São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2010

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Governo recua em plano de direitos humanos

Texto do decreto exclui descriminalização do aborto e ranking da mídia, alvos de pressões da igreja e de entidades do setor

Programa também cedeu a militares, com fim do veto a rua com nome de torturador, e ao agronegócio; Vannuchi admite que "houve recuo"


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
SIMONE IGLESIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cedeu às pressões da Igreja Católica, das Forças Armadas e das associações de mídia e do agronegócio e recuou em todos os pontos polêmicos do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.
Com as supressões e modificações no texto do decreto, publicado ontem, o governo retrocedeu na defesa de projeto de lei para descriminalizar o aborto, na criação de um "ranking" e no acompanhamento editorial dos veículos de comunicação e na proposta de uma legislação proibindo que ruas e prédios públicos tenham nomes de autoridades responsabilizadas por tortura.
O novo texto também suprimiu o veto à ostentação de símbolos religiosos em locais públicos e fez ajustes em outros alvos da pressão da Igreja Católica, mas manteve a defesa da união civil homossexual, da adoção de crianças por casais homo-afetivos e da concessão de direitos trabalhistas e previdenciários para prostitutas.
Em relação ao agronegócio, o texto sucumbiu ao Ministério da Agricultura e à CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), ao deixar de exigir audiência prévia com os envolvidos antes de decisões judiciais, como a reintegração de posse.
Também mudou proposta de mediação de conflitos agrários. Em vez de bancar a mediação, remete a decisão a projeto de lei a ser votado pelo Congresso.
Depois de ouvir o Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União, Lula decidiu revogar integralmente dois pontos e alterar drasticamente o conceito original sobre outros sete pontos que receberam forte bombardeio no lançamento do plano, em dezembro passado.
O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), principal mentor do 3º PNDH, reconheceu "recuos", mas negou uma desfiguração: "O novo texto não desfigura nada. Pelo contrário, atende a necessidade de conciliar interesses e pressões e, portanto, é positivo".
"Então, o sr. está satisfeito?", perguntou-lhe a Folha ontem. "Satisfeito? Não, isso não. Ficaria parecendo que estou feliz e comemorando, e este não é o caso", respondeu.
Ontem, ele disse que as mudanças nessa parte foram num "eixo menorzinho" e se resumiram a três, além do fim do veto a ruas com nomes de autoridades envolvidas em tortura.
As outras são: 1) os processos contra torturadores seriam criminais e civis, mas o novo texto excluiu a forma criminal; 2) a referência direta ao regime militar foi retirada e deu lugar a tortura em qualquer tempo.
Quanto aos veículos de comunicação: foi mantida a criação de um "marco legal" de respeito aos Direitos Humanos por rádios e TVs, mas excluída a possibilidade de punição.
"Vou acordar cedo amanhã [hoje] para ler os jornais e ver as reações contrárias às mudanças", disse Vannuchi, esperando que não sejam ácidas como as dos setores agora atingidos, que, segundo ele, o chamaram de "psicopata ideológico" e autor de "produto demoníaco".
Em nota, a CNA afirmou que, mesmo com as mudanças, o programa ainda é "um amontoado de sandices". A entidade acusa o 3º PNDH de encarar o agronegócio "com preconceito" e condena o dispositivo que estabelece a utilização de mediação em conflitos agrários por fazer, segundo a entidade, "com que o produtor possa ser obrigado a negociar com aqueles que criminosamente invadem sua propriedade".


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