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Casos tragicômicos revelam despreparo de militantes e militares
Mesmo planejadas, ações dos que se enfrentavam durante ditadura tinham resultados inesperados; histórias de arquivos secretos viraram livro de ficção
FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois que o AI-5 inaugurou
em 1968 os anos de chumbo da
ditadura brasileira, militantes e
militares radicalizaram. Muitas ações planejadas parecem
até piadas. Revelam, contudo, a
inexperiência e o despreparo
dos representantes dos dois lados daquela guerra.
Em 1970, um agente disfarçado de mendigo para vigiar
uma casa no Rio de Janeiro foi
recolhido pelo serviço social da
prefeitura antes mesmo de começar o serviço previsto. Ele
ganhou banho, roupa e emprego antes de voltar para os porões da ditadura.
A farda de militar e os jargões
de oficiais também não foram
suficientes para evitar a prisão
de um militante de esquerda
infiltrado, que se "entregou" ao
bater continência com as duas
mãos em um quartel no Rio
Grande do Sul.
Uma operação policial planejada, no final dos anos 70, para
estourar um suposto aparelho
repleto de terroristas invadiu
um bordel cheio de autoridades
na zona oeste do Rio de Janeiro. As polícias Militar e Civil
também trocaram tiros dentro
de um supermercado na Baixada Fluminense, furaram latas
de óleo e tomaram muitos tombos. Cada uma identificou a outra como "inimigo", enquanto o
grupo que planejara limpar os
caixas do supermercado fugiu
convicto de que companheiros
estavam em apuros.
Desde que deixou o comando
da Infraero, em meados de
2007, o brigadeiro da reserva
José Carlos Pereira tem se dedicado a escrever essas e outras
histórias inspiradas em documentos sigilosos da ditadura.
"Para qualquer leitor atual, [os
arquivos são] uma série quase
interminável de piadas prontas, mas que, se contextualizadas na época, podem significar
realmente algo sombrio", diz.
Escalado para resgatar os arquivos de unidades da Aeronáutica depois do incêndio de
documentação secreta e confidencial na base aérea de Salvador, em 2004, Pereira decidiu
transformar em ficção casos
tragicômicos reais narrados na
farta papelada. O livro ainda
não está pronto porque cada
episódio está sendo descaracterizado com cautela pelo autor.
Segundo ele, é preciso manter sob o mais absoluto sigilo
nomes de pessoas e instituições
assim como detalhes das ações
narradas pelos órgãos de repressão. "Esses documentos
ainda são secretos e estaria praticando um crime caso fizesse
tais revelações. No entanto,
existem casos hilariantes, de
ambas as partes, que podem ser
comentados se devidamente
descaracterizados."
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