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ARTIGO
Marina sofreu bombardeio desde o 1º mandato de Lula
Ministra fez várias concessões e teve de aceitar derrotas seguidas em 5 anos e 5
meses de governo, mas sai no instante em que desmatamento volta a aumentar
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
AO FINAL do primeiro
mandato de Luiz Inácio
Lula da Silva, já estava
claro para quem quisesse ver
que seu governo não merecia
Marina Silva. A voz ao mesmo
tempo frágil e firme da ex-doméstica que chegou a senadora
permanecia solitária na Esplanada. Era a única a defender
que o desenvolvimento econômico não pode ser obtido a
qualquer preço, porque não seria de fato desenvolvimento.
Lula repetiu a estratégia Fernando Collor com José Lutzenberger. Pôs Marina Silva na vitrine do MMA (Ministério do
Meio Ambiente) para neutralizar pressões internacionais
contra o país pela destruição da
Amazônia. Funcionou por algum tempo. Tempo demais.
Era fácil deixar a ministra falando sozinha sobre "transversalidade". Soava como (e era de
fato) uma abstração insistir na
necessidade de injetar a questão ambiental em todas as esferas de decisão e planejamento
do governo. O desenvolvimentismo lulista seguiu em frente.
Foram muitas as batalhas
perdidas. Primeiro, perante o
Ministério da Ciência e Tecnologia, a dos transgênicos. Depois de anos de omissão do governo FHC quanto ao plantio
de soja geneticamente modificada contrabandeada da Argentina, Lula capitulou diante
do agronegócio e do lobby dos
biotecnólogos, permitindo a
comercialização do grão ilegal.
Em seguida vieram várias
concessões, fracassos e derrotas do MMA: explosão do desmatamento (que chegou a 27
mil km2 em 2004, segunda
maior marca de todos os tempos); licenciamento ambiental
da transposição do São Francisco e das grandes hidrelétricas na Amazônia; a decisão de
construir Angra 3 e outras quatro usinas nucleares...
Apesar disso, Marina Silva
continuava como um conveniente bode expiatório. A certa
altura, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis)
parecia ser o maior entrave ao
desenvolvimento nacional.
Pior que a taxa de juros mais alta do planeta, a julgar pelo
bombardeio dos jornalistas de
negócios e dos ministérios interessados em camuflar a própria inoperância.
Mãe do PAC, mãe do PAS
O MME (Ministério de Minas e Energia), onde começou a
ser gestada a mãe do PAC e
também o embrião de um apagão, capitaneava o canhoneio.
Entre um mandato e outro, a
artilharia quase derrubou Marina Silva. Havia até candidato
preferido do MME, segundo se
especulava na época: Jerson
Kelman, diretor-geral da Aneel
(Agência Nacional de Energia
Elétrica). A proverbial raposa
no galinheiro.
Marina Silva resistiu e ficou
para um segundo mandato.
Disse na época que o fez a pedido do próprio Lula. Afinal, o
desmatamento na Amazônia
vinha caindo, tendência que se
confirmou ao longo do primeiro ano do segundo mandato. As
cifras traumatizantes despencaram quase 60% em três anos.
A ministra continuava bem na
fita, pelo roteiro de Lula.
Aí começaram a surgir os primeiros sinais de que o desmatamento na Amazônia voltava a
crescer. Era inevitável, diante
da alta retomada no preço de
commodities agrícolas, como
soja, carne bovina e algodão.
Enquanto isso, o frenesi dos
biocombustíveis tomava conta
do Palácio do Planalto.
Só os incautos acreditam que
a expansão da produção será
obtida apenas com aumento da
produtividade e ocupação de
áreas degradadas de pastagem.
O empreendedor rural se dirige
para onde encontrar a melhor
combinação de terra e mão-de-obra baratas, solos férteis, topografia favorável e infra-estrutura logística. Soja e cana
não desmatam a Amazônia,
mas a pecuária, sim -e como.
Diante do trator pilotado pelo Ministério da Agricultura e
teleguiado da Casa Civil, o espaço de manobra de Marina
Silva se restringiu ainda mais.
Nem ela fala mais em transversalidade, embora não deixe de
apontar os riscos do excessos
de entusiasmo com a expansão
do agronegócio.
Os sensores de satélites, capazes de discernir florestas de
verdade das áreas em processo
de degradação, não se enganam
a respeito. O desmatamento está em alta. É indiferente para
eles que Lula, Dilma Rousseff e
Marina Silva tenham lançado
há poucos dias o enésimo programa desenvolvimentista,
mais uma compilação de ações
anteriormente providenciadas,
e o batizem como PAS (Plano
Amazônia Sustentável).
Lula tentou fazer blague na
cerimônia, afagando a "mãe do
PAS". Ao mesmo tempo, designou o ministro Roberto Mangabeira Unger (aquele do aqueduto ligando a Amazônia ao
Nordeste) para coordená-lo.
O presidente ainda jactou-se
de estar "criando uma nova
China aqui". A infeliz frase presidencial -mais uma, apenas-
não deve ter sido a causa do pedido de demissão da ministra.
Mas nunca esteve nos planos
de Marina Silva ajudar a armar
a segunda maior bomba-relógio ambiental do planeta.
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