São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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"Como vai ficar agora a Fernão Dias a R$ 0,90 e a Dutra a R$ 7?"

FOLHA - O sr. concorda com a revisão dos critérios de concessão de TV no Brasil? Encampará idéias do PT? Fará um marco regulatório?
LULA
- Nesse negócio das concessões de TV, o governo tem de renovar as concessões a cada 15 anos. Quem encaminha as concessões ao Congresso é o Ministério das Comunicações.
Há uma revolução tecnológica na área que é preciso um robô para acompanhar os avanços cotidianos. Tenho ponderado ao ministro das Comunicações que é preciso que a gente comece a analisar se todas as concessões estão cumprindo aquilo que se comprometeram a cumprir. Se tiver cumprindo, ótimo, vai para o Congresso. Se não tiver, temos de chamar aqui para cumprir. Não tem trauma.

FOLHA - A reportagem da Folha visitou uma família que, segundo pesquisa da FGV integrava o contingente de 6 milhões de pessoas que deixaram a miséria. Constatou que a família comia carne uma vez por semana, que algumas refeições não eram feitas, que as crianças andavam descalças e viviam na miséria. Não é pouco diante das expectativas que suas duas eleições geraram? Não é pequena a alardeada melhoria social que seu governo fez?
LULA
- Não. É muito. Temos 190 milhões de habitantes. Você vai a uma família e quer fazer um julgamento dos problemas sociais? Em qualquer metodologia do Datafolha, há um percentual de tolerância de as coisas [acertos] acontecerem ou não. Nós fizemos muito neste país, e certamente falta muito para fazer. Me considero um presidente satisfeito pelo que fiz, mas insatisfeito porque ainda é preciso fazer muito mais.

FOLHA - Qual será o legado de sua Presidência?
LULA
- Um país com menos gente pobre, os pobres comendo melhor, maior crescimento industrial, mais educação. É importante que a sociedade brasileira atente com muito carinho para o que está acontecendo no Brasil. O Brasil está determinado a ocupar um lugar que é seu na história. Nós tivemos chances enormes no século 20 e não conseguimos aproveitá-las. Não se trata de procurar culpados. O fato é que todos nós somos vítimas de o Brasil não ter aproveitado a chance quando foi o país que mais cresceu durante tantas décadas, quando foi o país do "milagre", quando foi o país da época do JK e da época do Getúlio Vargas. Nós criamos chances extraordinárias de dar um salto de qualidade e paramos, como no caso do Plano Real.

FOLHA - Esses processos não se interromperam por que a conta do salto tinha de ser paga depois? O desenvolvimentismo do Juscelino nos deixou como custo a inflação; o "milagre", a dívida externa. O Plano Real não exigiu um câmbio valorizado que depois cobrou a conta?
LULA
- As pessoas pensam muito no curto prazo. Desde 2003, quando decidimos fazer o esforço gigantesco que nós fizemos, eu fiz uma opção muito clara. Eu tinha muito capital político e, portanto, eu poderia gastar uma parte do capital político para poder fazer o ajuste fiscal que nós fizemos. Todo mundo que entende de economia sabe que no começo me trataram como louco por ter feito aquele ajuste fiscal. Foi necessário para dar a base para a gente mostrar seriedade interna e externa. Sempre defendi a idéia de que o Brasil não precisa, de forma alucinada, ficar procurando um crescimento econômico de 8%, de 9%, de 10% ao ano. O Brasil precisa é ter um ciclo grande de crescimento, que seja de 5% de crescimento, que seja 7%, que seja 4,5%, mas que seja uma coisa duradoura para que todos os segmentos da sociedade possam se programar.

FOLHA - No primeiro mandato, o sr. tomou uma decisão dura, o ajuste fiscal, que foi a base do bom momento econômico de hoje. No segundo mandato, há um aumento do gasto público. Não está deixando uma bomba-relógio ao sucessor?
LULA
- Não. Quero contribuir com o Brasil desmistificando essa coisa do gasto público e do investimento público. A máquina pública precisa funcionar: se não funcionar, as coisas não andam. E aí sim haverá um gasto público de não fazer as coisas que tem de fazer no tempo que tem de fazer. Quanto custou para o Brasil não fazer a reforma agrária no período em que todos os países fizeram? Quanto custou não alfabetizar o povo na década de 50? O custo foi infinitamente mais caro do que se as coisas tivessem sido feitas no tempo certo.

FOLHA - O BC deu sinais de que vai interromper o processo de queda dos juros. Acha que é hora de parar de diminuir a Selic?
LULA
- Não, não acho.

FOLHA - E se parar?
LULA
- Se parar, vai explicar a razão pela qual parou. Minha orientação para os companheiros Henrique Meirelles [presidente do BC] e Guido Mantega [ministro da Fazenda] é não ficar brincando com a inflação. Quero manter a inflação na meta [4,5% ao ano]. Se ela atingir 7%, 8%, a gente não controla mais. Ela não pode subir e vamos fazer qualquer sacrifício para que não suba.

FOLHA - Na campanha, o sr. criticou a privatização. Na terça, privatizou estradas. É uma contradição?
LULA
- Há diferença no que fizemos agora do que foi anteriormente. Nunca falei privatização de estrada. Não sou tão culto, mas aprendi a diferença entre privatização e concessão. Espero que esse leilão [para concessão de estradas] sirva de lição ao Brasil. Abrimos mão da outorga porque o objetivo da concessão era que a iniciativa privada administrasse aquela estrada, pudesse fazer os investimentos necessários, e o usuário pudesse ganhar o máximo possível. Não era para o Estado ganhar dinheiro. A participação dos espanhóis [levaram 6 das 7 concessões] é o resultado da imagem que eles têm do Brasil. A minha tese é que o Brasil se encontrou consigo mesmo. Tem algumas pessoas que ainda não querem crer, mas essa é a verdade.

FOLHA - As concessões anteriores não foram bem-feitas?
LULA
- Não vou fazer julgamento. O dado concreto é que os pedágios são muito caros. A lógica diz que, quanto mais tráfego tiver, mais barato deve ser o pedágio. Como vai ficar agora a Fernão Dias a R$ 0,90 e a Dutra a R$ 7? Só espero que o povo sinta a diferença.


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