São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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ESCÂNDALO DO MENSALÃO/ GUERRA DAS TELES

Dono do Opportunity diz que não deu credibilidade às denúncias contra os petistas nem passou qualquer papel à revista "Veja"

Dantas nega ter documentos sobre contas

JANAINA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O banqueiro Daniel Dantas, o controlador do Opportunity, negou ontem possuir documentos sobre contas bancárias de autoridades brasileiras no exterior. Ele conversou, do Rio de Janeiro, com a reportagem da Folha em São Paulo, por meio de uma videoconferência. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
 

Folha - O sr. contratou serviços de detetives para descobrir contas de integrantes do governo lá fora?
Dantas -
Não, nem soube da existência de qualquer tipo de investigação desse tipo. Tive conhecimento posterior, isso sim, de que havia suspeita da existência de cópias de tais contas.

Folha - O que exatamente informaram ao sr.? E quem contou?
Dantas -
Disseram-me que havia o número das contas no exterior de pessoas ligadas ao governo, inclusive do presidente Lula. Mas não vou falar quem me disse, pois não dei a menor credibilidade.

Folha - O sr. obteve documentos sobre essas contas?
Dantas -
Não, nem passei esse material à revista "Veja" relativo a esse caso. Também não mandei ninguém fazê-lo.

Folha - O sr. acusa o governo de persegui-lo. Por que a divulgação das contas iria prejudicá-lo?
Dantas -
A minha sensação é que havia, sim, corrupção no governo, mas os dados das contas não tinham nada a ver com a disputa societária [na Brasil Telecom]. Na verdade não tenho a menor idéia se existem essas contas ou não. "Veja" mente quando diz que tinha um compromisso comigo para preservar meu nome como fonte, caso essas contas fossem verdadeiras. Isso nunca existiu.

Folha - No caso Kroll, o sr. repetiu inúmeras vezes que não teve responsabilidade porque a empresa foi contratada por executivos de uma empresa sobre a qual o sr. não tinha poderes diretos. Não é possível que tenha ocorrido o mesmo?
Dantas -
Não tive conhecimento prévio sobre a Kroll, mas fui informado posteriormente. Ou seja, eu sabia da investigação, embora não cuidasse dos detalhes. Não recebia os relatórios, mas fui entrevistado pela Kroll. Reportei a eles o que achava ou sabia.

Folha - Qual era seu relacionamento com o ex-presidente da Kroll no Brasil Frank Holder?
Dantas -
Não tive muito relacionamento. Acabei conversando mais quando os relatórios da Kroll foram divulgados pela imprensa e a Brasil Telecom me pediu para ajudar a discutir uma estratégia conjunta de comunicação sobre o tema. A partir daí tive conversas mais freqüentes com Frank Holder e Jules Kroll, que era o presidente mundial da Kroll.

Folha - O sr. pagou a alguém do PT? Ou mandou o Opportunity fazê-lo? Ou algum laranja fez isso?
Dantas -
Não. E eu não tenho laranjas.

Folha - Quem foi o petista que procurou representantes do Opportunity para pedir dinheiro?
Dantas -
O PT abordou Carlos Rodenburg dizendo que eles tinham dificuldades. Na época, pelo que me lembro, Carlos me reportou que Delúbio Soares teria dito a ele que o partido era uma coisa separada do governo. Que, na verdade, existia uma necessidade financeira do partido, de uns US$ 50 milhões, decorrente de despesas e coisas que o valham, e que isso não tinha nada a ver com o governo. Ele entendeu -não sei se o sr. Delúbio Soares disse ou não- que era possível que nós pudéssemos "ser úteis" a essas dificuldades, que eles poderiam tentar diminuir as hostilidades que vínhamos sofrendo do governo.

Folha - Ou seja, se pagasse ao PT, o Opportunity deixaria de ter dificuldades junto ao governo.
Dantas -
Esse resumo que você está fazendo, e que a "Veja" tentou fazer, não aconteceu. Ele [Delúbio] nunca disse que, se porventura nós pudéssemos contribuir e ajudar nas dificuldades [do PT], que de forma automática cessariam as hostilidades.

Folha - Mas isso foi insinuado?
Dantas -
Eu não estava presente à reunião. O que entendi, a partir daí, e a precaução que tomei e se tornou pública foi a seguinte: já existia uma versão que circulava na imprensa e em outras conversas que, por conta disso, havia uma hostilidade para conosco. O motivo alegado era o fato de Carlos Rodenburg ter devolvido uma caixinha, um kit, que Ivan Guimarães [ex-presidente do Banco Popular, ligado ao PT] tinha levado a ele em 2002. Essa caixinha era um símbolo, uma contribuição de campanha. Carlos não sabia do que se tratava e devolveu. Depois foi alegado que essa devolução foi encarada como símbolo de hostilidade da nossa parte. Ele [Carlos] procurou de todas as maneiras demonstrar que não tínhamos nada contra ou a favor de qualquer partido. Nossa função era meramente empresarial, queríamos tocar o nosso negócio e pronto. Tínhamos obrigação de obedecer a lei e seguir as normas.
Dentro dessa tentativa, Carlos acabou tendo um encontro com o sr. Delúbio Soares e foi sugerido a ele que, nesse encontro, pudesse explicar a situação. Foi nesse encontro, segundo me foi reportado, que Delúbio Soares relatou as dificuldades do partido.

Folha - Quem sugeriu o encontro a Carlos Rodenburg?
Dantas -
O publicitário Marcos Valério [Fernandes de Souza].

Folha - Como Marcos Valério entrou na história?
Dantas -
A Telemig já era cliente da agência de publicidade dele, muito embora eu não o conhecesse. Perguntei a Carlos Rodenburg e ele me explicou que conhece bem o sócio de Marcos Valério.

Folha - O sr. foi extorquido pelo PT ou representantes do governo?
Dantas -
Não.

Folha - Mas isso não contradiz sua defesa no processo em Nova York?
Dantas -
A linguagem da Corte tem de ser uma linguagem mais forte, mais firme.

Folha - Perdoe-me, mas ou o sr. foi extorquido ou não foi.
Dantas -
Ninguém chegou para mim e disse que, se fosse feito um pagamento de tanto, acabariam todos os problemas. Isso não aconteceu: seria chantagem. O que aconteceu é que foi "sugerida" a contribuição e o pagamento não foi feito, exatamente como está nos documentos. Tínhamos contratos que foram descumpridos, colocaram pressão contra nós e fomos discriminados. Fato é que fomos prejudicados.

Folha - Nas CPIs, em 2005, o sr. negou a extorsão. Voltaria a negar agora com a mesma veemência?
Dantas -
Não, porque agora tenho novos elementos.

Folha - Quais?
Dantas -
Estou proibido de falar, por conta do processo em Nova York. Há cerca de 1 milhão de documentos por lá. Eles só podem ser usados para o processo, estão sob sigilo. Eu gostaria muito que eles se tornassem públicos.

Folha - Seus advogados dizem que o PT tinha ódio do sr. Por quê?
Dantas -
Existiam três visões distintas. Tinha sido informado que havia um compromisso entre o governo e a Telemar para que esta última comprasse a Brasil Telecom. Outra era a de que o problema era diplomacia, de que tínhamos uma postura antipática. E outra era a de que não tínhamos contribuído na campanha.


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