São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2001

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ELIO GASPARI

É quase certo: Tasso vai à luta

Em abril, um curioso perguntou ao governador Tasso Jereissati quais eram as chances dele se lançar candidato à presidência da República. "Vinte por cento", foi a resposta. Na semana passada, repetida a pergunta, a resposta foi: "Setenta". É quase certo que ele se lançará como candidato.
Basta olhar sua agenda: na sexta-feira, encontrou-se com Antonio Carlos Magalhães. No sábado, com o governador paraense Almir Gabriel. Na terça, estará em São Luís, almoçando com a governadora Roseana Sarney e com o governador Jarbas Vasconcelos, de Pernambuco. No dia seguinte, em Brasília, conversará com o presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves. Tem um encontro apalavrado com o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga. Esse périplo desembocará em São Paulo. No dia 22, a família de Mário Covas o homenageará num ato público cuja extensão e desfecho ainda não são conhecidos. É certo que terá a adesão de um pedaço do tucanato paulista e que nele ecoará a preferência de Covas por Tasso.
Boa notícia. O lançamento de mais uma candidatura tucana fará bem à vida política nacional. Uma disputa entre o ministro José Serra e o governador cearense só traz vantagens. A primeira resulta da qualificação dos contendores. Não há lembrança de dois nomes desse tamanho disputando lisamente a indicação num mesmo partido. Com o rosto na vitrine, ambos ganham. Livram-se das futricas do andar de cima, passam a depender da simpatia que conseguem no de baixo.
Tasso, por exemplo, livra-se do fator Ciro Gomes. Não sendo candidato, seria sempre cobrado para apoiar o amigo e condenado por não apoiar o candidato de seu partido. Nas últimas semanas, Ciro fez estranhos movimentos, avançando sobre áreas de conhecida lealdade a Tasso. Deputados que seguem sua liderança na Assembléia do Ceará votaram contra o projeto que deu o nome de Covas ao porto de Pecém.
Na terça-feira passada, Serra e Tasso estiveram juntos na inauguração de um centro de tratamento de câncer em Barbalha, no interior do Ceará. Num cotidiano político de insultos, foi um prazer ouvir os discursos dos dois. Serra elogiou a ação do governo do Ceará na área da saúde, e Tasso começou seu discurso dizendo que "nunca é demais repetir" que sua administração lhe deve a liberação de verbas para as três principais obras de seu governo.
Encapuzados, ambos estão na miséria de um só dígito nas pesquisas. Soltos, poderão mostrar seu verdadeiro tamanho. Um levantamento do Ibope mostra que, no pequeno universo das pessoas dispostas a votar num candidato do PSDB, Serra bate Tasso por 42% a 6%.
O desencapuzamento dos candidatos tucanos permitirá a percepção das diferenças que os separam e dos apoios que carregam consigo. Quando a campanha vai para a televisão, os candidatos acabam virando sabonete, mas se eles podem aparecer antes, obrigam-se pelo menos a dizer a que vêm.

Baixo risco
A quem interessar possa: a possibilidade de Duda Mendonça vir a ser intimidado por macumbas destinadas a afastá-lo da campanha de Lula é menor do que se pensa.
No final de 1996, todas as suas pessoas (física e jurídica) foram vasculhadas por auditores da Receita Federal. Esse procedimento pode ter sido uma simples rotina, mas seria muita coincidência se ela se repetisse com o mesmo contribuinte, sempre em ano eleitoral.
Duda é um dos poucos brasileiros que tem jet-ski com guia de importação e já botou até cavalo em declaração de bens.


Alvorada e ocaso
A alvorada da sucessão presidencial e o ocaso da política econômica do governo de FFHH estão produzindo fortes sinais de que se preparam medidas de resgate de empresas que entraram em dificuldade por causa da recessão e/ou do câmbio.
É irresponsabilidade. Trata-se de usar o presente para manter o poder no futuro, entregando ao novo presidente um armário cheio de esqueletos. Para um presidente da coligação governista, serão esqueletos conhecidos. Para um oposicionista, assombrações.

Ajudem Alex
Depois de ter sido levado ao vexame de homenagear a memória do gaúcho Alex Alves da Silva dando-o por morto no atentado de Nova York, bem que FFHH podia conduzir uma gestão discreta no governo americano, pedindo que lhe dê um visto de permanência.
Ele merece. Era corretor de seguros em Porto Alegre e foi ganhar a vida como garçom em Nova York. Sobreviveu ao desabamento de um prédio de 110 andares, e sua família teve medo de comemorar esse fato, receando que viesse a ser deportado.
Outra possibilidade seria mandar para o Afeganistão os diplomatas que estão culpando a família de Alex pelo papel ridículo em que colocaram FFHH. Segundo esses sábios, ela é culpada porque mobilizou o Itamaraty para procurá-lo e não ligou de novo para dizer que o havia achado. Deixam de dizer que, antes de colocá-lo numa lista de mortos encaminhada ao presidente da República, não acharam necessário perder cinco minutos com um telefonema perguntando à família se, por acaso, ele havia aparecido.
Um dos vícios mais vulgares da burocracia diplomática de Pindorama é olhar com desprezo para os brasileiros que vivem nos Estados Unidos ao arrepio de suas leis de imigração. Frequentemente referem-se a eles como "ilegais". São "ilegais" para as leis americanas. Para as brasileiras, são cidadãos. Suas famílias pagam os impostos que sustentam o Itamaraty.

50 anos de fracassos das ekipekonômicas

Saiu nos Estados Unidos um livro para agitar. Chama-se "A Busca Ilusória do Crescimento - Aventuras e Desventuras dos Economistas nos Trópicos" ("The Elusive Quest for Growth - Economist's Adventures and Misadventures in the Tropics"). Seu autor é William Easterly, veterano economista do Banco Mundial. Mostra que, nos últimos 50 anos, os sábios inventaram cinco teorias sucessivas, todas destinadas a levar progresso aos países subdesenvolvidos. Estavam todas erradas. Fracassaram porque não geraram estímulos para que as pessoas mudassem de vida.
Estava errada a idéia segundo a qual um aumento dos investimentos provoca desenvolvimento. Estudando as economias de 138 países entre 1965 e 1995, descobriu que isso só aconteceu em quatro (Israel, Libéria, Tunísia e Reunião, pequena colônia francesa).
Depois veio a teoria de que o desenvolvimento viria com o aumento da escolaridade. Errada. Entre 1960 e 1990, o mundo assistiu a uma explosão educacional. A educação primária praticamente universalizou-se, as matrículas nos cursos secundários quadruplicaram e no ensino superior passaram de 1% para 7,5% da população mundial. Nesse período, as taxas de crescimento da economia mundial declinaram. Easterly sustenta que o desenvolvimento melhora a educação, mas a recíproca não é verdadeira (salvo no caso do ensino fundamental, com resultados pequenos). Sem crescimento, a melhoria da escolaridade produz engenheiros dirigindo taxis.
Em seguida, veio o controle da natalidade. Com menos capitas haveria mais renda. Errada também. As estatísticas de Easterly mostram que, quando muito, há uma pequena correlação positiva entre essas duas coisas, com consequências irrelevantes. A Argentina está no ralo com taxas de fertilidade baixas, e o Botsuana vai bem com taxas altas. O mundo subdesenvolvido continua com fome apesar de a produção de alimentos ter triplicado entre 1960 e 1998 e de seus preços terem caído à metade entre 1980 e 2000.
A mágica seguinte foi a política de "ajuste com crescimento", lançada depois da crise da dívida de 1982. Fizeram os ajustes. Salvo na Ásia e em exceções, como Gana, crescimento não houve. Tentou-se o perdão da dívida dos miseráveis e produziu-se a seguinte gracinha: entre 1989 e 1997, perdoaram-se US$ 33 bilhões de 41 países. Hoje eles devem US$ 44 bilhões.
O livro vale mais pelo que ensina sobre os fracassos do que pelo que oferece como fórmula para o sucesso, até porque pode vir a ser mais uma panacéia inútil.
Toda a sua argumentação gira em torno da necessidade de estímulos para que as pessoas comuns construam o progresso. Para isso, a primeira condição é a destruição das redes de privilégios que os governos sustentam. A segunda é uma política de incentivos ao conhecimento, à tecnologia e à acumulação de capital. Sugere isenções tributárias para educação, tecnologia e importação de bens de capital. Esses subsídios seriam compensados com aumentos nos impostos sobre o consumo.

Os terroristas mataram o general


Na próxima sexta-feira, dia 19 de outubro, o governo do Afeganistão mandará uma mala diplomática para sua delegação nas Nações Unidas, em Nova York. Nela viajarão três metralhadoras, todas com a numeração raspada. Às 2h da madrugada de segunda-feira, dia 22, um diplomata afegão entregará as armas a um grupo terrorista americano. Às 6h da manhã desse mesmo dia, em Washington, o carro onde estará o comandante do Exército será emboscado. Os terroristas pretenderão sequestrá-lo. Se reagir, morrerá.
Não há motivo para alarme. Sem a participação dos afegãos, mas com a do governo americano, esse atentado, com todos os detalhes mencionados, já aconteceu. Não resultou na morte do comandante do Exército dos Estados Unidos, mas no assassinato do comandante do Exército chileno, general René Schneider. Na sexta-feira, completam-se 31 anos do crime, ocorrido em Santiago do Chile, durante o governo do democrata-cristão Eduardo Frei. O atentado destinava-se a tumultuar a política chilena, de forma a impedir a posse de Salvador Allende.
As metralhadoras entregues por funcionários do governo americano a oficiais chilenos não foram usadas durante o ataque a Schneider. Ele foi abatido por um tiro de revólver.
Não há paralelo entre os atos terroristas em que os americanos se meteram e o que aconteceu no dia 11 de setembro em Nova York. Carnificina a parte, Schneider era um alvo determinado e os 6.000 mortos das torres de Nova York foram vítimas indiscriminadas.
Mesmo assim, deve-se lembrar, em nome da racionalidade que o governo dos Estados Unidos envolveu-se e voltará a se envolver em atos que a lei (inclusive a americana) considera criminosos. Fez isso e voltará a fazê-lo, em nome da defesa dos seus interesses nacionais.

ENTREVISTA

Luís Paulo Rosenberg

(57 anos, economista.)
- O senhor escreveu um artigo no jornal "Valor" dizendo que, enquanto o mundo está entrando numa recessão, "os glúteos tupiniquins estão expostos na vitrine". O que é isso?
- Nossos glúteos foram para a vitrine porque a nossa economia atingiu um grau inédito de vulnerabilidade. Vamos fechar o ano com um endividamento público equivalente a 60% do PIB. Com a economia mundial em recessão, a americana grogue e a argentina indo a pique, ficamos nessa incômoda situação. Até 1997, estávamos corretamente vestidos. Depois da crise asiática, o presidente Fernando Henrique manteve a aposta do câmbio sobrevalorizado e ficamos sem as calças, para que ele se reelegesse. Em janeiro de 1999, quando se fez a desvalorização desastrada, perdemos a cueca, mas ainda assim estávamos no fundo da loja. Agora os glúteos estão à mostra para quem passa na rua por conta de dois fatores. Um é o inevitável desastre argentino. Pode demorar três semanas ou três meses, mas a Argentina vai à garra. O outro foi a nossa incapacidade de produzir, até agora, um candidato a presidente que fosse ao mesmo tempo plausível para os investidores internacionais e palatável para o eleitorado nacional.
- Como sempre, a culpa é do Lula?
- De maneira alguma. Em primeiro lugar nada do que aconteceu de ruim à economia pode ser atribuído ao PT. O Lula está fazendo tudo o que pode para não assustar o mercado. É o único que está fazendo tudo certo. Isso não elimina o problema de as pessoas terem medo dele ou de uma administração petista. Tem gente que tem medo de gato preto e tem gente que tem medo de botar dinheiro em lugar governado por um partido de esquerda. Para o investidor, há uma incerteza quase fatalista. Ele está vendo a Argentina indo para o ralo. Logo a Argentina, o país cujos governos mais puxaram o saco do liberalismo. Se um investidor vê que essa experiência, com a qual sempre concordou, deu errado, por que motivos ele haveria de confiar numa outra, baseada em idéias das quais discorda?
- O que os tupiniquins poderiam fazer para tirar os glúteos da vitrine?
- Muita cautela. As pessoas não devem fazer dívidas. Devem aplicar o pouco que tem em coisas convencionais, como as cadernetas de poupança. Quando muito, em fundos DI. Em termos políticos, não se deve acreditar em candidato que prometa crescimento de 7% sem inflação, porque é mentira. Nem em candidato que prometa aumentar os gastos sociais com recursos públicos, porque esse dinheiro não existe nem existirá tão cedo. O melhor que se pode fazer é nada. Ir dormir, esperando acordar só em 2003. O Brasil não está no caso argentino. Não somos um caso terminal, muito menos incurável. A economia mundial vai se recuperar e é possível que as exportações comecem a sinalizar a melhora de nossas contas. Se conseguirmos superávits comerciais de US$ 3 bilhões, sairemos da vitrine. Se em 2002 for eleito um candidato que não assuste, talvez recuperemos a cueca. As calças, não sei.



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