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Entrevista - Marta Suplicy
Coordenadora da campanha do presidente em SP afirma que Mercadante é um quadro importante do PT e que acha que afastamento de Berzoini foi positivo para o partido
Nem Serra nem Aécio farão oposição a Lula, diz Marta
Antônio Gaudério/Folha Imagem
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A ex-prefeita Marta Suplicy, coordenadora de campanha da reeleição do presidente Lula em SP |
A EX-PREFEITA MARTA SUPLICY, 61, assumiu, a coordenação em São Paulo da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em
meio a mais uma crise no PT. Em entrevista à Folha, ela defende Aloizio Mercadante e diz
"achar" que a saída de Ricardo Berzoini da presidência do PT foi positiva para a sigla. Diz ainda que o governador eleito de São Paulo, José Serra, não fará
oposição a Lula caso ele se reeleja.
MALU DELGADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista de Marta
à Folha:
FOLHA - Como ocorreu o processo
de mudança da coordenação da
campanha de Lula em São Paulo?
MARTA SUPLICY - O presidente
me convidou para assumir a
coordenação e eu aceitei. A primeira providência que tomei
foi chamar o PT todo e tentar
aglutinar o máximo possível,
não deixar a campanha do Aloizio [Mercadante, candidato
derrotado ao governo de SP] se
desestruturar, manter todos os
quadros que já estavam engajados e alguns outros. E no minuto seguinte começar a conversar com outros partidos.
FOLHA - Quais foram os argumentos para a troca do comando?
MARTA - Foi muito simples. Ele
disse que queria que eu assumisse. Não fez alegação nenhuma. Realmente, a coordenação
de uma ex-prefeita tem um peso maior.
FOLHA - Sua popularidade na periferia da capital poderia reverter em
votos a favor de Lula? A diferença
entre Alckmin e Lula no Estado superou 17 pontos. Por que a interlocução do PSDB aqui foi melhor?
MARTA - Porque eles têm as
subprefeituras, têm a chefia da
capital, do Estado. Me pareceu
natural que fosse desta forma.
Vamos tentar ampliar agora a
votação do presidente nas periferias, onde sentimos que podíamos ter tido mais [votos].
FOLHA - A sra. está dizendo que o
PSDB usou a máquina do Estado?
MARTA - Tem a máquina, os
quadros do Estado há 12 anos.
Evidente que é isso.
FOLHA - Mas o presidente Lula não
tem a máquina do país?
MARTA - Parece que não tão
efetiva como a forma trabalhada pelo PSDB em 12 anos.
FOLHA - A crise do dossiê foi o que
levou Lula ao segundo turno?
MARTA - Teve um impacto. O
quanto, eu não saberia avaliar.
Acho que houve uma série de
fatores, mas certamente esse
foi um deles.
FOLHA - Poderia enumerar outras
razões para o segundo turno?
MARTA - Acho que a não ida ao
debate [na TV Globo no primeiro turno] e, como conseqüência, o "Jornal Nacional" do dia
seguinte. Tudo isso acabou influenciando. Mas sabe o que eu
acho? Não foi ruim, no final das
contas, ter o segundo turno. É
muito sofrimento para nós, que
ficamos mais calmos agora com
os 12 pontos à frente do Lula
[nos votos válidos, 56% a 44%]
na última pesquisa Datafolha.
Mas vamos poder discutir mais
a fundo os dois projetos para o
Brasil. São projetos muito diferentes. Esses dois projetos não
são mais abstratos.
O povo vai poder fazer a sua
escolha baseado na vivência do
que foi o governo Fernando
Henrique: o desemprego, as dificuldades enfrentadas pelo
país e a falta de políticas sociais
mais profundas. E a diferença
do que foi o governo Lula para a
população carente, desde o preço dos alimentos ao salário mínimo, uma vida melhor para o
aposentado, a política externa
que foi exitosa.
A população também começou a pesar o profundo senso
democrático do presidente. No
debate [da TV Bandeirantes], o
outro lado não se mostrou do
mesmo nível.
FOLHA - Isso explicaria o empate,
captado pelo Datafolha, no debate?
MARTA - Acho que a população
se assustou com a mudança de
personalidade [de Geraldo
Alckmin] e com a reminiscência que nós temos de serviços
de marqueteiros. Ele se pôs fazendo uma cruzada ética de
forma desrespeitosa, acima do
tom. Nós já vimos esse filme
com o caçador de marajás.
Começa a se ver que a questão ética não é como o PSDB diz
que é, e que eles não têm nenhuma condição de se pôr como paladinos da ética, inclusive
com a negação de privatizações. Aqui em São Paulo, foram
privatizados o Banespa, a Fepasa, a Comgás, a Eletropaulo, as
energéticas. Venderam tudo. E
acabamos de saber pelo governador Lembo do rombo de
R$ 1,2 bilhão. Tinha como planejamento vender 20% da Nossa Caixa. Se o Serra não tivesse
metido o pé na porta, tinham
vendido. É uma grande hipocrisia do PSDB.
Na medida em que falavam
de ética e austeridade, o Alckmin falando do avião presidencial. Ele disse que tinha vendido os aviões [do Estado] e não
usaria mais avião. O candidato
está ali negando sua postura
privatista e tinha acabado de
privatizar a energética. O avião
que ele disse que tinha vendido
foi de bandeja na privatização
que ele tinha acabado de fazer.
E aí tem essa figuração, de
chegar de táxi. Pega mal. Não
soa verdadeiro. Em compensação, nós temos um presidente
transparente, humano. A população se identifica com ele.
FOLHA - O ponto frágil de Lula é a
investigação sobre a origem do dinheiro para pagar o dossiê. A sra.
não teme que novos personagens
do PT possam ser envolvidos?
MARTA - Não. O presidente se
distanciou disso à medida que
colocou com muita clareza que
[a investigação] é responsabilidade da Polícia Federal e que
ele não fará nada para impedir
nenhuma investigação, como
fizeram governos anteriores.
Doa a quem doer. Quem está
devendo explicação de 69 CPIs
não-abertas e do envolvimento
da Nossa Caixa aliciando deputados é o governador Alckmin.
FOLHA - A operação dossiê, na sua
avaliação, partiu da campanha estadual do PT?
MARTA - Eu estava muito distante de tudo isso. Não tenho a
mais leve idéia.
FOLHA - E sobre o dinheiro?
MARTA - Não tenho idéia. Estou distante dessa situação.
FOLHA - A vantagem do presidente
Lula na última pesquisa pode ser
atribuída à reconquista de votos de
um eleitorado mais à esquerda?
MARTA - Não entendo de pesquisa. O que eu posso ter como
hipótese é que na medida em
que vão ficando claros os dois
projetos para o Brasil, a esquerda vai se posicionando. Por menos que agradem algumas situações que o PT viveu, o autoritarismo demonstrado por
Alckmin e as suas relações com
a Opus Dei pesam para o eleitorado. Ficou mais claro um projeto semelhante ao de FHC, e o
eleitorado foi se distanciando.
Para infelicidade do Alckmin, ainda teve a entrevista do
[economista Yoshiaki] Nakano
sobre os cortes que ele pretende fazer, que era tudo o que ele
queria esconder. Corte de 3%
do PIB, quando se faz as contas,
são R$ 60 bilhões. E isso não seria possível sem acabar com o
Bolsa Família, sem corte na
saúde, na educação.
Mesmo as pessoas mais conservadoras passaram a fazer
uma reflexão. Afinal, o governo
Lula manteve a estabilidade do
país, cumpriu contratos, se livrou do FMI pagando antecipadamente, controla a inflação,
não fez nenhum choque mirabolante, mas gradualmente diminuiu os juros herdados de
25% para 14,25% hoje. Tudo isso com uma ação social como
nunca se teve no país, com diminuição de miséria de 19%.
Se a pessoa não tem um ódio
de classe profundo contra o PT
e o Lula, acaba pensando no
bem-estar do Brasil e em como
o país está caminhando numa
direção acertada. Me parece
que a população que estava um
pouco arisca a votar no PT, começa a pensar de outra forma.
FOLHA - Se o presidente Lula for
reeleito, não haverá necessidade de
nenhum ajuste fiscal?
MARTA - Acho que tem, e provavelmente será feito. Mas com
prioridade social, gradual. Eu
fui prefeita de São Paulo e posso falar do Alckmin e da sua política social. Quando nós tínhamos mais de 200 mil famílias
no Renda Mínima, ele tinha 16
mil no Estado. Hoje, o Estado
de São Paulo tem 980 mil, mas
é do governo federal. Quando
ele diz que vai manter o Bolsa
Família, há coisas concretas
para comparar.
FOLHA - O PT tentou se refazer depois da crise do mensalão e foi surpreendido pelo caso do dossiê. O
afastamento de Ricardo Berzoini da
presidência do PT foi positivo?
MARTA - Acho que foi. Ele tomou a decisão correta. Mas todos esses balanços têm que ser
feitos depois da eleição. Agora
seria total irresponsabilidade
entrar em análises desse tipo.
FOLHA - Quando estourou a crise
do dossiê, qual foi a sua sensação?
MARTA - Foi ruim. Um sentimento ruim.
FOLHA - A sra. não está preocupada em buscar os culpados no PT?
MARTA - Não. Não é minha função. A Polícia Federal tem que
achar esses culpados, e aí o partido agirá de acordo.
FOLHA - A senhora perdeu a prévia
para Aloizio Mercadante, mas fez
campanha para ele e Lula em SP. Há
rumores sobre a implicação direta
da campanha de Mercadante com o
caso do dossiê e sobre o abalo que isso teria na amizade dele com Lula.
MARTA - O Mercadante é bem-vindo na coordenação, na campanha, em todos os eventos que
vamos fazer. É um quadro muito importante do partido.
FOLHA - O Hamilton Lacerda, que
era um dos coordenadores da campanha do Mercadante, era uma figura próxima da senhora?
MARTA - Eu o conheci, como
conheci vários quadros do PT.
Ele era responsável por uma
macrorregião importante
[ABC Paulista].
FOLHA - Ele é apontado pela PF como o portador do dinheiro. O envolvimento de Lacerda a surpreendeu?
MARTA - Sim. Como surpreendeu a todos, e ao Aloizio. Isso
não compete a mim.
FOLHA - Há outro debate hoje no
PT sobre a ausência de um sucessor
para Lula. A senhora encararia a disputa presidencial em 2010?
MARTA - Eu não penso nisso.
Não dá para fazer previsões de
nenhum tipo na política. Os
quadros no PT são muitos. Não
dá para prever nada daqui a
quatro anos. Agora a preocupação é reeleger o presidente.
FOLHA - Falar sobre os dois projetos, com viés econômico, é uma forma de dialogar com a classe média?
MARTA - As pessoas vão ter
condição de ideologicamente
se posicionar. FHC levou o país
ao endividamento estratosférico, à falta de soberania, ao aumento da pobreza.
No governo de São Paulo, de
12 anos, a gestão financeira foi
um fracasso -termina com
rombo e sem patrimônio. As rebeliões sucessivas nas prisões
certamente não são responsabilidade do governo federal.
São de Alckmin. É um governador que não teve competência
para resolver o problema da
Febem. Vamos comparar com
o governo Lula. O Brasil colocou as finanças em ordem. Sem
choque, sem bravatas.
FOLHA - A senhora disse que a Nossa Caixa só não foi privatizada por
intervenção de José Serra. Ele teria
uma visão distinta do PSDB?
MARTA - Talvez um pouco mais
à esquerda do PSDB.
FOLHA - Lula, se reeleito, terá um
diálogo institucional com Serra?
MARTA - Já está tendo.
FOLHA - A sra. não acha que Serra
fará oposição histérica?
MARTA - Acho que não. Nenhum dos dois governadores
eleitos para os grandes Estados
brasileiros [São Paulo e Minas
Gerais] vai ser oposição ao presidente da República. Os dois
[Serra e Aécio Neves] têm maturidade para saber da importância de seus Estados e do
bom relacionamento com o governo federal. Depois, quando
chegar perto da disputa [de
2010], eles vão se trucidar antes. E quem sobrar, aí vai tentar
trucidar o presidente.
FOLHA - Eles não serão oposição só
pela necessidade financeira dos Estados ou pelo projeto 2010?
MARTA - Tudo junto, né! Mas
eles têm responsabilidades como governadores eleitos.
FOLHA - Lula teria condições, num
segundo mandato, de manter uma
governabilidade mínima?
MARTA - Mais do que antes. Pela nova composição do Congresso, pelos governadores
eleitos, pela facilidade de diálogo com Serra e Aécio e pela
vontade do presidente de criar
uma concertação no país para
que possam ser aprovadas as
medidas mais importantes.
Essa percepção tanto o Serra
quanto o Aécio também têm.
Não podemos continuar sem
uma reforma política, sem a reforma tributária, sem as reformas que o país precisa. Vai haver muita controvérsia, mas vamos dar esse salto. Lula tem
condições de fazer isso pela capacidade de diálogo e porque
tem os movimentos sociais e a
classe operária a seu favor.
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