São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Restauradora ocupa cela no mosteiro de São Bento

Nilva Calixto é única mulher que convive com 34 monges

SILAS MARTÍ
WILLIAN VIEIRA

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A única mulher no mosteiro de São Bento, no centro de São Paulo, corre contra o tempo. Há oito meses, a restauradora Nilva Calixto, 53, ocupa uma cela de 9 m2 no claustro e passa oito horas por dia retocando imagens que o papa verá em maio, durante a sua visita de cinco dias ao Brasil.
O silêncio do monastério, onde vivem 34 monges, todos homens, contrasta com a música árabe no mais alto volume que embala o trabalho de Nilva. Nos últimos três meses, ela tenta devolver a cor original à imagem de um Cristo do século 18, cercada de produtos químicos, tintas, bisturis e outras estátuas já restauradas.
"Desde que vim para cá, o lugar mais longe que eu fui foi o Girondino", diz, se referindo ao café em frente ao mosteiro.
Nilva levou para o claustro seu marido, Sylésio Soares, 70, com quem está casada há 20 anos. Embora seja permitido, eles não dormem juntos no São Bento -falta espaço para a cama, que não cabe na cela.
"Meu prazer aqui dentro é passar o fim de semana lendo na cama", diz Nilva, que também vê DVDs com o marido na sala de estar coletiva.

Indicação
Sua história com os beneditinos começou há 20 anos, quando foi indicada por um amigo, um restaurador de papéis da biblioteca Mário de Andrade. Ele conhecia um organista do mosteiro, que apresentou Nilva ao responsável pela instituição, o abade d. Isidoro Oliveira Preto.
Não foi informado quanto ela recebe pelas restaurações.
Nessas duas décadas, Nilva levou três anos só para restaurar os arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel da capela do papa. Lá, criou o hábito de rezar no altar de carvalho e ouro.
Bento 16 fará o mesmo. Sua estada no mosteiro se resumirá a três salas: a capela, a cela e a sala oficial de visitas, ainda em reforma. O quarto, que já abrigou o dalai-lama em 2003, ainda tem parte da parede destruída devido à instalação do ar-condicionado.

Lar, doce lar
Há 20 anos por lá, nem as vibrações dos trens do metrô, que chegaram a rachar as paredes e o chão da basílica, dada a proximidade a uma estação, desanimam a restauradora. Familiarizada com o lugar, ela anda pelo mosteiro carregando no bolso do jaleco branco chaves que abrem todas as portas. Numa delas, encontrou na sala de visitas um dormitório para um São João e uma Nossa Senhora de 2 metros e 300 kg cada um.
Dividindo o claustro com os monges, inclusive o banheiro, Nilva fala deles como parte da família. "Eu conheci pelo menos dois monges que estão enterrados aqui", diz.
A vida quase monástica não a torna menos vaidosa. De batom vermelho e rímel nos olhos, é assim que, todo domingo às 9h, Nilva desce as escadas do claustro para ouvir o canto gregoriano, que ela compara com a arquitetura da basílica. "As notas se juntam na música do mesmo jeito que a basílica é construída em formato de cruz."
Passando pelos corredores do colégio mantido pelos monges, Nilva aponta os retratos dos ex-alunos pendurados nas paredes. "A nata de São Paulo está aqui. Os meninos eram mais bonitos naquela época."
É ao lado dos alunos no refeitório do colégio que ela almoça todos os dias. Também consome os doces vendidos na entrada da basílica.
São regalias pequenas para quem passa o dia subindo e descendo em andaimes a uma altura de 20 m. A restauração total está prevista para 2012, se não houver atrasos.


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