São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2006

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Otavio Frias Filho

Emília para presidente

COM CERCA de 10% das intenções de voto, a candidatura da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) é minoritária o bastante para ter coesão ideológica e unidade programática.
É quando cedem à tentação de se tornar majoritários que os partidos perdem esses atributos. Tornam-se balofos e complacentes, bem ao contrário da elétrica senadora, uma espécie de boneca Emília da política atual.
Mas essa coesão ideológica é superficial. Assim como o antigo MDB da época do regime militar, o que congrega os adeptos do PSOL é um "não", categórico e automático, a "tudo o que aí está".
Não aos bancos, não ao FMI, não ao condomínio PSDB-PT no poder. Não ao mensalão, ao machismo, aos agrotóxicos, a George W. Bush, ao desemprego etc. Não a tudo o que parecer desagradável ou soar desumano.
Por baixo desse consenso negativo e romântico, é possível discernir ao menos quatro tendências que têm pouco em comum entre si. Suas divergências em potencial só não eclodem porque todo mundo sabe que são remotas as chances reais de HH.
A primeira dessas tendências corresponde ao voto de protesto contra a corrupção. É o voto menos ideológico daqueles que favorecem a postulação da senadora. Tem parentesco com o antigo voto udenista que tanto fustigou Getúlio Vargas e seus herdeiros políticos, JK e Jango. Antes incrustado na direita, boa parte desse tipo de voto está de visita à esquerda no espectro atual.
A segunda tendência é a dos órfãos do antigo PT. Para esse eleitor foi o partido, não o mundo, que mudou. Em sua inesgotável fidelidade aos próprios dogmas e clichês, o militante órfão quer começar tudo de novo, como em 1980.
Outra tendência é a do cristianismo político. Traduz um anticapitalismo regressivo, sentimental e contra-tecnológico, cujo modelo seria algo como uma aldeia medieval. Como sempre que se mistura política e religião, é uma autopista de boas intenções levando diretamente ao inferno.
Uma quarta tendência, sem ordem entre elas, é a da política alternativa pós-moderna. Como o pensamento de esquerda foi expelido da economia após longa carreira de crimes e fiascos, refugiou-se nas causas "leves", ligadas ao comportamento, à sexualidade, ao ambientalismo.
Não é que existam disparidades entre essas quatro atitudes. Elas não dispõem nem sequer de uma linguagem em comum, um "esperanto" como foi o marxismo. Sua unidade retórica limita-se a reiterar slogans esfarrapados.
Isso não é responsabilidade do PSOL nem de HH. É reflexo de um fenômeno muito mais amplo e de caráter internacional. Em resumo, o colapso do socialismo "real", que até 15 anos atrás dividia o mundo em duas metades, deixou o espaço público à mercê do mercado e de seus intérpretes políticos.


OTAVIO FRIAS FILHO é diretor de Redação da Folha

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