querendo dar
um passo maior que a pernas.
Quer aumentar o investimento,
o gasto das famílias e o gasto
corrente do governo -tudo ao
mesmo tempo. A conta não fecha. Se insistir, dois tipos de desequilíbrio começam a aparecer: pressão inflacionária e desequilíbrio nas contas externas.
Se não quiser permitir que aflorem, vai ter de aumentar o juro,
tirar o barril de chope quando a
festa começa a ficar animada.
FOLHA - Qual seria a alternativa?
GIANNETTI - Vamos ter de enxugar o gasto do governo. E provavelmente pensar mais em crédito para formação de capital
do que em crédito para o consumo das famílias. Vamos ter
de aceitar algum sacrifício agora para melhorar o futuro.
FOLHA - É provável que o debate
eleitoral volte a opor estatismo e
privatização. Haverá espaço para
questões socioambientais?
GIANNETTI - Esse debate tem de
ser feito de maneira mais inteligente. O Brasil precisa de um
Estado forte, mas enxuto. O
que nós temos hoje, para usar
expressão do Sérgio Abranches, é um Leviatã anêmico. O
Estado brasileiro faz muitas
coisas que não deveria e deixa
de fazer coisas que deveria.
FOLHA - O que está errado?
GIANNETTI - O papel que o
BNDES está assumindo é muito preocupante. Lula descobriu
em seu segundo mandato uma
mágica perigosíssima: transferir recursos de dívida pública
para concessão de empréstimos sem que isso entre no cálculo de superavit primário. E
escolhendo por critérios nem
sempre transparentes os parceiros que vão receber benesses desse crédito subsidiado.
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