São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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Casos tragicômicos revelam despreparo de militantes e militares

Mesmo planejadas, ações dos que se enfrentavam durante ditadura tinham resultados inesperados; histórias de arquivos secretos viraram livro de ficção

FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois que o AI-5 inaugurou em 1968 os anos de chumbo da ditadura brasileira, militantes e militares radicalizaram. Muitas ações planejadas parecem até piadas. Revelam, contudo, a inexperiência e o despreparo dos representantes dos dois lados daquela guerra.
Em 1970, um agente disfarçado de mendigo para vigiar uma casa no Rio de Janeiro foi recolhido pelo serviço social da prefeitura antes mesmo de começar o serviço previsto. Ele ganhou banho, roupa e emprego antes de voltar para os porões da ditadura.
A farda de militar e os jargões de oficiais também não foram suficientes para evitar a prisão de um militante de esquerda infiltrado, que se "entregou" ao bater continência com as duas mãos em um quartel no Rio Grande do Sul.
Uma operação policial planejada, no final dos anos 70, para estourar um suposto aparelho repleto de terroristas invadiu um bordel cheio de autoridades na zona oeste do Rio de Janeiro. As polícias Militar e Civil também trocaram tiros dentro de um supermercado na Baixada Fluminense, furaram latas de óleo e tomaram muitos tombos. Cada uma identificou a outra como "inimigo", enquanto o grupo que planejara limpar os caixas do supermercado fugiu convicto de que companheiros estavam em apuros.
Desde que deixou o comando da Infraero, em meados de 2007, o brigadeiro da reserva José Carlos Pereira tem se dedicado a escrever essas e outras histórias inspiradas em documentos sigilosos da ditadura. "Para qualquer leitor atual, [os arquivos são] uma série quase interminável de piadas prontas, mas que, se contextualizadas na época, podem significar realmente algo sombrio", diz.
Escalado para resgatar os arquivos de unidades da Aeronáutica depois do incêndio de documentação secreta e confidencial na base aérea de Salvador, em 2004, Pereira decidiu transformar em ficção casos tragicômicos reais narrados na farta papelada. O livro ainda não está pronto porque cada episódio está sendo descaracterizado com cautela pelo autor.
Segundo ele, é preciso manter sob o mais absoluto sigilo nomes de pessoas e instituições assim como detalhes das ações narradas pelos órgãos de repressão. "Esses documentos ainda são secretos e estaria praticando um crime caso fizesse tais revelações. No entanto, existem casos hilariantes, de ambas as partes, que podem ser comentados se devidamente descaracterizados."


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