São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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Ex-embaixador diz que encontro tem "um valor simbólico"

Para Rubens Barbosa, visita não resolverá pendências entre os países, mas revela que Brasil será um interlocutor privilegiado

Diplomata considera que estratégia do Brasil de abrir embaixadas para conseguir vaga em conselho da ONU é "custosa e desnecessária"

DA REDAÇÃO

O diplomata Rubens Barbosa, 70, ex-embaixador do Brasil nos EUA de 1999 a 2004, avalia que o encontro entre os presidentes Barack Obama e Luiz Inácio Lula da Silva tem um grande valor simbólico, mas não resolverá as pendências comerciais entre os dois países.

 

FOLHA - O Brasil insiste numa vaga permanente no Conselho de Segurança. Quais são as perspectivas?
RUBENS BARBOSA
- Não creio que, no meio dessa crise econômica, o tema possa ser tratado com a prioridade que merece. Essa questão só vai avançar na medida em que os EUA mudarem de posição e apoiarem claramente a reforma da ONU, inclusive a do Conselho de Segurança, com o aumento do número de membros. Não acho provável que Washington mude de posição e declare apoio público ao Brasil. O Brasil tem todos os títulos para ser incluído entre os membros permanentes do conselho e isso vai ocorrer quando os cinco membros permanentes decidirem pela ampliação do colegiado. A campanha do governo brasileiro para esse fim, inclusive com abertura de embaixadas, é custosa e desnecessária porque esse é ainda um não-assunto.

FOLHA - Obama não parece disposto a cortar os subsídios agrícolas e a tirar barreiras ao etanol brasileiro. A Rodada Doha vai seguir emperrada?
BARBOSA
- A crise econômica global está tendo grande repercussão sobre o comércio internacional. O nacionalismo financeiro e o protecionismo comercial começam a ganhar força, como exemplificado pelas medidas tomadas nos EUA e na Europa. Nesse quadro, apesar de importante, a Rodada Doha dificilmente será retomada nos próximos meses -talvez anos.

FOLHA - Bush defendia a criação da Alca, enquanto Lula priorizava o Mercosul. Há chance de que essas posições possam se compatibilizar?
BARBOSA
- Não há disposição política nem dos EUA nem do Brasil em retomar os entendimentos para reviver a Alca. O ânimo restritivo do Congresso dos EUA tem impedido a ratificação de acordos já firmados com a Coreia, a Colômbia e o Panamá. O lobby agrícola nos EUA se oporá tenazmente a um amplo acordo com o Brasil, temendo a concorrência do agrobusiness brasileiro.

FOLHA - A gestão Bush tinha uma relação tensa com Hugo Chávez e manteve o embargo a Cuba, mas possuía uma relação bastante cooperativa com Lula. O que se pode esperar da gestão Obama?
BARBOSA
- Mais do mesmo. O governo Obama vai continuar a fazer do Brasil um interlocutor privilegiado para temas regionais. O interesse americano em relação ao hemisfério não mudou de uma administração para outra. O Brasil continuará a ser visto como um fator de moderação junto a governos, vistos de Washington, como de esquerda radical (Venezuela, Bolívia, Equador) e como uma força de estabilidade política e econômica capaz de influir no comportamento dos vizinhos.

FOLHA - Que proveito os dois países podem tirar desse encontro?
BARBOSA
- O encontro presidencial Lula-Obama tem um grande valor simbólico. Lula será o terceiro chefe de Estado a ser recebido por Obama, o primeiro da América do Sul. A agenda inclui temas bilaterais, hemisféricos e globais, o que acentua a diferenciação de tratamento que o governo de Washington está dando ao Brasil.
Não se deve esperar a assinatura de qualquer acordo, mas sim uma ampla troca de opiniões, o que será proveitoso para ambos. O Brasil tem posições fortes na defesa do fortalecimento dos organismos financeiros internacionais com uma participação maior dos emergentes. Parece-me difícil que o G20 venha a substituir o G7, como quer o Brasil, mas a ampliação do G7 é questão de tempo e por isso faz bem o governo brasileiro em insistir nesse tema.


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