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ENTREVISTA DA 2ª/ALBA ZALUAR
Antropóloga afirma que ações dos grupos em SP são mais organizadas e que têm retórica política
Crime organizado paulista é mais centralizado, vê estudiosa
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Uma das mais experientes estudiosas da violência urbana do
país, a antropóloga Alba Zaluar
afirma que o ataque do PCC (Primeiro Comando da Capital) revela uma faceta até então oculta do
crime organizado em São Paulo.
"É muito mais centralizado, muito melhor coordenado e tem uma
retórica política por trás", afirmou em entrevista à Folha.
A antropóloga detecta semelhanças perigosas no discurso de
líderes do crime organizado com
grupos extremistas de esquerda
em atuação na América Latina.
"A retórica política de grupos de
extrema esquerda da Colômbia,
da Bolívia, do Peru etc. está contaminando esse pessoal, que começou a agir em redes, que não são
só interestaduais, mas internacionais ou transnacionais, transestaduais e transnacionais."
Para ela, o modelo de esquerda
defendido por esses grupos já fracassou em vários países da América Latina.
"Como é que vamos deixar nossa juventude ser conquistada por
isso?"
Com base em pesquisas acadêmicas realizadas em favelas nas
últimas décadas, ela diz que, pelo
menos no Rio, o tráfico de drogas
financia políticos durante os períodos pré-eleitorais.
Professora titular do curso de
antropologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Zaluar publicou vários livros,
entre os quais se destacam "Cidadãos Não Vão ao Paraíso", "A
Máquina e a Revolta", "Da Revolta ao Crime S.A.", "Drogas e Cidadania" e "Integração Perversa
-Pobreza e Tráfico de Drogas".
Ela critica as investigações sobre
o tema da criminalidade por parte
de acadêmicos radicados em São
Paulo.
"Meus colegas nunca fizeram
um estudo aprofundado do crime
organizado em São Paulo", lamentou. Isso acaba gerando, segundo ela, uma disputa a seu ver
inútil sobre qual é a cidade mais
violenta do Brasil, que não resolve
nem sequer atenua o problema da
criminalidade no país.
De acordo com ela, "é muito assustador" o que está acontecendo
em São Paulo e nos principais
centros urbanos brasileiros.
"O Brasil está num ponto de sua
história nacional tristíssimo, tristíssimo."
Folha - É surpresa para a senhora
o que está acontecendo em São
Paulo desde sexta-feira?
Alba Zaluar - Você lembra que
há três, quatro meses houve a invasão e o roubo de depósito das
Forças Armadas [Estabelecimento Central de Transporte do Exército, na zona norte carioca, quando 11 armas foram roubadas por
invasores]?
Ninguém foi morto, algumas
pessoas foram maltratadas. Uma
jornalista ligou para a minha casa
e a primeira coisa que ela me falou: "Eu acho que o Rio de Janeiro
deveria ser lacrado". Aí acontece
isso em São Paulo.
Folha - Por que acontece?
Zaluar - Sempre dizem, em São
Paulo, que o problema é todo aqui
[no Rio]. Meus colegas nunca fizeram um estudo aprofundado
do crime organizado em São Paulo. Agora está provado: [o crime
em São Paulo] é muito mais centralizado, muito mais bem coordenado e tem uma retórica política por trás disso.
Folha - Qual a retórica?
Zaluar - Você vai ver. Vai aparecer manifesto daqui a pouco. Isso
ninguém está percebendo. Hoje
eu fiquei pensando. Minha Nossa
Senhora, isso é óbvio. Por causa
do tráfico de armas e do tráfico de
drogas, que é disso que se trata,
embora o espectro do crime organizado no Brasil hoje seja amplíssimo: lixo, transporte, café, arroz,
contrabando de tudo o que se
possa imaginar.
Mas o tráfico de drogas e de armas tornaram-se violentíssimos.
Isso tem feito com que a retórica
política de grupos de extrema esquerda da Colômbia, da Bolívia,
do Peru etc. estejam contaminando esse pessoal que começou a
agir nessas redes, que não são só
interestaduais mas internacionais
ou transnacionais, transestaduais
e transnacionais.
Aí fica essa disputa ridícula para
saber qual é a cidade mais violenta do Brasil. Francamente, o que
me importa se é Vitória, se é Recife, se é Rio de Janeiro, se é São
Paulo?
Isso não importa. Importa é que
a gente está numa situação gravíssima neste país. Eu estou muito
preocupada.
Folha - O que a senhora quis dizer
quando falou que seus colegas em
São Paulo não estudam o crime organizado?
Zaluar - Acho que está fazendo
falta um estudo aprofundado do
crime organizado, especialmente
aquele que é dirigido desde a prisão.
Porque a idéia que se tem é que
isso só acontece no Rio de Janeiro,
e não é assim. Isso acontece no
Brasil inteiro.
Está provado agora que ele é
muito mais bem coordenado em
São Paulo do que no Rio. No Rio,
ele consegue botar uma bombinha caseira lá em Copacabana
[zona sul], metralhar uns vidrinhos na prefeitura, e foi só. Às vezes, você tem ações localizadas em
bairros, eles fecham os bairros, algum comércio em um ou outro
bairro. Mas nunca assim tão bem
coordenado. Nunca conseguiram. Isso é que assustador, muito
assustador. E não é só para São
Paulo, não. É para o Brasil inteiro.
Folha - A senhora arriscaria uma
previsão de o que pode ainda ocorrer?
Zaluar - Essas coisas são contagiantes. Agora, vão querer fazer o
mesmo em outros Estados.
Folha - A senhora poderia comentar um pouco mais a questão da retórica política?
Zaluar - Sempre fiquei impressionada com a coincidência das
posições. Lendo coisas sobre a
Colômbia, me espanta o uso dos
mesmos termos. "Não nasci para
semente." Eles também falam
muito isso, várias coisas.
Folha - Seria, talvez, a transformação de facções essencialmente
criminosas em agrupamentos movidos também por ideologia?
Zaluar - Esse ataque radical, geral e vago ao sistema, como se eles
estivessem fora do sistema... O
tráfico de drogas é um sistema capitalista, o mais selvagem que se
tem notícia, porque não tem nenhum limite institucional e moral. O resto do sistema capitalista
está sujeito a leis, a regras, a restrições de várias ordens. É claro que
tem ilegalidade também [no capitalismo]. O caixa dois é um deles.
Mas no tráfico de drogas não tem
nem caixa dois porque não tem
caixa um.
Eles influem, sim, nas eleições.
Influem, sim. Eles dão dinheiro
para político, sim. Eu fico sabendo nas favelas que a gente estuda.
Folha - O que pode ser feito, na
sua opinião?
Zaluar - A situação é muito grave, acho que é preciso pensar. Como eles conseguiram essas granadas? Granada não é de uso exclusivo das Forças Armadas? As Forças Armadas brasileiras têm que
fazer um balanço. O que está
acontecendo com seus depósitos?
Porque desde 1980 eu ouço aqui
no Rio de Janeiro menções a armas exclusivas das Forças Armadas na mão de bandidos. Ouço
menções a facilidades com que se
furta e rouba. Não só nas Forças
Armadas, nas polícias também.
Os policiais chegam lá [nas favelas] oferecendo armas para bandidos.
Isso tudo tem que ter mais controle. A polícia tem que ser mais
investigativa nesse sentido. Para a
gente ter um conhecimento
maior de como essas coisas operam. E ganhar os jovens nas
idéias.
Não vamos deixar que essas
idéias, que essa ideologia... Que
no meu entender é atrasadíssima,
é antidemocrática, uma esquerda
que já mostrou que deu errado
em vários países da América Latina. Como é que vamos deixar a
nossa juventude ser conquistada
por isso?
Folha - Como?
Zaluar - Não pode. Batalhar também nessa área cultural, da ideologia. E não ficar só repetindo, ah!
coitadinhos, são pobrezinhos, a
desigualdade brasileira.
Tem desigualdade, tem. Tem
pobreza, tem.
Mas então vamos fazer alguma
coisa para não deixar esses pobres
coitados morrerem feito moscas
nessa tragédia que é a violência
urbana no Brasil.
Isso é muito triste. O Brasil está
num ponto de sua história nacional tristíssimo, tristíssimo. E o
exemplo tem que vir de cima.
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