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ELIO GASPARI
Dilma detonou a privataria dos pedágios
Nos anos 90, falava-se
em cobrar R$ 10 para cada 100 quilômetros; Nosso Guia baixou para R$ 2,70
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NA TARDE DE terça-feira concluiu-se no salão da Bolsa de
São Paulo um bonito episódio de competência administrativa e
de triunfo das regras do capitalismo
sobre os interesses da privataria e
contubérnios incestuosos de burocratas. Depois de dez anos de idas e
vindas, o governo federal leiloou as
concessões de sete estradas (2,6 mil
km). Para se ter uma medida do tamanho do êxito, um percurso que
custaria R$ 10 de acordo com as planilhas dos anos 90, saiu por R$ 2,70.
No ano que vem, quando a empresa
espanhola OHL começar a cobrar
pedágio na Fernão Dias, que liga Belo Horizonte a São Paulo, cada 100
quilômetros rodados custarão R$
1,42. Se o cidadão quiser viajar em
direção ao passado, tomará a Dutra,
pagando R$ 7,58 pelos mesmos 100
quilômetros. Caso vá para Santos,
serão R$ 13,10. Não haverá no mundo disparidade semelhante.
Se essa não foi a maior demonstração de competência do governo de
Nosso Guia, certamente será lembrada como uma das maiores. Sua
história mostra que o Estado brasileiro tem meios para defender a patuléia, desde que esteja interessado
nisso. Mostra também que se deve
tomar enorme cuidado com o discurso da modernidade de um bom
pedaço do empresariado. Nele, não
se vende gato por lebre. É gato por
gato mesmo.
O lote das sete rodovias entrou no
programa de desestatização do tucanato em 1997. Desde então, desenhavam-se editais restringindo a
disputa a empresas de engenharia
nacionais. No final de 2002, após
uma trombada com o Tribunal de
Contas da União, o caso foi para a
mesa de FFHH. O monarca desconfiou da pressa e deixou o assunto para o novo governo. Em 2003, o ministro dos Transportes, Anderson
Adauto, armou outra concorrência.
Nova trombada com o TCU. Alguns
preços baseavam-se em custos do
mercado paulista, o mais caro do
país. O tribunal determinou que o
ministério largasse o osso, entregando-o à Agência Nacional de Transportes Terrestres. Ela achou R$ 300
milhões de gordura nas planilhas, y
otras cositas más.
Em meados de 2005, o governo
quebrou a cláusula da reserva de
mercado para empresas nacionais.
Anunciou um leilão, aberto a quaisquer interessados. Além disso, chegou a xerife. A ministra Dilma Rousseff, a ANTT e o Tribunal de Contas
discutiram o projeto e conseguiu-se
uma redução de 56% no preço estimado para os pedágios. A taxa de retorno dos concessionários, que inicialmente era de 18% anuais, caiu para 13%. Dilma queria, no máximo,
um retorno de 9%. Argumentava que
as empresas estavam lucrando algo
em torno de 25% ao ano. Em janeiro
passado, o leilão das concessões foi
suspenso.
O "Financial Times" viu na iniciativa um viés de inépcia, talvez estatizante, a la Hugo Chávez. Confundiu-se deliberadamente adiamento com
cancelamento. Vale relembrar a gritaria: "Retrocesso. Se isso (o fim do
leilão) acontecer, os recursos internos e externos serão aplicados em
outros países. (...) Se há distorções,
elas têm de ser corrigidas, mas com
base em avaliações técnicas, não
ideológicas." (Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base, a Abdib. "O Brasil corre o risco de ficar
na contramão dos Estados Unidos,
Europa, Chile e México." (Renato
Vale, presidente da CCR, concessionária de 1,4 mil quilômetros de estradas brasileiras.) "É um equívoco,
porque o Brasil não tem capacidade
de investimento." (Geraldo Alckmin).
Não havia equívoco, não se corria
risco, nem havia ideologia no lance.
O governo cansou de explicar que
não estava cancelando coisa alguma.
Disse aos empresários, e eles entenderam, que pretendia apenas discutir a relação. Diante de números que
encolheram à metade a partir das
avaliações técnicas, sentira-se o
cheiro de queimado. Não adiantava,
a sabedoria convencional ensina
que, se o governo de Nosso Guia não
cumpre as agendas das empreiteiras,
isso reflete más intenções ou preconceitos esquerdistas que afugentam capitais e travam o progresso.
Durante oito meses, uma força-tarefa da Casa Civil e da ANTT trabalharam no caso. A ministra lembrava
que os juros tinham baixado e a economia brasileira de 2007 não era a de
2002. Murmurava-se que o projeto
era inviável, sonho de guerrilheira,
pois não apareceriam candidatos.
Na terça feira, quando o leilão começou, havia 30 empresas na disputa. Três horas depois, os sete lotes de estradas estavam vendidos. Nenhum
dos clientes tradicionais conseguira
emplacar sua oferta e o grupo espanhol OHL ganhou os cinco trechos
que disputou, tornando-se o maior
concessionário de estradas do país,
com 3.225 km. Quando ele arrematou a Fernão Dias, oferecendo um
pedágio de R$ 1,42 para cada 100 quilômetros houve espanto no salão. A
ANTT fixara um teto de R$ 4,00, a
segunda colocada pedira R$ 2,21 e as
demais, em torno de R$ 3,57. Os cavaleiros do Apocalipse micaram, triturados pela lógica da competição
internacional.
Esse resultado só aconteceu porque o governo não se deixou encurralar pelo alarmismo. Trocou a mão
invisível de Brasília pela de Adam
Smith.
Fica agora o tucanato paulista numa enrascada. Tem no colo um pacote de cinco leilões de rodovias estaduais num modelo que produziu os
pedágios mais caros do país. Isso deriva de um conjunto de fatores. Um
deles é o de se exigir dos concessionários um pagamento chamado de
outorga. A empresa explora a rodovia, mas adianta um prêmio ao erário, em obras ou em dinheiro. Lula
seguiu a escrita de FFHH, que não
cobrou esse tipo de dote nas concessões da ponte Rio-Niterói e da Dutra.
Será difícil provar que ambos fizeram besteira.
RECORDAR É VIVER
Durante os primeiros anos de
mandato de Lula, o ex-senador
Fernando Escórcio, faz-tudo de
Renan Calheiros, freqüentava o
plenário do Senado na condição
de quebra-galho e ouvinte atento
da Casa Civil do comissário José
Dirceu.
Chegava a constranger senadores quando encostava nas rodinhas de conversas e ouvia calado,
para contar tudo mais adiante.
Trabalhou como um mouro na votação da reforma da Previdência
de 2003.
VAI NESSA, RENAN
Enquanto sonha com a hora de
voltar à presidência do Senado,
Renan Calheiros podia estudar
para um concurso de acesso à função de promotor público. Dentro
da lei, o doutor Wagner Grossi trocou de pista numa rodovia de São
Paulo e bateu com sua Ford Ranger na motocicleta em que viajavam o metalúrgico Alessandro Silva Santos (27 anos), sua mulher
Alessandra (26) e o enteado Ariel
(7). Matou os três, saiu do carro
com uma lata de cerveja na mão e
perguntou a um transeunte o que
acontecera. Rossi foi para casa,
continua promotor, habilitado a
dirigir carro. A lei orgânica do Ministério Público só permite a prisão em flagrante dos doutores que
cometem crime inafiançável. Renan não chegou a esse ponto.
TREM BALA
Pelo andar da carruagem, o projeto do trem-bala ligando o Rio a
São Paulo fará pelo menos duas
paradas. A máquina de moer números do BNDES está fazendo as
contas.
LÍDER DELE
Pode-se entender que o senador
Valdir Raupp tenha posto seus colegas para fora da Comissão de
Constituição e Justiça. Mais difícil
é achar que ele continua liderando
alguém.
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