|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Governo recua em plano de direitos humanos
Texto do decreto exclui descriminalização do aborto e ranking da mídia, alvos de pressões da igreja e de entidades do setor
Programa também cedeu a
militares, com fim do veto a
rua com nome de torturador,
e ao agronegócio; Vannuchi
admite que "houve recuo"
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
SIMONE IGLESIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cedeu às pressões da
Igreja Católica, das Forças Armadas e das associações de mídia e do agronegócio e recuou
em todos os pontos polêmicos
do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.
Com as supressões e modificações no texto do decreto, publicado ontem, o governo retrocedeu na defesa de projeto
de lei para descriminalizar o
aborto, na criação de um "ranking" e no acompanhamento
editorial dos veículos de comunicação e na proposta de uma
legislação proibindo que ruas e
prédios públicos tenham nomes de autoridades responsabilizadas por tortura.
O novo texto também suprimiu o veto à ostentação de símbolos religiosos em locais públicos e fez ajustes em outros
alvos da pressão da Igreja Católica, mas manteve a defesa da
união civil homossexual, da
adoção de crianças por casais
homo-afetivos e da concessão
de direitos trabalhistas e previdenciários para prostitutas.
Em relação ao agronegócio, o
texto sucumbiu ao Ministério
da Agricultura e à CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), ao deixar de exigir
audiência prévia com os envolvidos antes de decisões judiciais,
como a reintegração de posse.
Também mudou proposta de
mediação de conflitos agrários.
Em vez de bancar a mediação,
remete a decisão a projeto de lei
a ser votado pelo Congresso.
Depois de ouvir o Ministério
da Justiça e a Advocacia-Geral
da União, Lula decidiu revogar
integralmente dois pontos e alterar drasticamente o conceito
original sobre outros sete pontos que receberam forte bombardeio no lançamento do plano, em dezembro passado.
O ministro Paulo Vannuchi
(Direitos Humanos), principal
mentor do 3º PNDH, reconheceu "recuos", mas negou uma
desfiguração: "O novo texto
não desfigura nada. Pelo contrário, atende a necessidade de
conciliar interesses e pressões
e, portanto, é positivo".
"Então, o sr. está satisfeito?",
perguntou-lhe a Folha ontem.
"Satisfeito? Não, isso não. Ficaria parecendo que estou feliz e
comemorando, e este não é o
caso", respondeu.
Ontem, ele disse que as mudanças nessa parte foram num
"eixo menorzinho" e se resumiram a três, além do fim do
veto a ruas com nomes de autoridades envolvidas em tortura.
As outras são: 1) os processos
contra torturadores seriam criminais e civis, mas o novo texto
excluiu a forma criminal; 2) a
referência direta ao regime militar foi retirada e deu lugar a
tortura em qualquer tempo.
Quanto aos veículos de comunicação: foi mantida a criação de um "marco legal" de respeito aos Direitos Humanos
por rádios e TVs, mas excluída
a possibilidade de punição.
"Vou acordar cedo amanhã
[hoje] para ler os jornais e ver
as reações contrárias às mudanças", disse Vannuchi, esperando que não sejam ácidas como as dos setores agora atingidos, que, segundo ele, o chamaram de "psicopata ideológico" e
autor de "produto demoníaco".
Em nota, a CNA afirmou que,
mesmo com as mudanças, o
programa ainda é "um amontoado de sandices". A entidade
acusa o 3º PNDH de encarar o
agronegócio "com preconceito" e condena o dispositivo que
estabelece a utilização de mediação em conflitos agrários
por fazer, segundo a entidade,
"com que o produtor possa ser
obrigado a negociar com aqueles que criminosamente invadem sua propriedade".
Texto Anterior: Sarney rebate Jucá e diz que "ficha limpa" é prioridade Próximo Texto: Ministério adia pregão de projeto para internet sem fio gratuita Índice
|