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Restauradora ocupa cela no mosteiro de São Bento
Nilva Calixto é única mulher que convive com 34 monges
SILAS MARTÍ
WILLIAN VIEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A única mulher no mosteiro
de São Bento, no centro de São
Paulo, corre contra o tempo.
Há oito meses, a restauradora
Nilva Calixto, 53, ocupa uma
cela de 9 m2 no claustro e passa
oito horas por dia retocando
imagens que o papa verá em
maio, durante a sua visita de
cinco dias ao Brasil.
O silêncio do monastério,
onde vivem 34 monges, todos
homens, contrasta com a música árabe no mais alto volume
que embala o trabalho de Nilva.
Nos últimos três meses, ela
tenta devolver a cor original à
imagem de um Cristo do século
18, cercada de produtos químicos, tintas, bisturis e outras estátuas já restauradas.
"Desde que vim para cá, o lugar mais longe que eu fui foi o
Girondino", diz, se referindo ao
café em frente ao mosteiro.
Nilva levou para o claustro
seu marido, Sylésio Soares, 70,
com quem está casada há 20
anos. Embora seja permitido,
eles não dormem juntos no São
Bento -falta espaço para a cama, que não cabe na cela.
"Meu prazer aqui dentro é
passar o fim de semana lendo
na cama", diz Nilva, que também vê DVDs com o marido na
sala de estar coletiva.
Indicação
Sua história com os beneditinos começou há 20 anos, quando foi indicada por um amigo,
um restaurador de papéis da biblioteca Mário de Andrade. Ele
conhecia um organista do mosteiro, que apresentou Nilva ao
responsável pela instituição, o
abade d. Isidoro Oliveira Preto.
Não foi informado quanto ela
recebe pelas restaurações.
Nessas duas décadas, Nilva
levou três anos só para restaurar os arcanjos Miguel, Rafael e
Gabriel da capela do papa. Lá,
criou o hábito de rezar no altar
de carvalho e ouro.
Bento 16 fará o mesmo. Sua
estada no mosteiro se resumirá
a três salas: a capela, a cela e a
sala oficial de visitas, ainda em
reforma. O quarto, que já abrigou o dalai-lama em 2003, ainda tem parte da parede destruída devido à instalação do
ar-condicionado.
Lar, doce lar
Há 20 anos por lá, nem as vibrações dos trens do metrô,
que chegaram a rachar as paredes e o chão da basílica, dada a
proximidade a uma estação, desanimam a restauradora. Familiarizada com o lugar, ela anda
pelo mosteiro carregando no
bolso do jaleco branco chaves
que abrem todas as portas. Numa delas, encontrou na sala de
visitas um dormitório para um
São João e uma Nossa Senhora
de 2 metros e 300 kg cada um.
Dividindo o claustro com os
monges, inclusive o banheiro,
Nilva fala deles como parte da
família. "Eu conheci pelo menos dois monges que estão enterrados aqui", diz.
A vida quase monástica não a
torna menos vaidosa. De batom
vermelho e rímel nos olhos, é
assim que, todo domingo às 9h,
Nilva desce as escadas do claustro para ouvir o canto gregoriano, que ela compara com a arquitetura da basílica. "As notas
se juntam na música do mesmo
jeito que a basílica é construída
em formato de cruz."
Passando pelos corredores
do colégio mantido pelos monges, Nilva aponta os retratos
dos ex-alunos pendurados nas
paredes. "A nata de São Paulo
está aqui. Os meninos eram
mais bonitos naquela época."
É ao lado dos alunos no refeitório do colégio que ela almoça
todos os dias. Também consome os doces vendidos na entrada da basílica.
São regalias pequenas para
quem passa o dia subindo e descendo em andaimes a uma altura de 20 m. A restauração total
está prevista para 2012, se não
houver atrasos.
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