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ELIO GASPARI
De Castellobranco@edu para Lula@org.br
Senhor presidente,
Escrevo-lhe para tentar
evitar que o sr. se junte às vivandeiras alvoroçadas que novamente acorrem aos bivaques
dos granadeiros para estimular
extravagâncias do poder militar. Refiro-me a essa conversa
de se chamar as Forças Armadas para cuidar da segurança
do Rio de Janeiro.
Quis o Padre Eterno que essa
nova tentativa de militarização
dos fracassos da administração
ocorresse no final da segunda
semana das comemorações dos
40 anos da deposição do presidente João Goulart. Aqui onde
estamos, tivemos um pequeno
jantar: Jango, Lacerda, Juscelino e eu. JK não toma jeito. A cada 15 minutos olhava o relógio,
como se isso ainda tivesse utilidade.
Senhor Luiz Inácio, não o chamo de Lula porque, desde que o
Agildo Barata me apelidou de
Quasimodo, tomei horror a alcunhas. (Um cearense tinhoso
chamado Lira Neto escreveu
uma biografia minha. Essa história está lá. A Rachel de Queiroz gostou do livro e presenteou-o ao Luiz Carlos Prestes, de
quem se reaproximou.)
Voltando ao jantar, divertimo-nos muito. Os jornais falaram em 40 anos do "golpe militar", mas o Jango chamou a minha atenção para o fato de que
em abril de 1964 ninguém usou
essa expressão. Segundo ele, se a
tivessem usado, os militares não
conseguiriam acabar com a
eleição presidencial de 1965.
O doutor Goulart mostrou-me
um recorte do dia 5 de março.
Leia-o:
"Até quando permanecerá de
braços cruzados o Exército? Não
podemos admitir que os seus
chefes não tenham consciência
dos perigos que nos ameaçam e
do sangue que acabará fatalmente correndo em torrentes, se
as Forças Armadas continuarem a confundir o que aí está
com um regime legal".
Isso era o que dizia um grande
jornal. Não lhe digo o nome porque seu proprietário está aqui e
fizemos boa camaradagem.
Compare com o que eu dizia,
em outubro de 1963:
"Tutelando policialmente o
país, mais sofreremos o vexame,
perante a nação, dos qualificativos rudes de gorilas, reacionários, golpistas e patetas".
A plutocracia nacional é astuta. Em 1964 ela participou da
deposição de um presidente. Em
2004, da exorcização do "golpe".
Agora, querem que os nossos
soldados se metam na encrenca
do narcotráfico. Como diz o major Leonidas Pires Gonçalves
(general, para vocês): "quartel
não tem algemas".
As vivandeiras de hoje querem o Exército em funções policiais das quais seus comandantes afastaram-no nos anos 80,
sendo chamados de gorilas, reacionários, golpistas e patetas.
Não ocorre às vivandeiras dar
uma hora de seus dias ou um
pedaço de suas rendas para moralizar as polícias. Também não
lhes ocorre recusar convites para festas em que se formam filas
na porta do banheiro. Foi o
Darcy Ribeiro quem me explicou essas filas. Eu achava que
era coisa da bebida.
Querem ficar de braços cruzados, mas pedem que as Forcas
Armadas virem meganha. Depois, como fizeram com o "golpe
militar", vestem uma camiseta
branca e saem por aí. Assombra-me que essa vivandagem
prospere junto ao pedaço da esquerda de fancaria onde o senhor e parte do seu ministério
surgiram e militaram.
Outro dia o Adonias Filho pediu-me que conversasse com
Marco Antonio Rufino da Cruz,
um carioca de 34 anos, funcionário da Biblioteca Nacional,
diretor de sua Associação de
Servidores. Ele desapareceu na
vizinhança do Morro do Fubá,
em novembro de 1994, durante
o breve período em que o Exército foi usado em missões policiais
nas favelas do Rio. O rapaz contou-me o que lhe aconteceu. Infelizmente, devo manter sigilo.
Digo-lhe o que se sabe aí: Rufino
foi preso pela Polícia do Exército, foi levado à carceragem da
Polinter. E sumiu. Rufino é negro. Por que meter a Polícia do
Exército numa história dessas?
Não foi a PE quem sumiu com
Rufino, mas foi ao comandante
da operação militar que se pediu a reconstituição do seu roteiro carcerário. O que tem um
general do Exército brasileiro a
ver com isso?
Militarizar fracassos serve
apenas para expandir malogros. Toda vez que se pergunta:
"Até quando permanecerá de
braços cruzados o Exército?",
pode estar certo: algo de ruim
vai acontecer ao Exército e ao
poder civil, nesta ordem, para
que alguém continue de braços
cruzados.
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