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"Como vai ficar agora a Fernão Dias a R$ 0,90 e a Dutra a R$ 7?"
FOLHA - O sr. concorda com a revisão dos critérios de concessão de TV
no Brasil? Encampará idéias do PT?
Fará um marco regulatório?
LULA - Nesse negócio das concessões de TV, o governo tem
de renovar as concessões a cada
15 anos. Quem encaminha as
concessões ao Congresso é o
Ministério das Comunicações.
Há uma revolução tecnológica
na área que é preciso um robô
para acompanhar os avanços
cotidianos. Tenho ponderado
ao ministro das Comunicações
que é preciso que a gente comece a analisar se todas as concessões estão cumprindo aquilo
que se comprometeram a cumprir. Se tiver cumprindo, ótimo,
vai para o Congresso. Se não tiver, temos de chamar aqui para
cumprir. Não tem trauma.
FOLHA - A reportagem da Folha visitou uma família que, segundo pesquisa da FGV integrava o contingente de 6 milhões de pessoas que deixaram a miséria. Constatou que a
família comia carne uma vez por semana, que algumas refeições não
eram feitas, que as crianças andavam descalças e viviam na miséria.
Não é pouco diante das expectativas que suas duas eleições geraram?
Não é pequena a alardeada melhoria social que seu governo fez?
LULA - Não. É muito. Temos
190 milhões de habitantes. Você vai a uma família e quer fazer
um julgamento dos problemas
sociais? Em qualquer metodologia do Datafolha, há um percentual de tolerância de as coisas [acertos] acontecerem ou
não. Nós fizemos muito neste
país, e certamente falta muito
para fazer. Me considero um
presidente satisfeito pelo que
fiz, mas insatisfeito porque ainda é preciso fazer muito mais.
FOLHA - Qual será o legado de sua
Presidência?
LULA - Um país com menos
gente pobre, os pobres comendo melhor, maior crescimento
industrial, mais educação. É
importante que a sociedade
brasileira atente com muito carinho para o que está acontecendo no Brasil. O Brasil está
determinado a ocupar um lugar
que é seu na história. Nós tivemos chances enormes no século 20 e não conseguimos aproveitá-las. Não se trata de procurar culpados. O fato é que todos
nós somos vítimas de o Brasil
não ter aproveitado a chance
quando foi o país que mais cresceu durante tantas décadas,
quando foi o país do "milagre",
quando foi o país da época do
JK e da época do Getúlio Vargas. Nós criamos chances extraordinárias de dar um salto
de qualidade e paramos, como
no caso do Plano Real.
FOLHA - Esses processos não se interromperam por que a conta do salto tinha de ser paga depois? O desenvolvimentismo do Juscelino nos
deixou como custo a inflação; o "milagre", a dívida externa. O Plano
Real não exigiu um câmbio valorizado que depois cobrou a conta?
LULA - As pessoas pensam muito no curto prazo. Desde 2003,
quando decidimos fazer o esforço gigantesco que nós fizemos, eu fiz uma opção muito
clara. Eu tinha muito capital
político e, portanto, eu poderia
gastar uma parte do capital político para poder fazer o ajuste
fiscal que nós fizemos. Todo
mundo que entende de economia sabe que no começo me
trataram como louco por ter
feito aquele ajuste fiscal. Foi
necessário para dar a base para
a gente mostrar seriedade interna e externa. Sempre defendi a idéia de que o Brasil
não precisa, de forma alucinada, ficar procurando um crescimento econômico de 8%, de
9%, de 10% ao ano. O Brasil
precisa é ter um ciclo grande
de crescimento, que seja de 5%
de crescimento, que seja 7%,
que seja 4,5%, mas que seja
uma coisa duradoura para que
todos os segmentos da sociedade possam se programar.
FOLHA - No primeiro mandato, o
sr. tomou uma decisão dura, o ajuste fiscal, que foi a base do bom momento econômico de hoje. No segundo mandato, há um aumento
do gasto público. Não está deixando uma bomba-relógio ao sucessor?
LULA - Não. Quero contribuir
com o Brasil desmistificando
essa coisa do gasto público e do
investimento público. A máquina pública precisa funcionar: se não funcionar, as coisas
não andam. E aí sim haverá
um gasto público de não fazer
as coisas que tem de fazer no
tempo que tem de fazer. Quanto custou para o Brasil não fazer a reforma agrária no período em que todos os países fizeram? Quanto custou não alfabetizar o povo na década de
50? O custo foi infinitamente
mais caro do que se as coisas
tivessem sido feitas no tempo
certo.
FOLHA - O BC deu sinais de que vai
interromper o processo de queda
dos juros. Acha que é hora de parar
de diminuir a Selic?
LULA - Não, não acho.
FOLHA - E se parar?
LULA - Se parar, vai explicar a
razão pela qual parou. Minha
orientação para os companheiros Henrique Meirelles
[presidente do BC] e Guido
Mantega [ministro da Fazenda] é não ficar brincando com
a inflação. Quero manter a inflação na meta [4,5% ao ano].
Se ela atingir 7%, 8%, a gente
não controla mais. Ela não pode subir e vamos fazer qualquer sacrifício para que não
suba.
FOLHA - Na campanha, o sr. criticou a privatização. Na terça, privatizou estradas. É uma contradição?
LULA - Há diferença no que fizemos agora do que foi anteriormente. Nunca falei privatização de estrada. Não sou tão
culto, mas aprendi a diferença
entre privatização e concessão. Espero que esse leilão [para concessão de estradas] sirva
de lição ao Brasil. Abrimos
mão da outorga porque o objetivo da concessão era que a iniciativa privada administrasse
aquela estrada, pudesse fazer
os investimentos necessários,
e o usuário pudesse ganhar o
máximo possível. Não era para
o Estado ganhar dinheiro. A
participação dos espanhóis
[levaram 6 das 7 concessões] é
o resultado da imagem que
eles têm do Brasil. A minha tese é que o Brasil se encontrou
consigo mesmo. Tem algumas
pessoas que ainda não querem
crer, mas essa é a verdade.
FOLHA - As concessões anteriores
não foram bem-feitas?
LULA - Não vou fazer julgamento. O dado concreto é que
os pedágios são muito caros. A
lógica diz que, quanto mais
tráfego tiver, mais barato deve
ser o pedágio. Como vai ficar
agora a Fernão Dias a R$ 0,90
e a Dutra a R$ 7? Só espero que
o povo sinta a diferença.
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