São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2004

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TODA MÍDIA

Elite brasileira

NELSON DE SÁ

OK, as reportagens sobre o Brasil na mídia estrangeira, por exemplo, no "New York Times", apresentam uma "ótica preconceituosa".
É a avaliação de Regina Martins, da Unicamp, ontem no site Nomínimo. São textos às vezes "novelescos, com personagens pitorescas", resvalando pelo preconceito.
Mas nem sempre.
Tome-se a reportagem do "Guardian", no fim de semana, sob o título "Abuso de crianças incrimina elite brasileira". O texto abria:
- Investigação de um ano apontou políticos, juízes, padres e empresários entre 200 pessoas a serem processadas. O vice-governador do Amazonas é acusado. Um deputado federal, dois estaduais e prefeitos estão entre os políticos acusados.
A deputada Maria do Rosário prometia não ceder à "pressão" para tirar nomes da lista.
Corte para outra reportagem, no alto da primeira página do "Wall Street Journal" (abaixo). O repórter mostrou como um prefeito se mantém solto, depois de condenado por estuprar sete meninas. Do título:
- Condenado por estupro, médico brasileiro acha um jeito de permanecer livre.
Logo abaixo:
- Segundo lei dos anos 40, o casamento encerra o dano. Quem pagou pelos casamentos?
De volta ao "Guardian", o jornal dizia que o relatório dependia de votação no Congresso. A votação ocorreu. Só o "Jornal da Band" deu manchete:
- CPI tira do relatório o vice do Amazonas.
Da Agência Nordeste:
- O senador Arthur Virgílio (AM) conseguiu aprovar destaque para retirar o nome do vice-governador, acusado de abusar de duas menores de 12 anos. A votação foi apertada.
O senador que decidiu a votação disse que Virgílio "apresentou provas de que não poderia ter sido (o vice-governador) o autor dos crimes".
Já para Maria do Rosário:
- Aqui (no Congresso) tudo se transforma em política. É como se existisse um salvo-conduto para autoridades.
 
Pensando bem, talvez o Brasil mereça ser tratado até com mais preconceito pelas reportagens, na mídia estrangeira. Também na brasileira.

ISTO É BRASIL




Na reportagem de capa, com direito a uma imagem do protagonista (acima), o "Wall Street Journal" diz que a condenação de um médico "politicamente poderoso", pelo estupro de meninas, foi "anulada" há poucos meses pelo Tribunal de Justiça de Goiás. O que salvou o hoje prefeito -eleito após ser condenado- foi um artigo do Código Penal que diz que a punição por crime sexual pode ser anulada se a vítima se casar. Com quem for.
E todas as sete se casaram, algumas no mesmo dia, em cerimônia com o mesmo juiz. O prefeito declarou ao "WSJ" que "não há nada de ilegal" nos casamentos.

A mesma coisa
Por um lado, nas manchetes do "Jornal Nacional" de ontem, sempre muita esperança:
- Congresso aprova a meta de Orçamento. O salário mínimo poderá ter aumento acima da inflação em 2005.
Por outro lado, nas manchetes do "Jornal da Record":
- Congresso aprova R$ 159 milhões para o novo avião da Presidência da República.
E era a mesma notícia.

Futebol 1
Lula abusou da metáfora preferida, ao apresentar o novo presidente da Agência Brasileira de Inteligência, na Globo News:
- Vocês não devem, no exercício da função, pertencer a nenhum partido. Nem dizer qual é o time. Muita gente aqui tem cara de flamenguista, mas no exercício da função é importante que prevaleça o profissionalismo.

Futebol 2
O novo chefe da Abin não entendeu nada. Saiu dizendo:
- Tem muito jogo pela frente. Já fizemos muitos gols, mas eu já tomei caneladas antes mesmo de entrar em campo. Temos que nos antecipar às jogadas. Vamos ganhar de goleada e, no final do jogo, não será surpresa para mim a torcida pedir bis.
Futebol não tem "bis", mas ele não corrompeu só a metáfora.

Guerra santa
Em "O Globo" de ontem, o arcebispo do Rio de Janeiro posou ao lado do católico prefeito Cesar Maia e atacou os "candidatos malandros", que "se preocupam em fazer da religião um mercado de lucro pessoal".
O prefeito e o arcebispo estavam juntos no anúncio de R$ 5 milhões municipais para a reforma de quatro igrejas.

É guerra?
No episódio da soja, exigiam que Lula processasse a China na Organização Mundial do Comércio. Ele não aceitou.
Com a Argentina, pode estar cedendo à pressão. Segundo o site do "Ambito Financiero", o Brasil se prepara para cortar a compra "de alimentos argentinos em represália" às barreiras aos produtos brasileiros.

Intolerável
Com ou sem represália, os argentinos vão pagar. Estão agora às voltas com o aumento nos preços dos eletroeletrônicos. O ministro da Economia chegou a ameaçar, no "Clarín":
- Não vou tolerar aumentos.
Também no "Clarín", os empresários do setor diziam ontem que não elevarão preços.
Mas ontem mesmo, destacou o "Ambito", a Sony brasileira já decidiu interromper a venda de televisores ao país e mudar seu plano de exportações.

Tempo para Lula
Um professor de Berkeley enviou carta à revista do "New York Times" dizendo que Lula, capa da edição anterior, não deveria ser comparado ao polonês Lech Walesa e sim ao sul-africano Nelson Mandela.
E pediu tempo para o governo do PT agir, a exemplo do tempo que se dá ao Congresso Nacional africano, partido de Mandela.

Morte
O neoconservador "Washington Times" noticiou ontem a morte de seu colunista -e ex-assessor de Ronald Reagan- Constantine Menges, "defensor da democracia no mundo".
É o mesmo que, logo após a eleição de Lula, disse que ele formaria um "eixo do mal" com Hugo Chávez e Fidel Castro.


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