São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998

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HISTÓRIA
Pesquisadora reconstrói a resistência de 23 deputados à eleição indireta do general Ernesto Geisel, em 1974
Livro conta a luta dos 'Autênticos do MDB'

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

No dia 15 de janeiro de 1974, 23 deputados do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), a oposição no sistema bipartidário dos anos do regime militar no país, denunciaram como uma farsa a sessão da Câmara para a eleição indireta, pelo Colégio Eleitoral, do general Ernesto Geisel para a Presidência da República.
Conhecidos como o Grupo Autêntico do MDB, esses deputados divulgaram um documento na ocasião, devolvendo o voto a quem consideravam o grande ausente, o povo brasileiro, e expressando sua contrariedade em relação ao comportamento de Ulysses Guimarães, que, descumprindo acordo com o grupo, compareceu à sessão na condição de candidato.
Agora, quase 25 anos depois, o livro "Autênticos do MDB, Semeadores da Democracia" (editora Paz e Terra) chega às livrarias para registrar, pela primeira vez, os motivos que levaram esses 23 deputados (veja lista nesta página) a fazer política de oposição no período mais duro do regime militar.
Para contar a história desse período da política brasileira, a autora do livro, Ana Beatriz Nader, 42, componente do Neho (Núcleo de Estudos de História Oral), da USP, entrevistou 17 dos 23 integrantes do Grupo Autêntico (cinco deles já tinham morrido antes do início da pesquisa, em dezembro de 1993, e um, Álvaro Lins, que morreu no ano passado, negou-se a conceder entrevista).
O livro resultou de uma tese de doutorado da autora na Universidade de Campinas, defendida, com sucesso, em 1997.
Ana Beatriz usou a metodologia da história oral, que é baseada na narrativa individual, segundo a versão de quem vivenciou diretamente o processo.
Ana Beatriz diz que o trabalho surgiu do interesse dela de evitar que o tempo enterrasse a história de um grupo de oposição não intelectual, não insurrecional, não terrorista, mas de parlamentares, que foi a "sementeira da resistência democrática no país".
"A impossibilidade de estudar a história do grupo utilizando apenas a documentação existente foi a principal razão da escolha do método da história oral de vida."
O resultado são depoimentos sobre a contribuição do Grupo Autêntico para o restabelecimento da democracia no país, mantendo viva a memória de um assunto sobre o qual é praticamente inexistente um acervo documental.
Nas entrevistas gravadas, os Autênticos falaram sobre sua infância e adolescência, sobre os motivos que os levaram a fazer política partidária e de oposição em um momento histórico tão adverso e sobre sua visão do mundo e da sociedade atuais.
O livro será lançado amanhã, durante a 10º Conferência Internacional de História Oral, na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
Em sua obra, Ana Beatriz mostra que o Grupo Autêntico não possuía, de início, um projeto comum, um plano de oposição sistemática e nem era entidade orgânica. Apenas resguardava laços institucionais mínimos e obrigatórios com o MDB.
O grupo era formado por políticos de diferentes correntes ideológicas, mas que se uniram em torno de um objetivo comum: a volta ao Estado democrático.
A proposta de levar o país para o regime democrático, enfatiza a autora, passava pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, idéia lançada desde o início da existência do grupo, durante seminário, em Recife, em 1971.
O Grupo Autêntico ganhou destaque internacional com a idéia de uma anticandidatura na passagem do governo do general Emílio Garrastazu Médici para o general Ernesto Geisel, em 1974. A função dessa anticandidatura seria usar a mídia e o espaço público para, além de divulgar o ideal oposicionista, denunciar todos os atos arbitrários do regime militar.
Ulysses Guimarães foi lançado "anticandidato", assumindo o compromisso de renunciar no dia da eleição, mas prosseguiu até o fim, dando assim legitimidade à eleição de Ernesto Geisel, em janeiro de 1974.
Ana Beatriz mostra em seu livro que foi a partir daí e da eleição legislativa de 1974, revestida de caráter plebiscitário e vencida pelo MDB, que a sociedade passou a se organizar buscando a volta do Estado de Direito.



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