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Entrevista da 2ª - Hugo Acero
Contra violência, Bogotá melhorou os presídios
Ex-secretário de Segurança e Convivência da capital da Colômbia, Hugo Acero diz que é preciso liderança política para combater o crime
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
O combate à corrupção e a imposição de disciplina nos
presídios foram fundamentais para a redução da violência ligada aos cartéis da droga na Colômbia, afirma
o sociólogo Hugo Acero, consultor do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento que foi por
nove anos secretário de Segurança e Convivência de
Bogotá. Na capital colombiana, a taxa de homicídios
foi reduzida de 80 por 100 mil habitantes, em 1993,
para 18 por 100 mil, no ano passado -queda de 77,5%.
Os ataques a policiais e a prédios públicos do PCC, e as exigências de Marcola, seu líder,
para receber tratamento VIP,
são uma versão menor, mas parecida, do que aconteceu em
Bogotá no final dos anos 80 e
início dos anos 90.
Pablo Escobar, então chefão
do Cartel de Medellín, ameaçado de extradição para os EUA,
partiu para o ataque contra o
Estado Colombiano. Em apenas um ano, 300 policiais foram mortos. Bombas explodiam no Senado e em tribunais
e políticos foram assassinados.
Juntando atentados e a violência urbana, Bogotá era uma das
cidades mais violentas do mundo nessa época.
A capital colombiana, de 8
milhões de habitantes, reduziu
a taxa de homicídios de 80 por
100 mil habitantes, em 1993,
para 18 no ano passado. Neste
ano, deve chegar a 15. No interior, ainda persistem a violência da guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia) e de paramilitares de direita, mas os cartéis
não têm mais a ousadia de Pablo Escobar.
Um dos maiores responsáveis por essa transformação é o
sociólogo Hugo Acero, consultor do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que foi por nove anos
secretário de Segurança e Convivência da Prefeitura de Bogotá, em três gestões diferentes.
Em entrevista à Folha, ele explica as estratégias para a redução da violência na cidade e para o combate a cartéis poderosos.
FOLHA - O sr. vê semelhanças entre
as ações do PCC e os atentados promovidos pelo Pablo Escobar e o Cartel de Medellín?
HUGO ACERO - Pablo Escobar foi
claro em manifestar que "preferia um túmulo na Colômbia
que uma cadeia nos EUA". Ele
quis colocar o Estado colombiano de joelhos. Matou muitas
autoridades, juízes, promotores e policiais. Em um ano, matou 300 policiais. Guardadas as
proporções, o PCC e o Marcola
querem o mesmo, amedrontar
o Estado e impedir que eles sejam controlados e punidos de
forma exemplar.
Para derrotá-lo [a Escobar],
foram montadas equipes especiais, os blocos de busca, com
homens e mulheres com o melhor preparo em inteligência e
ações de assalto da Colômbia.
FOLHA - Marcola, o chefe do PCC,
está preso e ainda assim comanda
seu cartel. O que precisou mudar
nos presídios para os líderes dos cartéis não darem ordens de dentro?
ACERO - As novas cadeias têm
mais controle sobre os presos.
Elas foram construídas para
que exista um mínimo contato
entre os carcereiros e os presos,
com muitos aparelhos eletrônicos. O regulamento penitenciário é aplicado estritamente, em
particular com as visitas, só de
parentes e conjugal uma vez
por mês.
Os presos têm uniformes e
foram definidos os poucos elementos que eles podem ter na
cela -higiene pessoal e um rádio de pilha. Respeitando os direitos humanos e com disciplina. Por exemplo, se um preso,
um líder que quer impor sua lei,
desrespeita algum regulamento, ele recebe como punição ficar 30 dias isolado. Terá duas
horas de sol por dia, uma visita
por mês, e nada mais.
FOLHA - Mas os traficantes não podem corromper os carcereiros?
ACERO - O uso de dinheiro foi
eliminado nos presídios e os líderes dos cartéis foram isolados dos novos líderes. Investigamos os carcereiros corruptos
e indisciplinados, que foram
punidos exemplarmente.
Alguns deles ficaram presos
na mesma prisão onde cometeram delito - como o de vender
drogas aos presos. No novo presídio municipal, melhoramos
as condições dos carcereiros,
com bons dormitórios, salas de
descanso, ginásio poliesportivo, lanchonete e restaurante
adequados.
FOLHA - Como é o treinamento dos
carcereiros?
ACERO - Eles não são apenas
treinados no manejo da cadeia,
mas também trabalhamos valores individuais e familiares.
Envolvemos as famílias deles
nos últimos cursos. A capacitação foi realizada em importantes instituições educativas e sociais, dando o status que eles
mereciam.
O salário deles não melhorou
como devia, mas a carceragem
melhorou muito com tudo que
disse antes.
Nem tudo é dinheiro e a
grande maioria dos carcereiros
é gente boa que requer atenção
e sobretudo bem estar. São
muito poucos os ruins, o que
acontece é que eles se comportam muito mal e os demais os
temem. Mas quando há punições exemplares aos maus elementos, os demais ganham
confiança e se inclinam pela
mudança.
FOLHA - Há regiões e favelas no
Brasil onde a polícia mal consegue
entrar.
ACERO - A polícia não pode resolver a criminalidade nas
áreas mais violentas estando
fora. Ela tem de estar presente
nas favelas, nos bairros violentos.
Informação é fundamental.
Descobrimos que a maioria dos
homicídios acontece das 20h às
2h nos finais de semana. Não dá
para manter os policiais nas
ruas em turnos normais, ignorando esse dado de horário da
criminalidade.
Tínhamos informação confiável sobre os verdadeiros problemas da violência e delinqüência. Como na medicina, se
há um bom diagnóstico, podem
ser propostas e executadas
boas receitas.
FOLHA - Como é o treinamento dos
policiais?
ACERO - Fazemos avaliações
mensais de comandantes e por
áreas. Exigimos resultados.
Enviamos os policiais com
melhor avaliação para fazer
cursos intensivos de dois meses
nas melhores universidades,
cursos sobre violência familiar,
resolução de conflitos, liderança militar.
FOLHA - Tudo o que o sr. fala requer muitos investimentos. Por onde começar?
ACERO - O orçamento da segurança em Bogotá cresceu dez
vezes nos últimos dez anos.
Tem seu preço. Tudo tem um
começo. Se há decisão do Estado brasileiro de retomar o controle dos presídios e se conta
com os recursos necessários
para melhorar o sistema penitenciário, dá para começar um
processo. Este problema não se
resolve da noite para a manhã,
requer decisão política para retomar a autoridade nas cadeias
e se requer recursos para investir na infra-estrutura, equipamento e, acima de tudo, capital
humano.
FOLHA - Ou seja, gastar muito.
ACERO - A sociedade brasileira
deve saber que, se quiser eliminar essa ameaça dos grupos de
delinqüência organizada, terá
de investir muito. Sabemos que
o capital se afasta da violência.
E, se não há investimento porque um lugar é inseguro, não há
geração de empregos nem bem
estar. Competitividade na segurança é competitividade na
economia.
FOLHA - Como crescem as gangues
do crime organizado, até se tornar
algo gigante como o PCC? Que pode
ser feito para evitar que tenham
tanto poder?
ACERO - Nenhum inimigo da
segurança e da convivência cidadã deve ser considerado pequeno. Todos os problemas devem ser atendidos. O que acontece é que o Estado não consegue dimensionar o poder desses pequenos grupos e só se dá
conta quando os pequenos grupos se organizam e constituem
poderosas organizações criminosas sob controle unificado.
Para enfrentar desde os problemas maiores até os menores, é necessária uma política
pública integral que contemple
políticas preventivas até as de
controle e coação.
FOLHA - Por onde começou em Bogotá?
ACERO - Talvez o mais necessário seja a liderança política. O
prefeito, o governador ou o presidente tem de dar a cara, tomar a responsabilidade para si,
ser o líder. Isso nós tivemos em
Bogotá. Começou com o ex-prefeito Antanas Mockus, que
teve dois mandatos. Ele investiu muito no que chamou "cultura cidadã". No respeito ao espaço público, na educação do
povo.
Um sinal de que uma cidade é
insegura é a quantidade de acidentes de trânsito. Mockus
priorizou a educação no trânsito. O prefeito colocou 150 mímicos nos principais cruzamentos de Bogotá. Quando alguém estacionava mal ou parava em cima da faixa de pedestres, os mímicos empurravam
os carros. As crianças, os pedestres vaiavam os infratores. Era
uma maneira lúdica de se educar. Hoje, o número de mortes
no trânsito em Bogotá é mais
próximo dos índices europeus
que dos latino-americanos.
FOLHA - E as pessoas respeitavam
essas políticas?
ACERO - As condutas cívicas
devem respeitar a lei, a cultura
e a moral. Como em nossos países a lei nem sempre é respeitada, Mockus trabalhou muito
com a cultura e com a moral de
cada um. O prefeito seguinte,
Enrique Peñalosa, investiu em
transporte público, em ciclovias, em bibliotecas. O trabalho
de melhorar a convivência na
cidade foi integrado, não só na
segurança. Melhoramos as
condições de vidas nas favelas,
nas regiões mais pobres. E houve continuidade.
FOLHA - No Brasil, prefeitos não
têm competência na área de segurança.
ACERO - As autoridades locais
precisam ter políticas de segurança. As leis têm de dar responsabilidades às prefeituras.
Cada vez mais os problemas
de segurança são problemas locais, dos municípios. A Constituição e as leis têm de dar responsabilidades nessa matéria
às autoridades locais.
FOLHA - Bogotá implementou
uma polêmica lei seca que durou
muitos anos. Como funcionou?
ACERO - Boa parte de nossa violência tem relação com o álcool.
E tínhamos chegado a um ponto em que a sociedade aceitava
sacrifícios para combater a violência. Foi quando determinamos que álcool só poderia ser
vendido até 1h da manhã. A
maioria dos locais fechava cedo. A lei foi chamada de "Cenoura", que, na gíria bogotana,
é a pessoa certinha, careta, ajuizada. O prefeito Mockus valorizou o comportamento "cenoura" na cidade. Hoje os bares já
podem vender álcool até mais
tarde, mas só se a violência não
voltar a crescer. Por enquanto,
isso não aconteceu.
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