São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ LULA NA MIRA

Crimes de responsabilidade incluem improbidade na administração; Collor foi afastado pela Câmara, mas renunciou em 1992

Impeachment constitui processo político

DA REDAÇÃO

O "impeachment" é o ato legal pelo qual o Legislativo destitui o ocupante de cargo governamental que pratica crime de responsabilidade. Ele é um processo político, e não criminal, cujo resultado é a inabilitação temporária para o exercício de funções públicas.
O presidente pode ser afastado pela Câmara sob acusação de crime comum, mas neste caso ele é julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Caso seja acusado por crime de responsabilidade, é julgado pelo Senado. Crimes de responsabilidade são atos que atentam contra a Constituição. Eles incluem, entre outros, atos contra a probidade administrativa e o livre exercício do Legislativo.
Segundo Hélio Bicudo, o impeachment surgiu na Inglaterra na Idade Média: a palavra provém do verbo "to impeach", que significava acusar, culpar, contestar.
Ele constituía a forma de punição para aqueles que lesavam os bens ou os interesses da comunidade, mas atingia sobretudo funcionários e ministros. Casos importantes de impeachment foram os do duque de Suffolk, em 1450, e do cardeal Wolsey, em 1529. O impeachment mais famoso foi o do filósofo e então chanceler Francis Bacon (1561-1626), em 1621, acusado de aceitar suborno. O mecanismo, porém, foi caindo em desuso à medida que o rei perdia poderes para o Parlamento.
Com a independência dos Estados Unidos, o impeachment foi incorporado à Constituição federal norte-americana de 1787. Mas seu emprego efetivo sempre foi muito restrito. Andrew Johnson (vice de Abraham Lincoln), que governou o país de 1865 e 1869, teve um processo aberto pela Câmara. Depois, 35 senadores votaram pelo impeachment e 19, contra. Mas como eram necessários dois terços dos votos para afastá-lo, Johnson ficou no cargo.
Em 1974, Richard Nixon renunciou antes da abertura do processo em razão do escândalo Watergate: na campanha de 1972, homens ligados a Nixon foram presos por espionarem o Partido Democrata na eleição presidencial.
Mais recentemente, em dezembro de 1998, a Câmara aprovou a abertura de processo de impeachment contra Bill Clinton, acusado de prestar falso testemunho ao júri sobre suas relações com Monica Lewinsky e por tentar obstruir a Justiça. O Senado rejeitou sua destituição em fevereiro de 1999.
Nos anos 90, os impeachments tornaram-se um pouco mais freqüentes. Em 1993, na Venezuela, o presidente Carlos Andrés Pérez foi destituído. Em 1999, Raúl Cubas Grau, presidente do Paraguai, também sofreu impeachment.
Rolandas Paksas, presidente da Lituânia, e Alfred Maseng, de Vanuatu, foram afastados em 2004. Roh Moo-hyun, presidente da Coréia do Sul, também foi afastado em 2004, mas a Corte Constitucional anulou essa decisão.

Brasil
No Brasil, o impeachment foi adotado pela Constituição de 1824 e regulamentado em 1827. Tal como na legislação inglesa, ele atingia ministros, secretários e conselheiros de Estado. Como o imperador podia perdoar o infrator, ele deixou de ser utilizado.
Com a Proclamação da República, em 1889, o impeachment passou a atingir o chefe do Executivo, mas raramente ele foi empregado. Deodoro da Fonseca foi deposto por uma revolta da Marinha em 1891 e Washington Luís pela Revolução de 1930. Uma proposta de impeachment contra Getúlio Vargas foi derrotada na Câmara em 1954, mas ele suicidou-se quando os militares ameaçaram destituí-lo. João Goulart foi deposto por um golpe em 1964.
Uma situação mais próxima do impeachment ocorreu em 1955 após as eleições presidenciais que resultaram na vitória de Juscelino Kubitschek (PSD). A UDN liderava um movimento para tentar impedir sua posse, que contava com a simpatia do então presidente Café Filho e de seu substituto, o presidente da Câmara, Carlos Luz. Em 11 de novembro, o general Henrique Lott depôs Carlos Luz, que fugiu. Com o presidente ausente, o Congresso aprovou uma moção declarando o Carlos Luz impedido para o exercício do cargo com base no art. 79, designando o vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, para o seu lugar. A moção foi aprovada no dia 11 por 185 votos contra 72 na Câmara e 43 contra 8 no Senado.
Quando Café Filho tentou reassumir o cargo, em 21 de novembro, Lott convenceu o Congresso a aprovar seu afastamento. Na Câmara, a moção passou por 179 votos a 94 e no Senado por 35 votos contra 16. Nos dois casos, não houve um impeachment propriamente dito, mas um golpe militar depois revestido de base legal.
Só com Fernando Collor de Mello, em 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados aprovou a abertura do processo de impeachment por 441 votos contra 38. Em 29 de dezembro, quando o Senado iniciou o julgamento, Collor renunciou para fugir da pena de inelegibilidade por oito anos. Apesar disso, foi condenado pelo Senado. Seu afastamento foi um exemplo do amadurecimento das instituições democráticas após o fim do regime militar (1964-1985).

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