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Entrevista - Luiz Carlos Mendonça De Barros
Ex-ministro das Comunicações diz que aumento do poder de compra dos salários não seria possível sem venda de empresas do governo
Lula usa estatais para distribuir cargos, diz tucano
PARA O economista tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva critica as privatizações como
parte de um "discurso de ocasião", eleitoreiro, mas de fato desejaria que a Vale do Rio Doce não
tivesse sido privatizada, para poder ocupar seus cargos com funcionários "sem a devida qualificação, como é feito nas estatais de hoje".
DA REPORTAGEM LOCAL
Para Mendonça de Barros,
que ocupou o cargo de ministro
das Comunicações no governo
Fernando Henrique Cardoso
entre abril e novembro de 1998,
o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva é capaz de, ao mesmo
tempo, dizer a verdade e fazer
um discurso eleitoreiro ao defender que não teria privatizado a Vale do Rio Doce nem o setor de telecomunicações.
A declaração de Lula foi feita
ao jornal "O Globo". "Eu não teria privatizado", disse o presidente ao ser questionado sobre
o modelo de Estado que defende e de ouvir, na pergunta, uma
menção à mineradora e às teles.
"Dizendo isso, o governo pode continuar com sua campanha terrorista, que procura colar no candidato Alckmin a
idéia de que privatizaria a Petrobrás, o Banco do Brasil e a
Caixa Econômica Federal."
Por outro lado, o economista
defende que esse discurso exprime um desejo real do presidente. "Ao dizer que não privatizaria a Vale, me parece que
Lula fala a verdade. Afinal a Vale, neste caso, seria mais um espaço para ocupação de cargos
sem a devida qualificação, como é feito nas estatais de hoje."
Segundo Mendonça de Barros, o governo Lula se beneficiou do processo de privatizações. Um maior volume de exportações, como o que a Vale
privatizada consegue fazer,
contribuiu para a entrada de
dólares e a valorização do real,
"fator importante para a redução expressiva dos preços internos dos alimentos e do aumento do poder de compra dos
salários mais baixos", ele diz.
A seguir, trechos da entrevista com o economista.
FOLHA - Como o sr. viu a declaração do presidente Lula de que não
teria privatizado as teles e a Vale?
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS -
É sempre muito difícil entender o que o nosso presidente
realmente quer dizer em suas
declarações públicas. Elas não
guardam coerência com a sua
história, com as idéias e programas de seu partido, com atos e
decisões de seu governo e, muitas vezes, entram em choque
até com suas declarações mais
recentes.
Ao dizer que não privatizaria
a Vale, me parece que Lula fala
a verdade. Afinal a Vale neste
caso seria mais um espaço para
ocupação de cargos sem a devida qualificação, como é feito
nas estatais de hoje. Por isto, digo: ainda bem que a Vale foi privatizada.
Veja quantos diretores e funcionários graduados estão sendo hoje investigados por atos
ilegais, uso indevido dos cargos,
favorecimentos e outras coisas.
Isso compromete a reputação e
a marca dessas empresas. Eu
tenho frio na espinha em imaginar o que seria da Vale e da
antiga Telebrás se estivessem
subordinadas ao governo atualmente.
Lula não sabe, ou não quer
saber, que se a Vale hoje exporta US$ 6 bilhões ao ano e é uma
das três maiores empresas mineradoras do mundo, é porque
está liberta de amarras burocráticas, de influência política
em suas decisões operacionais
e de investimento, de utilização
de dinheiro da empresa em assuntos que não lhe dizem respeito e de ser instrumento de
política externa como ocorre
com a Petrobras na Bolívia.
Nosso presidente também
esconde da população que a Vale, como empresa pública, não
poderia aumentar seu endividamento, pois isso influenciaria o chamado superávit primário, este sacrossanto compromisso do governo do PT e de
Lula para com os mercados financeiros. Os projetos de investimentos da Vale estariam
condicionados a esta limitação,
e não teria havido a extraordinária expansão dos últimos
anos. Hoje a Vale compra empresas estrangeiras e compete
em igualdade de condições com
as melhores do mundo porque
é privada.
No caso da Vale, há vários benefícios oriundos da privatização para a melhora de vida dos
brasileiros. Só que esses efeitos
não são de fácil percepção. Eles
chegam difusamente ao brasileiro comum por meio do aumento das exportações, diminuição da nossa histórica vulnerabilidade externa e, portanto, do risco de crises cambiais e
de explosão da inflação. Seu
efeito maior sobre a vida do cidadão é escamoteado da opinião pública pelo governo. O
aumento expressivo das exportações da antiga estatal é um
dos componentes do processo
de valorização do real, fator importante para a redução expressiva dos preços internos
dos alimentos e do aumento do
poder de compra dos salários
mais baixos.
FOLHA - E no caso das teles?
MENDONÇA DE BARROS - Se no caso da Vale os benefícios que
chegaram ao cidadão são mais
difíceis de serem sentidos, no
caso da Telebrás eles são vistos
em todo lugar. Basta andar pelas ruas das cidades brasileiras
e mesmo pelos rincões mais
distantes. O Brasil tem hoje
mais telefones do que a Inglaterra, embora esse país tenha
uma renda per capita oito vezes
maior que a nossa.
Os grandes beneficiários são
brasileiros comuns, para quem
o telefone é um instrumento de
trabalho, e não de fofoca. As
pessoas esquecem que, até a
privatização, um telefone fixo
chegava a custar R$ 5.000, um
verdadeiro absurdo.
FOLHA - Qual o sentido desse discurso?
MENDONÇA DE BARROS - Claramente esse discurso contra as
privatizações é um discurso de
ocasião, eleitoreiro e sem coerência com o que o governo faz.
Como as privatizações já foram
feitas, como a Vale já é a maior
exportadora brasileira, como
os celulares custam hoje preço
de banana, como o setor privado já está investindo no porto
de Santos, fica fácil vir agora dizer que seria contra essas privatizações.
Por outro lado, dizendo isso o
governo pode continuar com
sua campanha terrorista, que
procura colar no candidato
Alckmin a idéia de que privatizaria a Petrobras, o Banco do
Brasil e a Caixa Econômica Federal. Isso é uma mentira, puro
oportunismo político. Na verdade, o que o PSDB vai fazer é
devolver às empresas o caráter
de corporações públicas, a seriedade e a reputação que elas
merecem.
FOLHA - Como vê a possibilidade
de um segundo mandato do presidente Lula? O que pode mudar?
MENDONÇA DE BARROS - Se Lula
ganhar -ainda precisamos esperar até 29 de outubro-, vejo
grandes mudanças na economia brasileira ao longo de um
eventual segundo mandato. E
para pior. Os motivos deste
meu pessimismo não têm nada
a ver com mudanças radicais na
economia mundial. Espero
apenas um pequeno desaquecimento do crescimento do mundo em relação ao ritmo quente
que tivemos nos últimos anos.
Minhas preocupações são todas com questões internas. E
qualifico ainda mais esta minha
observação. Também não têm a
ver com problemas macroeconômicos. Os motivos de minhas dúvidas e angústias são de
natureza microeconômica.
Elas nascem basicamente de
um fenômeno que vejo com
clareza. A economia brasileira
está passando por um choque
de racionalidade criado pela situação extremamente favorável de nossas contas externas.
O real forte e sem grandes oscilações está fazendo com que
consumidores e empresas busquem nos mercados externos,
principalmente de produtos industriais, uma situação de preço e qualidade que não encontram aqui. Com isso, nossas indústrias, pouco competitivas
por restrições tributárias e creditícias, vão sofrer e perder espaço em relação às empresas do
exterior. Uma parte grande de
nosso já raquítico nível de investimento e consumo vai ser
atendida por importações crescentes, reduzindo as oportunidades de emprego e de aumento de renda para a população
como um todo.
Além disso, as forças conjunturais que empurraram nosso
consumo neste ano eleitoral,
principalmente a expansão do
crédito e a caneta do presidente, vão perder força. Como o
Banco Central ainda não aceita
isso, a redução dos juros permanecerá menor do que a necessária para contrabalançar os
efeitos negativos que listei.
FOLHA - O sr. tem clareza sobre
qual é a proposta econômica do candidato Geraldo Alckmin? Está mais
para as propostas de Yoshiaki Nakano ou para os ultra-ortodoxos?
MENDONÇA DE BARROS - O PSDB
tem em seus quadros e simpatizantes um grupo seleto de economistas; foram eles que desenharam e implantaram o Plano
Real. Hoje, os desafios de nossa
economia são de outra ordem.
Mesmo com a inflação baixa,
uma situação fiscal mais favorável, e uma sólida parte externa, o Brasil não cresce. Este é
uma espécie de "conundrum"
[enigma], para usar uma expressão do grande Allan
Greenspan. É sobre ele que os
economistas ligados ao candidato Alckmin discutem; e neste
momento existem diferentes
formas de visualizar uma saída
desta situação de raquitismo de
crescimento. Por isto aparecem estas divergências de caminho, como o pregado pelo
professor Nakano. E se eleito,
Geraldo Alckmin saberá, como
fez o presidente FHC em 1994,
caminhar para uma convergência de idéias e soluções. Não tenho dúvidas disto.
Mas eu prefiro este quadro
de discussões do que o clima de
cemitério analítico e de proposições que vemos na equipe do
presidente Lula.
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