São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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ELIO GASPARI

De Castellobranco@edu para Lula@org.br

Senhor presidente,
Escrevo-lhe para tentar evitar que o sr. se junte às vivandeiras alvoroçadas que novamente acorrem aos bivaques dos granadeiros para estimular extravagâncias do poder militar. Refiro-me a essa conversa de se chamar as Forças Armadas para cuidar da segurança do Rio de Janeiro.
Quis o Padre Eterno que essa nova tentativa de militarização dos fracassos da administração ocorresse no final da segunda semana das comemorações dos 40 anos da deposição do presidente João Goulart. Aqui onde estamos, tivemos um pequeno jantar: Jango, Lacerda, Juscelino e eu. JK não toma jeito. A cada 15 minutos olhava o relógio, como se isso ainda tivesse utilidade.
Senhor Luiz Inácio, não o chamo de Lula porque, desde que o Agildo Barata me apelidou de Quasimodo, tomei horror a alcunhas. (Um cearense tinhoso chamado Lira Neto escreveu uma biografia minha. Essa história está lá. A Rachel de Queiroz gostou do livro e presenteou-o ao Luiz Carlos Prestes, de quem se reaproximou.)
Voltando ao jantar, divertimo-nos muito. Os jornais falaram em 40 anos do "golpe militar", mas o Jango chamou a minha atenção para o fato de que em abril de 1964 ninguém usou essa expressão. Segundo ele, se a tivessem usado, os militares não conseguiriam acabar com a eleição presidencial de 1965.
O doutor Goulart mostrou-me um recorte do dia 5 de março. Leia-o:
"Até quando permanecerá de braços cruzados o Exército? Não podemos admitir que os seus chefes não tenham consciência dos perigos que nos ameaçam e do sangue que acabará fatalmente correndo em torrentes, se as Forças Armadas continuarem a confundir o que aí está com um regime legal".
Isso era o que dizia um grande jornal. Não lhe digo o nome porque seu proprietário está aqui e fizemos boa camaradagem.
Compare com o que eu dizia, em outubro de 1963:
"Tutelando policialmente o país, mais sofreremos o vexame, perante a nação, dos qualificativos rudes de gorilas, reacionários, golpistas e patetas".
A plutocracia nacional é astuta. Em 1964 ela participou da deposição de um presidente. Em 2004, da exorcização do "golpe". Agora, querem que os nossos soldados se metam na encrenca do narcotráfico. Como diz o major Leonidas Pires Gonçalves (general, para vocês): "quartel não tem algemas".
As vivandeiras de hoje querem o Exército em funções policiais das quais seus comandantes afastaram-no nos anos 80, sendo chamados de gorilas, reacionários, golpistas e patetas. Não ocorre às vivandeiras dar uma hora de seus dias ou um pedaço de suas rendas para moralizar as polícias. Também não lhes ocorre recusar convites para festas em que se formam filas na porta do banheiro. Foi o Darcy Ribeiro quem me explicou essas filas. Eu achava que era coisa da bebida.
Querem ficar de braços cruzados, mas pedem que as Forcas Armadas virem meganha. Depois, como fizeram com o "golpe militar", vestem uma camiseta branca e saem por aí. Assombra-me que essa vivandagem prospere junto ao pedaço da esquerda de fancaria onde o senhor e parte do seu ministério surgiram e militaram.
Outro dia o Adonias Filho pediu-me que conversasse com Marco Antonio Rufino da Cruz, um carioca de 34 anos, funcionário da Biblioteca Nacional, diretor de sua Associação de Servidores. Ele desapareceu na vizinhança do Morro do Fubá, em novembro de 1994, durante o breve período em que o Exército foi usado em missões policiais nas favelas do Rio. O rapaz contou-me o que lhe aconteceu. Infelizmente, devo manter sigilo. Digo-lhe o que se sabe aí: Rufino foi preso pela Polícia do Exército, foi levado à carceragem da Polinter. E sumiu. Rufino é negro. Por que meter a Polícia do Exército numa história dessas? Não foi a PE quem sumiu com Rufino, mas foi ao comandante da operação militar que se pediu a reconstituição do seu roteiro carcerário. O que tem um general do Exército brasileiro a ver com isso?
Militarizar fracassos serve apenas para expandir malogros. Toda vez que se pergunta: "Até quando permanecerá de braços cruzados o Exército?", pode estar certo: algo de ruim vai acontecer ao Exército e ao poder civil, nesta ordem, para que alguém continue de braços cruzados.


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