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ENTREVISTA / FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Reação à carta é sinal de que país está perdido
Ex-presidente volta a criticar o governo, diz que documento não foi entendido nem por líderes tucanos e rebate papel de "desagregador"
No dia 7 de setembro, o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso (1995-2003) publicou
no site do PSDB uma carta dirigida aos eleitores de seu partido. Nas sete
páginas, sobrava um pouco para todos: do senador tucano Eduardo Azeredo, acusado de
operar caixa dois na campanha de 1998, ao
próprio PSDB, passando, obviamente, pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde
então, FHC se recolheu, enquanto se esguiava de balas disparadas pelo governo, pela
oposição e por seu próprio partido. Foi chamado de "velho" (por Cláudio Lembo, governador de São Paulo) e acusado de "ação desagregadora" (por Aécio Neves, de Minas). A
ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff,
viu "desespero".
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
De passagem por Washington e a caminho de Austin, Texas, onde lançaria a segunda
edição em inglês de sua biografia, "The Accidental President
of Brazil" (o presidente acidental do Brasil), FHC falou com
exclusividade à Folha e partiu
para o contra-ataque. Leia os
principais trechos:
FOLHA - O sr. vê as eleições como
jogo jogado? Daí a carta?
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO -
Não, é o contrário, acredito que
vamos para o segundo turno,
faço um chamamento para que
nós defendamos com força
nossas posições.
FOLHA - Não vê Lula reeleito?
FHC - Acho que nós vamos para
o segundo turno. Mesmo com
pesquisa ou sem pesquisa. Veja
a questão do desarmamento:
todo o mundo dizia que ia dar o
"sim". Deu o "não". Existe um
sentimento difuso contra o governo, e talvez por isso essa carta tenha provocado tanta reação. Ela dá um choque, diz:
"Olhe aqui, é uma coisa grave o
que está acontecendo no Brasil,
ninguém se sente mais indignado com tanto horror".
FOLHA - O sr. previa a reação?
FHC - Não, não, não. E não fiz
para isso. Basicamente, é um
chamamento ao PSDB e seus
partidários no sentido de retomar sua linha programática.
FOLHA - O sr. acha que o partido
abandonou o programa?
FHC - Não, não digo isso. Estou
dizendo que é necessário, de
certa maneira, estar reavivando. Não tem nenhuma relação
com campanha, o que falo sobre nosso candidato é só para
defendê-lo. O que falo sobre o
governo não sou eu quem fala, é
o procurador-geral da República, são fatos conhecidos, que
escandalizam todo mundo. É
que como agora tem eleição, isso pode chamar a atenção para
o fato de que estamos aí diante
de uma situação anômala.
Ninguém disse uma palavra
sobre o conteúdo da carta. Nem
os líderes políticos do meu partido. Ninguém disse uma palavra sobre a proposta política da
carta. A carta é política, não no
sentido de politiquinha eleitoral, ela é doutrinária. Isso mostra como nós estamos perdidos
no Brasil, discutindo o secundário e esquecendo o principal.
FOLHA - E a reação?
FHC - A reação, inclusive de alguns companheiros meus,
mostra que nós precisamos fazer mais política no Brasil.
FOLHA - O sr. poderia comentar especificamente? O governador Aécio
Neves (PSDB-MG) disse que a carta é
"desagregadora"; o vice-presidente,
José Alencar, pediu que o senhor
apresentasse as provas...
FHC - Se é que o governador
Aécio realmente disse isso, não
deve ter lido a carta. Porque
mesmo quando eu me referi ao
senador Azeredo, foi chamando-o de uma pessoa decente.
FOLHA - O senador Eduardo Azeredo [acusado de praticar caixa dois na
campanha de 1998] é um dos únicos
do PSDB que o sr. cita pelo nome.
FHC - Mas por quê? Porque eu
estou criticando tão duramente o comportamento do PT e do
governo que, ou eu digo que nós
deveríamos também ter um
comportamento mais estrito,
ou não tenho força moral para
criticar. E faço a distinção entre
caixa dois e mensalão. Não entendo por que chamar a isso de
desagregação, se estou pedindo
que se juntem todos ao redor de
um conjunto de valores e defendam com força as idéias.
Já o governo não tem o que
dizer. Quando não tem o que
dizer, não tem como se defender, porque não é a mim, é ao
procurador-geral da República.
É nos tribunais que está a questão, não é mais uma questão
política, mas de polícia. Deve
ser tratado como crime. Aí, eles
só têm de desviar, como disse a
Dilma, que eu tenho reminiscências do militarismo. Ela não
leu a carta. O povo está vendo o
quê? Dois anos de escândalos.
Agora, você falar disso é ter resquício de militarismo. Está errado. Já o vice-presidente não
sei o que disse e, também, o que
ele diz não chega a alterar o curso da história. [sorri]
FOLHA - Mas por que a carta agora,
a dias das eleições?
FHC - Em política tem de ter
coragem. Mesmo que as coisas
doam a quem pronuncia ou a
seus amigos, têm de ser ditas,
em certos momentos.
Muita gente fica dizendo:
qual é a diferença? Minha carta
diz: somos diferentes. Não porque somos melhores ou porque
somos "éticos", como o PT fazia, mas objetivamente: queremos isso, isso e isso. Em política, você pode ganhar ou perder,
mas não pode perder a cara.
Minha intenção era dizer: a cara do PSDB é essa. E, diante de
um país que passa pela fase em
que o PT se dissolveu no processo de governar, perdeu sua
face, é o momento de reafirmar
nossa cara. Como é que vai chamar de desagregador isso? Só
não tendo lido.
FOLHA - Mas e o peso extra que ela
tem, por ser de um ex-presidente a
dias das eleições?
FHC - Mas tudo o que eu falo
ganha esse peso. Sou ex-presidente! Não respondo a essas
provocações baratas, como a
que fez o Aloizio [Mercadante],
ao dizer que estou enciumado
porque não estou na campanha. Não estou porque não
quero, não acho apropriado,
não estou agindo eleitoreiramente, estou agindo responsavelmente como ex-presidente.
FOLHA - O sr. faz distinção entre
mensalão e caixa dois. Ambos são
crimes. Porque um seria menos condenável do que o outro?
FHC - Todos são condenáveis.
O mensalão, entretanto, é corrupção das instituições, é crime
de responsabilidade. É o crime
mais grave, politicamente falando, da República: corrupção
da instituição.
FOLHA - Mas isso não tira o crime
da prática do caixa dois.
FHC - Na carta, digo que nós
aqui também temos de ter cuidado, porque, por causa de uma
pessoa decente que é o Eduardo [Azeredo], nós paralisamos,
deixamos confundir coisas.
Mensalão é uma coisa gravíssima, porque envolve o Congresso. Paga dinheiro, e não é só
isso: quem fez? Os líderes do
partido que estavam no governo? É o que diz o procurador da
República, nomeado pelo presidente, não vi a papelada. Qual
é a responsabilidade do presidente? Dizer que não viu nada.
Tinha de ter visto. Tinha de demitir depois que soube. Não demitiu. Pediram exoneração.
FOLHA - Outra leitura que se faz da
carta é que o sr. assume sua preferência por José Serra.
FHC - Isso é de uma ingenuidade cruel de quem formula e, de
novo, é pequenez da política
brasileira. Como é que eu vou
ter candidato para uma eleição
que vai se dar daqui a quatro
anos? Só se eu fosse um irrealista, o que eu não sou.
FOLHA - Mas o governador Aécio
Neves não representa a nova geração do PSDB? E, ao chamar sua carta
de desagregadora, ele não está sendo alienado do partido pelo senhor?
O sr. não está rompendo com ele?
FHC - Mas por que romper?
Não estou rompendo, acho que
ele é uma boa possibilidade.
FOLHA - O sr. não o vê em outro
partido, como se cogita hoje?
FHC - Nunca, sou amigo dele.
Não creio que ele vá para outro
partido, isso é fazer o jogo da
destruição do PSDB, começar a
perguntar agora se vai para outro partido. Isso é gente contra
o PSDB, eu sou a favor.
FOLHA - Na hipótese da reeleição
do presidente Lula, o que acontece
ao PSDB?
FHC - Depende disso, de dar
uma cara. Também o Geraldo
ganhando, você tem de ter cara.
Veja o que aconteceu com o PT.
O partido fez um programa, o
Lula fez outro. É um partido
que não vai governar.
FOLHA - Qual o perigo de partido e
presidente terem programas diferentes?
FHC - Não sei se ele [Lula] tem
programa. Acho que é mais grave. O país tem sempre condições de se manter, é muito diversificado, forte, não tenho
uma visão pessimista. Mas qual
o rumo que foi dado nesse último governo? Mudou o quê? Eu
provoquei, até: nem a reforma
agrária! O modelo foi o nosso.
Isso está bom? Não, isso está
ruim, porque tem muita coisa
que tem de mudar, tem de atualizar. O que se chama de esquerda hoje? É o antiamericanismo e a antiglobalização e o
Estado. Isso antigamente se
chamava de populismo. Os países que têm uma esquerda mais
consistente, que são o Uruguai
e o Chile, não são assim. Ao
contrário, o Uruguai quer fazer
acordo direto com os EUA.
FOLHA - E o sr. vê o Brasil nesse momento mais para Chile e Uruguai ou
Venezuela e Bolívia?
FHC - É ambivalente. Nosso
problema é que nunca tomamos posição. Temos de ter integrações mais amplas no comércio mundial. Nós enfiamos a cabeça na areia com a Alca.
Você vê uma América Latina
hoje que pela primeira vez na
história está formando um alinhamento no Pacífico de um lado e no Atlântico do outro. Em
que o Chile passa a ter um papel
influente nos antigos países andinos, e a Venezuela, nos países
do Mercosul. E nós? Você não
governa, você vai se ajeitando.
O presidente Lula vai para cá e
vai para lá. Vai a Mar del Plata,
faz aquela confusão com o Bush
e em seguida chama o Bush e
faz uma homenagem a ele: qual
é a do Brasil?
Leia a íntegra da carta de FHC www.folha.com.br/062412
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