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Modernidade deve ser atacada, diz sociólogo
Para Francisco Borba, igreja, que criticou o capitalismo, foi incapaz de perceber os novos problemas impostos aos católicos
"A Teologia da Libertação não percebeu o processo de evolução da religiosidade moderna que acontecia no continente", diz especialista
DA REPORTAGEM LOCAL
"A igreja latino-americana
deve compreender que, assim
como assumiu uma posição crítica ao capitalismo e ao liberalismo, por sua desumanidade,
deve também assumir uma posição crítica em relação à modernidade. Essa posição vai se
desenhando como uma crítica
à razão iluminista e sua pretensão de dar a verdade última sobre o homem."
Essa é a verdadeira questão
que deveria nortear os trabalhos da 5ª Conferência do Episcopado da América Latina e do
Caribe, segundo o sociólogo
Francisco Borba, 49, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da
PUC-SP, órgão criado por d.
Cláudio Hummes para promover o diálogo da igreja com
meios acadêmicos.
Sua principal crítica à Teologia da Libertação é, portanto, a
de não ter sido capaz de perceber os novos problemas que o
mundo impôs aos católicos -aí
incluídos os latino-americanos
e os pobres.
"[Essa corrente teológica]
não percebeu adequadamente
o processo de evolução da religiosidade moderna que acontecia no continente, particularmente a emergência das novas
religiosidades urbanas", afirma
o sociólogo da PUC.
"Não gerou instrumentais
adequados para trabalhar com
a sede de sentido e de resposta
existencial que marca o homem contemporâneo -inclusive o pobre."
Leia a seguir, trechos da entrevista concedida por Borba à
Folha.
(RAFAEL CARIELLO)
FOLHA - Haverá divergências durante a realização da 5ª conferência?
Quais serão as principais questões
de conflito?
BORBA - Creio que é importante perceber que a questão não é
mais a de um confronto entre
progressistas e conservadores,
nos moldes dos anos 60. Hoje, o
episcopado está unido em relação a princípios como o reconhecimento da igreja como
"povo de Deus", a importância
da opção preferencial pelos pobres, o fim da "cristandade" e a
necessidade de uma postura
crítica e não atrelada aos governos. Também não é adequado
contrapor uma igreja latino-americana, nascida da práxis
social, a uma igreja romana,
nascida dos dogmas da tradição. A percepção de que o magistério romano é o magistério
universal da igreja é compartilhada por grande parte dos católicos latino-americanos.
A polêmica real reside na forma de diálogo com a modernidade. O mundo está se tornando cada vez menos religioso, e a
igreja deve se submeter aos
princípios da modernidade, relativizando o seu próprio modo
de ser? Ou o mundo permanece
buscando a Deus, e a igreja deve
dialogar com a modernidade
numa postura crítica, denunciando a desumanidade presente na cultura moderna? Essa é a questão.
FOLHA - E com qual das duas idéias
o sr. fica?
BORBA - A igreja latino-americana deve compreender que,
assim como assumiu uma posição crítica ao capitalismo e ao
liberalismo, por sua desumanidade, deve também assumir
uma posição crítica em relação
à modernidade. Essa posição
vai se desenhando como uma
crítica à razão iluminista e sua
pretensão de dar a verdade última sobre o homem, e o anúncio
da realização plena do amor como gesto de doação de si ao outro, e não de posse do outro.
FOLHA - Por que a conferência de
Santo Domingo, de 1992, não teve o
mesmo impacto das de Puebla e
Medellín?
BORBA - Medellín correspondeu a uma grande mudança de
paradigma na igreja latino-americana. Num contexto marcado por regimes ditatoriais, a
igreja se afirmou a favor dos pobres e comprometida com a
transformação da sociedade,
saiu das sacristias e protegeu os
perseguidos políticos. O contexto social em Puebla não era
muito diferente.
Em Santo Domingo, porém,
as ditaduras já iam se tornando
coisa do passado e os desafios
da globalização e da pós-modernidade já despontavam. Esse contexto pedia uma mudança clara e firme de paradigma.
Mas a comunidade católica ainda não estava preparada para
isso, e um novo ponto de partida foi entendido como simples
involução à temática religiosa e
espiritual.
FOLHA - É correto dizer que Santo
Domingo marca o enfraquecimento
da Teologia da Libertação? Por quê?
BORBA - Creio que não. Melhor
seria dizer que ela vem enfrentando dificuldades ao longo do
tempo por duas insuficiências
analíticas.
Em primeiro lugar, não percebeu adequadamente o processo de evolução da religiosidade moderna que acontecia
no continente, particularmente a emergência das novas religiosidades urbanas. Não gerou
instrumentais adequados para
trabalhar com a sede de sentido
e de resposta existencial que
marca o homem contemporâneo -inclusive o pobre. Por isso, não indicou caminhos alternativos ao crescimento do neopentecostalismo, e se contrapôs de modo não construtivo à
emergência dos novos movimentos católicos.
Em segundo, não teve categorias para enfrentar o desnorteamento das esquerdas após a
queda do muro de Berlim, apesar da tentativa de voltar-se ao
holismo ecológico. O mundo
não-católico pode até olhar
com simpatia sua mensagem
de justiça social e religiosidade
aberta, mas não tem por que
aderir a ela. No mundo católico,
um caminho que parte da experiência existencial para chegar
ao compromisso social parece
responder mais aos anseios
atuais.
FOLHA - Aparecida deve fortalecer
alguma linha teológica?
BORBA - Diria que o grande
problema é desenvolver o que
alguns chamam de uma "antropologia integral", onde a dimensão espiritual e a material
se encontram de modo operativo, respondendo à sede de sentido e de beleza de todos nós e,
ao mesmo tempo, lançando-nos num compromisso permanente com a transformação da
sociedade.
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