São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 2006

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ELIO GASPARI

Lula confunde Congresso e torcida

Nosso Guia usa o poder do governo junto às centrais sindicais para desrespeitar a Câmara dos Deputados

LULA ESTÁ construindo uma relação imperial e desrespeitosa com o Congresso. Disse o seguinte na semana passada, um dia depois de uma decisão da Câmara que estendeu aos aposentados o reajuste de 16,6% concedido aos trabalhadores que ganham salário mínimo:
"Eu digo sempre, a votação do salário mínimo no Congresso Nacional, ontem, não foi uma coisa séria, porque o que estava lá para ser votado era um acordo que tinha sido feito pela primeira vez na história do Brasil, com todas as centrais sindicais e todos os aposentados, representados pelas centrais sindicais".
Lula oferece um reajuste de 5% aos 13 milhões de aposentados do INSS. Os 16,6% da Câmara custariam R$ 8 bilhões anuais. A maior parte desse dinheiro iria para cidadãos que ganham menos de R$ 500 por mês. Nada a ver com o Bolsa-Ditadura de Nosso Guia (R$ 4.294 mensais, em maio passado). Há fortes argumentos contra o novo índice de reajuste, e o presidente da República dispõe do poder de veto para esterilizar a iniciativa.
Como o próprio Lula diz, "quando a gente é oposição, pode gargantear, pode blefar". Quando a mesma gente é governo, o presidente não deve dizer que uma votação da Câmara "não foi uma coisa séria". Nem mesmo quando os deputados absolvem seus companheiros do mensalão.
Lula tem 30 anos de vida pública, 27 dos quais na oposição. Só ele sabe quanto tempo consumiu garganteando e blefando. Parolagens e mistificações não são atributos exclusivos do governo (como achava Lula) nem da oposição (com acha Nosso Guia). As 53 palavras do seu discurso carregam um entendimento desordenado do que é o Congresso e do que são as entidades que defendem interesses de corporações.
"O que estava lá para ser votado" não era um acordo. Era uma medida provisória do Poder Executivo. O Congresso não vota acordos, nem de centrais sindicais, nem de torcidas organizadas. As centrais sindicais não representam "todos os aposentados". Representam, quando muito, os sindicatos a elas filiados. Quem representa aposentados, vendedores de rapadura e donos de oficinas mecânicas é o Congresso, poder republicano estabelecido para isso.
Lula abusa da proteção da inimputabilidade cultural. Quando revela que Napoleão foi à China e Oswaldo Cruz inventou a vacina da febre amarela, pode-se fingir que isso não tem importância. Contudo, quando o presidente da República, formado nas mumunhas do sindicalismo, sugere que um acordo de centrais sindicais é uma peça legislativa, o erro deixa de ser banal. É confusão funcional. Chama-se fascismo a organização política na qual o Poder Executivo embaralha centrais sindicais e Poder Legislativo. O Brasil viveu esse sonho de governantes e pelegos durante o Estado Novo.
Lula vem cozinhando uma reforma sindical que tunga os trabalhadores e amplia o poder das centrais. Ele sabe o que está fazendo. Fortalecer agrupamentos amigos é hábito antigo.
Em 1979, o governo federal e a indústria paulista louvaram um acordo feito pela Federação dos Metalúrgicos. Ela representava 29 sindicatos. O de São Bernardo pulou, foi à greve e projetou nacionalmente a imagem de um sindicalista que inebriava a multidão no estádio de Vila Euclides. Foi a primeira experiência de Lula com o êxtase do fracasso, mas essa é uma história velha.


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