São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

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IMPRENSA

Liminar do STJ é provisória; governo minimiza impacto da decisão

Justiça garante a repórter do "NYT" direito de ficar no país

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Peçanha Martins concedeu ao jornalista americano Larry Rohter um salvo-conduto, documento que lhe garante liberdade de locomoção. Segundo o próprio ministro, essa decisão o autoriza a permanecer no Brasil e continuar trabalhando como correspondente do jornal "The New York Times".
O governo tem outro entendimento. Em entrevista ontem à noite no Palácio do Planalto, o ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmou que a decisão do STJ é uma mera medida cautelar que não suspende a eficácia da decisão do Ministério da Justiça no que diz respeito ao cancelamento do visto do repórter.
A decisão do ministro do STJ é provisória, assim como uma liminar. Segundo Peçanha Martins, que é relator de habeas corpus movido pelo senador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) em favor do repórter, sua decisão deverá vigorar até o julgamento do mérito pela 2ª turma do STJ, composta por cinco ministros, sem data prevista.
O senador Sérgio Cabral pediu a concessão de liminar que suspendesse o ato do ministro interino da Justiça que, na terça-feira, cancelou o visto de Rohter, mas, na decisão de ontem, Peçanha concedeu um salvo-conduto para assegurar a liberdade do repórter.
Essa diferença entre a liminar e o salvo-conduto é que gerou interpretações distintas entre o ministro do STJ e o governo sobre o alcance da decisão judicial.

Interpretação oficial
O ministro interino da Justiça afirmou que a decisão do STJ apenas garante ao jornalista americano o direito de entrar no Brasil e de se locomover livremente no país, o que, aliás, não estava proibido. Segundo ele, ao entrar no Brasil -se não houver nenhuma decisão judicial diferente nesse meio tempo-, Rohter será notificado normalmente do cancelamento do visto, dia em que começa a contar o prazo de oito dias para deixar o país.
Já Peçanha disse que Rohter "pode sair do país, entrar, ficar, transitar e escrever", porque o salvo-conduto teria ampla abrangência. Por essa interpretação, o governo estaria impedido de obrigar o jornalista a sair do país.
Advogados ouvidos pela Folha afirmaram, reservadamente, que o salvo-conduto normalmente é utilizado para impedir a prisão, não a coação. Por isso, o senador Sérgio Cabral poderia pedir ao relator do habeas corpus uma nova decisão, na qual a concessão da liminar ficaria expressa.
Em sua decisão, Peçanha Martins fez referência à pessoa do presidente da República, sem citar o nome de Luiz Inácio Lula da Silva. "O Brasil é um Estado democrático de Direito, e o presidente da República contribuiu com intensa participação política para a instauração da democracia plena no país e se conduz com honra e dignidade", afirmou.
O visto foi cancelado dois dias depois de o "NYT" ter publicado reportagem de Rohter sobre o suposto abuso de Lula no consumo de bebidas alcoólicas. O cancelamento teve como objetivo obrigar o jornalista a sair do país.
A base legal do ato é o Estatuto do Estrangeiro, uma lei de 1980, particularmente o artigo 26, que autoriza a adoção dessa medida na hipótese de "inconveniência de sua presença [do estrangeiro] no território nacional, a critério do Ministério da Justiça".

Ameaça
Para o ministro do STJ, a proibição de permanência do repórter no Brasil implicava ameaça à liberdade de expressão, um dos direitos fundamentais do cidadãos assegurados pela Constituição.
"No Estado democrático de Direito, não se pode submeter a liberdade às razões de conveniência e oportunidade da administração. Aos estrangeiros, como aos brasileiros, a Constituição assegura direitos e garantias fundamentais descritos no artigo 5º e seus incisos, dentre eles avultando a liberdade de expressão."
A AGU (Advocacia Geral da União) anunciou que não entrará com o recurso no qual pediria a revisão da decisão.
Antes do julgamento do mérito, Peçanha Martins analisará informações que requisitou ontem do Ministério da Justiça e o parecer do Ministério Público Federal. Ele pediu explicações do Ministério da Justiça e deu 72 horas de prazo para a resposta. O pedido de habeas corpus, apresentado um dia após o cancelamento do visto, contém apenas matérias de jornais brasileiros sobre o ato.


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