São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2001

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QUESTÃO AGRÁRIA

Movimento escolhe como adversárias indústrias de biotecnologia e grandes importadoras de alimentos

Marketing do Greenpeace inspira MST

THOMAS TRAUMAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ampliou o seu leque de adversários e reformulou a sua estratégia de marketing, inspirada nas atividades do Greenpeace.
Além do governo federal e dos fazendeiros, alvos tradicionais do movimento, o MST escolheu como novos adversárias as indústrias de biotecnologia e as grandes importadoras de alimentos.
O novo marketing inclui ações de impacto que ganhem as primeiras páginas dos jornais. Internamente essas ações são chamadas de "pedagogia do exemplo".
Os casos mais recentes da nova tática foram as destruições em duas semanas de duas lavouras que teriam soja transgênica -uma delas uma fazenda experimental da multinacional de biotecnologia Monsanto.
"Uma ação como a da Monsanto pode chocar a sociedade num primeiro momento, mas depois leva à reflexão. Agora as pessoas estão discutindo de que forma os transgênicos afetam a saúde", disse Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST.
Os transgênicos foram escolhidos pelo MST como alvo não apenas pela polêmica do seu uso entre médicos e ambientalistas, mas principalmente porque a tecnologia cria uma relação de dependência entre os agricultores e a fábrica de sementes.
É que as sementes transgênicas são patenteadas, o que significa que só podem ser usadas sob licença da companhia fabricante.
Os importadores são considerados adversários porque o MST passará a ter como uma das suas principais bandeiras a "soberania alimentar", a proposta para que o país produza internamente todos os alimentos que consome.
Isso não significa, porém, que o MST vá parar com as suas mobilizações tradicionais. Mais de 1.500 famílias estão acampadas na beira de rodovias do Rio Grande do Sul em uma prévia de novas de invasões de terras.
O que multinacionais de biotecnologia, importadores de alimentos e invasões de terra têm em comum? A resposta foi dada em uma palestra recente pelo líder do MST João Pedro Stedile.
"A luta pela reforma agrária não depende apenas de lutar contra o latifúndio, mas de derrotar o modelo econômico. E este modelo coloca toda a produção de sementes nas mãos de seis multinacionais e faz o país ser dependente das importações de alimentos."
Ele usou a ação contra a Monsanto como exemplo. "Não basta mandar a Monsanto para fora do país, mas usar essa luta como uma forma simbólica, pedagógica, de mostrar ao povo que esse modelo é um perigo." Os militantes do MST aderem a atividades contra possíveis monopolizadores de sementes e importadores de alimentos também por causa da concorrência com seus produtos.
Para o público, o MST pretende escolher alvos simbólicos, como a propriedade de uma empresa, um navio graneleiro ou ainda a sede de um banco internacional.
A avaliação de marketing também está influenciando as formas como o MST enfrenta o governo.
Para combater o projeto do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) de cadastrar famílias pelos Correios, o MST está incentivando a adesão ao programa. A intenção é cadastrar dezenas de milhares de famílias no programa e criar demanda por uma resposta do governo.
"A sociedade apóia a reforma agrária, mas não vê com bons olhos as ocupações. Então vamos reunir os cadastrados, fazer assembléias, passeatas, chamar a atenção dos prefeitos e comprovar para a sociedade que essa proposta de reforma agrária do governo é só no papel, que a ocupação é a forma de pressionar pela reforma agrária", disse Mauro.
Internamente, o MST também quer mudar a sua mensagem. A intenção é tornar os assentamentos uma opção ao êxodo rural e não uma alternativa econômica para ex-lavradores e pequenos agricultores falidos.
É uma consequência da avaliação geral de que a pequena agricultura tem baixas possibilidades de sobrevivência na competição com os grandes produtores.
Segundo as contas do MST, foram assentadas 350 mil famílias nos últimos 15 anos. Mas, apenas nos últimos oito anos, 820 mil famílias de pequenos produtores deixaram as suas terras.
O MST quer que os assentamentos não atraiam famílias em busca de renda, mas se tornem comunidades rurais para quem deixou sua propriedade. "Os assentamentos podem ser vistos como uma opção de qualidade de vida, comparados com a periferia das grandes cidades", diz Mauro.


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