São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Pragmático, "MST tucano" compra lote e cita mercado

Associação dos Trabalhadores Sem Terra de SP reúne cerca de 100 mil pessoas

Inicialmente ligados ao PT, líderes passaram a se aliar a tucanos; ações são criticadas por outros movimentos por "amenizarem luta de classes"


FERNANDO BARROS DE MELLO
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os líderes da Associação dos Trabalhadores Sem Terra do Estado de São Paulo se orgulham, em tom de brincadeira, de provavelmente serem um dos maiores latifundiários da capital paulista.
Apesar de liderar cerca de 100 mil pessoas num movimento por habitação urbana, o casal Marcos, 46, e Cleuza Zerbini, 54, diz não acreditar "em ideologia" e explica os resultados de sua organização -que já conseguiu moradia para mais de 17 mil famílias na periferia- com uma referência incomum em movimentos sociais: "É uma questão de lei de mercado. Para grandes áreas de terra, você não tem muita procura".
Explica-se: a associação, que existe desde 1986, não invade terrenos abandonados nem exige do poder público que dê moradia a seus militantes. Em vez disso, usa pequenas poupanças familiares -"são economias individuais, não se trata de cooperativa"- reunidas em grande quantidade para comprarem amplos lotes e depois dividi-los entre os militantes.
"Somos contra ocupar. Ocupação é construir uma nova favela", diz Cleuza.
Como a maioria dos líderes sociais do país, ela e o marido iniciaram sua militância nas pastorais da Igreja Católica e no PT. Hoje, além de pragmáticos, são ligados ao PSDB paulista -Marcos Zerbini é deputado estadual pela sigla- e ao movimento católico Comunhão e Libertação, que apoia o papa Bento 16 e é crítico da igreja mais progressista, identificada com a Teologia da Libertação.
Neste domingo, o maior movimento social "de base" do PSDB reunirá 10 mil pessoas no ginásio do Ibirapuera para ouvir o líder internacional de Comunhão e Libertação, padre Julián Carrón, que visita o país.

Rupturas
O caminho até a configuração atual do movimento foi marcado por rupturas com a esquerda e por uma aliança pragmática com os governos tucanos do Estado.
"No final dos anos 80, decidimos não participar de uma grande ocupação", diz Marcos. "A pessoa, quando participa de uma ocupação, abandona o aluguel que pagava, geralmente em alguma favela. Quando é despejada, não tem onde ficar. Decidimos então que preferíamos tentar comprar a terra."
A primeira iniciativa reuniu 18 famílias, e um terreno na zona norte da capital foi comprado ao custo de menos de dois salários mínimos por lote. Hoje a maior parte das áreas compradas pela associação fica próxima ao quilômetro 23 da rodovia Anhanguera. A maioria das casas é simples. Muitas têm acabamento e pintura externa. Há pontos de ônibus, calçamento, creches e escolas em parceria com os governos municipal e estadual. O cenário é de um bairro pobre que escapa, por pouco, da imagem que se costuma ter de uma favela.
Marcos e Cleuza dizem ter recebido críticas de setores da igreja e de movimentos populares por "amenizarem a luta de classes". Buscaram parcerias com governos, que ganharam intensidade na administração Mario Covas (1995-2001).
Outra frente "pragmática" de atuação do grupo é a negociação de descontos para jovens integrantes da associação em faculdades privadas. O princípio é similar ao da compra de terra em grandes lotes: "Se eles têm muitas vagas ociosas, e nós temos os alunos, por que não negociar?", questiona Marcos. Por esse método, têm hoje "parcerias" com 16 instituições.
O modelo não escapa de críticas. O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), por exemplo, defende a ocupação de terrenos e estampa em letras garrafais em seu site aviso de que não tem convênio com faculdades. "Lutamos por uma educação pública, gratuita e de qualidade" diz o MTST, marcando diferenças.
Deputados do PT também afirmam que o governo do Estado tem condições de fornecer moradia à população carente e que as pessoas não teriam que comprar os terrenos. "Especialmente os mais pobres já pagam impostos estaduais para que o governo invista em habitação, o que muitas vezes é contigenciado. Portanto, estão pagando duas vezes", diz o deputado estadual Simão Pedro.
"Em 2007, houve um corte de R$ 305 milhões. Em 2008, de R$ 288 milhões. Desse modo, somente nos dois anos da gestão Serra deixou-se de aplicar mais de R$ 594 milhões, o que daria para construir aproximadamente 15 mil casas."


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