São Paulo, sábado, 14 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Entrevista - Marta Suplicy

Coordenadora da campanha do presidente em SP afirma que Mercadante é um quadro importante do PT e que acha que afastamento de Berzoini foi positivo para o partido

Nem Serra nem Aécio farão oposição a Lula, diz Marta

Antônio Gaudério/Folha Imagem
A ex-prefeita Marta Suplicy, coordenadora de campanha da reeleição do presidente Lula em SP


A EX-PREFEITA MARTA SUPLICY, 61, assumiu, a coordenação em São Paulo da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em meio a mais uma crise no PT. Em entrevista à Folha, ela defende Aloizio Mercadante e diz "achar" que a saída de Ricardo Berzoini da presidência do PT foi positiva para a sigla. Diz ainda que o governador eleito de São Paulo, José Serra, não fará oposição a Lula caso ele se reeleja.

MALU DELGADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Marta à Folha:
 

FOLHA - Como ocorreu o processo de mudança da coordenação da campanha de Lula em São Paulo?
MARTA SUPLICY -
O presidente me convidou para assumir a coordenação e eu aceitei. A primeira providência que tomei foi chamar o PT todo e tentar aglutinar o máximo possível, não deixar a campanha do Aloizio [Mercadante, candidato derrotado ao governo de SP] se desestruturar, manter todos os quadros que já estavam engajados e alguns outros. E no minuto seguinte começar a conversar com outros partidos.

FOLHA - Quais foram os argumentos para a troca do comando?
MARTA -
Foi muito simples. Ele disse que queria que eu assumisse. Não fez alegação nenhuma. Realmente, a coordenação de uma ex-prefeita tem um peso maior.

FOLHA - Sua popularidade na periferia da capital poderia reverter em votos a favor de Lula? A diferença entre Alckmin e Lula no Estado superou 17 pontos. Por que a interlocução do PSDB aqui foi melhor?
MARTA -
Porque eles têm as subprefeituras, têm a chefia da capital, do Estado. Me pareceu natural que fosse desta forma. Vamos tentar ampliar agora a votação do presidente nas periferias, onde sentimos que podíamos ter tido mais [votos].

FOLHA - A sra. está dizendo que o PSDB usou a máquina do Estado?
MARTA -
Tem a máquina, os quadros do Estado há 12 anos. Evidente que é isso.

FOLHA - Mas o presidente Lula não tem a máquina do país?
MARTA -
Parece que não tão efetiva como a forma trabalhada pelo PSDB em 12 anos.

FOLHA - A crise do dossiê foi o que levou Lula ao segundo turno?
MARTA -
Teve um impacto. O quanto, eu não saberia avaliar. Acho que houve uma série de fatores, mas certamente esse foi um deles.

FOLHA - Poderia enumerar outras razões para o segundo turno?
MARTA -
Acho que a não ida ao debate [na TV Globo no primeiro turno] e, como conseqüência, o "Jornal Nacional" do dia seguinte. Tudo isso acabou influenciando. Mas sabe o que eu acho? Não foi ruim, no final das contas, ter o segundo turno. É muito sofrimento para nós, que ficamos mais calmos agora com os 12 pontos à frente do Lula [nos votos válidos, 56% a 44%] na última pesquisa Datafolha. Mas vamos poder discutir mais a fundo os dois projetos para o Brasil. São projetos muito diferentes. Esses dois projetos não são mais abstratos.
O povo vai poder fazer a sua escolha baseado na vivência do que foi o governo Fernando Henrique: o desemprego, as dificuldades enfrentadas pelo país e a falta de políticas sociais mais profundas. E a diferença do que foi o governo Lula para a população carente, desde o preço dos alimentos ao salário mínimo, uma vida melhor para o aposentado, a política externa que foi exitosa.
A população também começou a pesar o profundo senso democrático do presidente. No debate [da TV Bandeirantes], o outro lado não se mostrou do mesmo nível.

FOLHA - Isso explicaria o empate, captado pelo Datafolha, no debate?
MARTA -
Acho que a população se assustou com a mudança de personalidade [de Geraldo Alckmin] e com a reminiscência que nós temos de serviços de marqueteiros. Ele se pôs fazendo uma cruzada ética de forma desrespeitosa, acima do tom. Nós já vimos esse filme com o caçador de marajás. Começa a se ver que a questão ética não é como o PSDB diz que é, e que eles não têm nenhuma condição de se pôr como paladinos da ética, inclusive com a negação de privatizações. Aqui em São Paulo, foram privatizados o Banespa, a Fepasa, a Comgás, a Eletropaulo, as energéticas. Venderam tudo. E acabamos de saber pelo governador Lembo do rombo de R$ 1,2 bilhão. Tinha como planejamento vender 20% da Nossa Caixa. Se o Serra não tivesse metido o pé na porta, tinham vendido. É uma grande hipocrisia do PSDB.
Na medida em que falavam de ética e austeridade, o Alckmin falando do avião presidencial. Ele disse que tinha vendido os aviões [do Estado] e não usaria mais avião. O candidato está ali negando sua postura privatista e tinha acabado de privatizar a energética. O avião que ele disse que tinha vendido foi de bandeja na privatização que ele tinha acabado de fazer. E aí tem essa figuração, de chegar de táxi. Pega mal. Não soa verdadeiro. Em compensação, nós temos um presidente transparente, humano. A população se identifica com ele.

FOLHA - O ponto frágil de Lula é a investigação sobre a origem do dinheiro para pagar o dossiê. A sra. não teme que novos personagens do PT possam ser envolvidos?
MARTA -
Não. O presidente se distanciou disso à medida que colocou com muita clareza que [a investigação] é responsabilidade da Polícia Federal e que ele não fará nada para impedir nenhuma investigação, como fizeram governos anteriores. Doa a quem doer. Quem está devendo explicação de 69 CPIs não-abertas e do envolvimento da Nossa Caixa aliciando deputados é o governador Alckmin.

FOLHA - A operação dossiê, na sua avaliação, partiu da campanha estadual do PT?
MARTA -
Eu estava muito distante de tudo isso. Não tenho a mais leve idéia.

FOLHA - E sobre o dinheiro?
MARTA -
Não tenho idéia. Estou distante dessa situação.

FOLHA - A vantagem do presidente Lula na última pesquisa pode ser atribuída à reconquista de votos de um eleitorado mais à esquerda?
MARTA -
Não entendo de pesquisa. O que eu posso ter como hipótese é que na medida em que vão ficando claros os dois projetos para o Brasil, a esquerda vai se posicionando. Por menos que agradem algumas situações que o PT viveu, o autoritarismo demonstrado por Alckmin e as suas relações com a Opus Dei pesam para o eleitorado. Ficou mais claro um projeto semelhante ao de FHC, e o eleitorado foi se distanciando. Para infelicidade do Alckmin, ainda teve a entrevista do [economista Yoshiaki] Nakano sobre os cortes que ele pretende fazer, que era tudo o que ele queria esconder. Corte de 3% do PIB, quando se faz as contas, são R$ 60 bilhões. E isso não seria possível sem acabar com o Bolsa Família, sem corte na saúde, na educação.
Mesmo as pessoas mais conservadoras passaram a fazer uma reflexão. Afinal, o governo Lula manteve a estabilidade do país, cumpriu contratos, se livrou do FMI pagando antecipadamente, controla a inflação, não fez nenhum choque mirabolante, mas gradualmente diminuiu os juros herdados de 25% para 14,25% hoje. Tudo isso com uma ação social como nunca se teve no país, com diminuição de miséria de 19%. Se a pessoa não tem um ódio de classe profundo contra o PT e o Lula, acaba pensando no bem-estar do Brasil e em como o país está caminhando numa direção acertada. Me parece que a população que estava um pouco arisca a votar no PT, começa a pensar de outra forma.

FOLHA - Se o presidente Lula for reeleito, não haverá necessidade de nenhum ajuste fiscal?
MARTA -
Acho que tem, e provavelmente será feito. Mas com prioridade social, gradual. Eu fui prefeita de São Paulo e posso falar do Alckmin e da sua política social. Quando nós tínhamos mais de 200 mil famílias no Renda Mínima, ele tinha 16 mil no Estado. Hoje, o Estado de São Paulo tem 980 mil, mas é do governo federal. Quando ele diz que vai manter o Bolsa Família, há coisas concretas para comparar.

FOLHA - O PT tentou se refazer depois da crise do mensalão e foi surpreendido pelo caso do dossiê. O afastamento de Ricardo Berzoini da presidência do PT foi positivo?
MARTA -
Acho que foi. Ele tomou a decisão correta. Mas todos esses balanços têm que ser feitos depois da eleição. Agora seria total irresponsabilidade entrar em análises desse tipo.

FOLHA - Quando estourou a crise do dossiê, qual foi a sua sensação?
MARTA -
Foi ruim. Um sentimento ruim.

FOLHA - A sra. não está preocupada em buscar os culpados no PT?
MARTA -
Não. Não é minha função. A Polícia Federal tem que achar esses culpados, e aí o partido agirá de acordo.

FOLHA - A senhora perdeu a prévia para Aloizio Mercadante, mas fez campanha para ele e Lula em SP. Há rumores sobre a implicação direta da campanha de Mercadante com o caso do dossiê e sobre o abalo que isso teria na amizade dele com Lula.
MARTA -
O Mercadante é bem-vindo na coordenação, na campanha, em todos os eventos que vamos fazer. É um quadro muito importante do partido.

FOLHA - O Hamilton Lacerda, que era um dos coordenadores da campanha do Mercadante, era uma figura próxima da senhora?
MARTA -
Eu o conheci, como conheci vários quadros do PT. Ele era responsável por uma macrorregião importante [ABC Paulista].

FOLHA - Ele é apontado pela PF como o portador do dinheiro. O envolvimento de Lacerda a surpreendeu?
MARTA -
Sim. Como surpreendeu a todos, e ao Aloizio. Isso não compete a mim.

FOLHA - Há outro debate hoje no PT sobre a ausência de um sucessor para Lula. A senhora encararia a disputa presidencial em 2010?
MARTA -
Eu não penso nisso. Não dá para fazer previsões de nenhum tipo na política. Os quadros no PT são muitos. Não dá para prever nada daqui a quatro anos. Agora a preocupação é reeleger o presidente.

FOLHA - Falar sobre os dois projetos, com viés econômico, é uma forma de dialogar com a classe média?
MARTA -
As pessoas vão ter condição de ideologicamente se posicionar. FHC levou o país ao endividamento estratosférico, à falta de soberania, ao aumento da pobreza. No governo de São Paulo, de 12 anos, a gestão financeira foi um fracasso -termina com rombo e sem patrimônio. As rebeliões sucessivas nas prisões certamente não são responsabilidade do governo federal. São de Alckmin. É um governador que não teve competência para resolver o problema da Febem. Vamos comparar com o governo Lula. O Brasil colocou as finanças em ordem. Sem choque, sem bravatas.

FOLHA - A senhora disse que a Nossa Caixa só não foi privatizada por intervenção de José Serra. Ele teria uma visão distinta do PSDB?
MARTA -
Talvez um pouco mais à esquerda do PSDB.

FOLHA - Lula, se reeleito, terá um diálogo institucional com Serra?
MARTA -
Já está tendo.

FOLHA - A sra. não acha que Serra fará oposição histérica?
MARTA -
Acho que não. Nenhum dos dois governadores eleitos para os grandes Estados brasileiros [São Paulo e Minas Gerais] vai ser oposição ao presidente da República. Os dois [Serra e Aécio Neves] têm maturidade para saber da importância de seus Estados e do bom relacionamento com o governo federal. Depois, quando chegar perto da disputa [de 2010], eles vão se trucidar antes. E quem sobrar, aí vai tentar trucidar o presidente.

FOLHA - Eles não serão oposição só pela necessidade financeira dos Estados ou pelo projeto 2010?
MARTA -
Tudo junto, né! Mas eles têm responsabilidades como governadores eleitos.

FOLHA - Lula teria condições, num segundo mandato, de manter uma governabilidade mínima?
MARTA -
Mais do que antes. Pela nova composição do Congresso, pelos governadores eleitos, pela facilidade de diálogo com Serra e Aécio e pela vontade do presidente de criar uma concertação no país para que possam ser aprovadas as medidas mais importantes.
Essa percepção tanto o Serra quanto o Aécio também têm. Não podemos continuar sem uma reforma política, sem a reforma tributária, sem as reformas que o país precisa. Vai haver muita controvérsia, mas vamos dar esse salto. Lula tem condições de fazer isso pela capacidade de diálogo e porque tem os movimentos sociais e a classe operária a seu favor.


Texto Anterior: Pernambuco: Valeu a pena enfrentar a polícia, diz Lula a sem-terra
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.