São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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JANIO DE FREITAS

O inadmissível


As brasas do incêndio de Satiagraha, grampos & cia. só não tostaram ainda a seleção do Dunga. Estão em atraso

NO PAÍS onde três jovens são torturados até confessarem os crimes de estupro e morte que não cometeram, confissão que os retém por dois anos na cadeia à espera de processo, dez presos de alta periculosidade são soltos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por estarem ainda à espera, presos, de que os seus processos dêem no Judiciário o primeiro passo.
Os dois casos se passaram no Estado mais rico e "desenvolvido" do país, não nos cafundós amazônicos. O crime de tortura recebeu do governo estadual o tratamento burocrático equivalente ao aplicável a policiais que fizessem alguma desordem, depois das cervejas de praxe; no Congresso, nenhuma iniciativa na Câmara e no Senado, nem mesmo das bancadas paulistas; do Conselho Nacional de Justiça, à falta de "grampo" nos dois casos, nenhum som; de imprensa, TV, rádio, não mais do que o interesse desinteressado que dão aos fatos vulgares, com tratamento idem; dos segmentos sociais que têm voz, nem uma palavra que interrompesse o palavrório eufórico sobre o crescimento do "país bombando", com suas variantes lucrativas.
E o "inadmissível estado policialesco" está no "grampo" do telefone de um ministro do STF.

Nas brasas
A juíza Tatiane Moreira Lima Wickhalder decretou a prisão preventiva de nove dos dez integrantes do PCC que o STF libertou por habeas corpus. Quando o juiz Fausto Martin De Sanctis restabeleceu a prisão de Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes qualificou a medida como desafio ao Supremo. E concedeu segundo e imediato habeas corpus, no mínimo discutível por ter entrado diretamente para as mãos do ministro, à margem do que seria o rito legal para um cidadão comum como Daniel Dantas.
O artifício adotado pela juíza, de modificar o fundamento da prisão (de flagrante, vigente por quatro anos, para preventivo), foi também adotado pelo juiz, que primeiro considerou crimes financeiros e, para a segunda ordem de prisão, tentativa de subornar delegados.
Se a conduta da juíza não for considerada no Supremo como desafio a ser repelido, o ato do juiz também não foi. O que deixaria ou deixará o segundo habeas corpus para Daniel Dantas, seja qual for a consideração sobre o rito, como arbitrariedade ou uso indevido de poder.
As brasas do incêndio de Satiagraha, grampos & cia. só não tostaram ainda a seleção do Dunga. Estão em atraso.

A paz
Muito interessante o esquema criado pelo Ministério da Defesa para "garantir a liberdade dos eleitores" em favelas sob pressão eleitoral da bandidagem. As quadrilhas são avisadas com antecedência, por agenda do ministério posta nos meios de comunicação, dos três dias em que devem recolher-se à discrição entre 12h e 18h, quando as beiradas de seu território serão visitadas por tropas.
Se a segurança dos eleitores não for garantida, a das tropas e da bandidagem estará.


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