São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Modernidade deve ser atacada, diz sociólogo

Para Francisco Borba, igreja, que criticou o capitalismo, foi incapaz de perceber os novos problemas impostos aos católicos

"A Teologia da Libertação não percebeu o processo de evolução da religiosidade moderna que acontecia no continente", diz especialista

DA REPORTAGEM LOCAL

"A igreja latino-americana deve compreender que, assim como assumiu uma posição crítica ao capitalismo e ao liberalismo, por sua desumanidade, deve também assumir uma posição crítica em relação à modernidade. Essa posição vai se desenhando como uma crítica à razão iluminista e sua pretensão de dar a verdade última sobre o homem."
Essa é a verdadeira questão que deveria nortear os trabalhos da 5ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, segundo o sociólogo Francisco Borba, 49, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, órgão criado por d. Cláudio Hummes para promover o diálogo da igreja com meios acadêmicos.
Sua principal crítica à Teologia da Libertação é, portanto, a de não ter sido capaz de perceber os novos problemas que o mundo impôs aos católicos -aí incluídos os latino-americanos e os pobres.
"[Essa corrente teológica] não percebeu adequadamente o processo de evolução da religiosidade moderna que acontecia no continente, particularmente a emergência das novas religiosidades urbanas", afirma o sociólogo da PUC.
"Não gerou instrumentais adequados para trabalhar com a sede de sentido e de resposta existencial que marca o homem contemporâneo -inclusive o pobre." Leia a seguir, trechos da entrevista concedida por Borba à Folha. (RAFAEL CARIELLO)  

FOLHA - Haverá divergências durante a realização da 5ª conferência? Quais serão as principais questões de conflito?
BORBA
- Creio que é importante perceber que a questão não é mais a de um confronto entre progressistas e conservadores, nos moldes dos anos 60. Hoje, o episcopado está unido em relação a princípios como o reconhecimento da igreja como "povo de Deus", a importância da opção preferencial pelos pobres, o fim da "cristandade" e a necessidade de uma postura crítica e não atrelada aos governos. Também não é adequado contrapor uma igreja latino-americana, nascida da práxis social, a uma igreja romana, nascida dos dogmas da tradição. A percepção de que o magistério romano é o magistério universal da igreja é compartilhada por grande parte dos católicos latino-americanos. A polêmica real reside na forma de diálogo com a modernidade. O mundo está se tornando cada vez menos religioso, e a igreja deve se submeter aos princípios da modernidade, relativizando o seu próprio modo de ser? Ou o mundo permanece buscando a Deus, e a igreja deve dialogar com a modernidade numa postura crítica, denunciando a desumanidade presente na cultura moderna? Essa é a questão.

FOLHA - E com qual das duas idéias o sr. fica?
BORBA
- A igreja latino-americana deve compreender que, assim como assumiu uma posição crítica ao capitalismo e ao liberalismo, por sua desumanidade, deve também assumir uma posição crítica em relação à modernidade. Essa posição vai se desenhando como uma crítica à razão iluminista e sua pretensão de dar a verdade última sobre o homem, e o anúncio da realização plena do amor como gesto de doação de si ao outro, e não de posse do outro.

FOLHA - Por que a conferência de Santo Domingo, de 1992, não teve o mesmo impacto das de Puebla e Medellín?
BORBA
- Medellín correspondeu a uma grande mudança de paradigma na igreja latino-americana. Num contexto marcado por regimes ditatoriais, a igreja se afirmou a favor dos pobres e comprometida com a transformação da sociedade, saiu das sacristias e protegeu os perseguidos políticos. O contexto social em Puebla não era muito diferente. Em Santo Domingo, porém, as ditaduras já iam se tornando coisa do passado e os desafios da globalização e da pós-modernidade já despontavam. Esse contexto pedia uma mudança clara e firme de paradigma. Mas a comunidade católica ainda não estava preparada para isso, e um novo ponto de partida foi entendido como simples involução à temática religiosa e espiritual.

FOLHA - É correto dizer que Santo Domingo marca o enfraquecimento da Teologia da Libertação? Por quê?
BORBA
- Creio que não. Melhor seria dizer que ela vem enfrentando dificuldades ao longo do tempo por duas insuficiências analíticas. Em primeiro lugar, não percebeu adequadamente o processo de evolução da religiosidade moderna que acontecia no continente, particularmente a emergência das novas religiosidades urbanas. Não gerou instrumentais adequados para trabalhar com a sede de sentido e de resposta existencial que marca o homem contemporâneo -inclusive o pobre. Por isso, não indicou caminhos alternativos ao crescimento do neopentecostalismo, e se contrapôs de modo não construtivo à emergência dos novos movimentos católicos. Em segundo, não teve categorias para enfrentar o desnorteamento das esquerdas após a queda do muro de Berlim, apesar da tentativa de voltar-se ao holismo ecológico. O mundo não-católico pode até olhar com simpatia sua mensagem de justiça social e religiosidade aberta, mas não tem por que aderir a ela. No mundo católico, um caminho que parte da experiência existencial para chegar ao compromisso social parece responder mais aos anseios atuais.

FOLHA - Aparecida deve fortalecer alguma linha teológica?
BORBA
- Diria que o grande problema é desenvolver o que alguns chamam de uma "antropologia integral", onde a dimensão espiritual e a material se encontram de modo operativo, respondendo à sede de sentido e de beleza de todos nós e, ao mesmo tempo, lançando-nos num compromisso permanente com a transformação da sociedade.


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