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Otavio Frias Filho
Emília para presidente
COM CERCA de 10%
das intenções de voto, a candidatura da
senadora Heloísa Helena
(PSOL-AL) é minoritária o
bastante para ter coesão
ideológica e unidade programática.
É quando cedem à tentação de se tornar majoritários que os partidos perdem esses atributos. Tornam-se balofos e complacentes, bem ao contrário
da elétrica senadora, uma
espécie de boneca Emília
da política atual.
Mas essa coesão ideológica é superficial. Assim como o antigo MDB da época
do regime militar, o que
congrega os adeptos do
PSOL é um "não", categórico e automático, a "tudo o
que aí está".
Não aos bancos, não ao
FMI, não ao condomínio
PSDB-PT no poder. Não ao
mensalão, ao machismo,
aos agrotóxicos, a George
W. Bush, ao desemprego
etc. Não a tudo o que parecer desagradável ou soar
desumano.
Por baixo desse consenso negativo e romântico, é
possível discernir ao menos quatro tendências que
têm pouco em comum entre si. Suas divergências em
potencial só não eclodem
porque todo mundo sabe
que são remotas as chances
reais de HH.
A primeira dessas tendências corresponde ao voto de protesto contra a corrupção. É o voto menos
ideológico daqueles que favorecem a postulação da
senadora. Tem parentesco
com o antigo voto udenista
que tanto fustigou Getúlio
Vargas e seus herdeiros políticos, JK e Jango. Antes
incrustado na direita, boa
parte desse tipo de voto está de visita à esquerda no
espectro atual.
A segunda tendência é a
dos órfãos do antigo PT.
Para esse eleitor foi o partido, não o mundo, que mudou. Em sua inesgotável fidelidade aos próprios dogmas e clichês, o militante
órfão quer começar tudo
de novo, como em 1980.
Outra tendência é a do
cristianismo político. Traduz um anticapitalismo regressivo, sentimental e
contra-tecnológico, cujo
modelo seria algo como
uma aldeia medieval. Como sempre que se mistura
política e religião, é uma
autopista de boas intenções levando diretamente
ao inferno.
Uma quarta tendência,
sem ordem entre elas, é a
da política alternativa pós-moderna. Como o pensamento de esquerda foi expelido da economia após
longa carreira de crimes e
fiascos, refugiou-se nas
causas "leves", ligadas ao
comportamento, à sexualidade, ao ambientalismo.
Não é que existam disparidades entre essas quatro
atitudes. Elas não dispõem
nem sequer de uma linguagem em comum, um "esperanto" como foi o marxismo. Sua unidade retórica
limita-se a reiterar slogans
esfarrapados.
Isso não é responsabilidade do PSOL nem de HH.
É reflexo de um fenômeno
muito mais amplo e de caráter internacional. Em resumo, o colapso do socialismo "real", que até 15 anos
atrás dividia o mundo em
duas metades, deixou o espaço público à mercê do
mercado e de seus intérpretes políticos.
OTAVIO FRIAS FILHO é diretor de Redação da Folha
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