São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2007

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Índios e analistas criticam discurso do papa

Para historiador, Bento 16 também fez ataque ao Estado laico ao dizer que, sem Deus, ideologias do século 20 fracassaram

Bispo afirma que os padres missionários defenderam os indígenas; para filósofo, o marxismo e o capitalismo ignoram "indivíduos reais"


DA REDAÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Lideranças indígenas e especialistas criticaram ontem as declarações do papa Bento 16, na abertura da 5ª Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, de que o "anúncio de Jesus e de seu Evangelho" aos povos indígenas da América "não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de uma cultura estrangeira".
A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, professora da Universidade de Chicago, afirma que aconteceu, sim, imposição cultural. Houve missionários que defenderam os índios da escravidão e tentativas de tradução de termos cristãos para línguas locais, ela diz. No entanto, a igreja reagiu a essa "indigenização" do catolicismo.
"Não bastava a mensagem, a interpretação da mensagem tinha de ser fixada também. Eliminaram-se práticas como os catequistas indígenas, sem falar do clero indígena, que podiam "desvirtuar" a fé, interpretando-a de acordo com suas culturas. O que é isso, então, senão imposição cultural?", diz.
Para o historiador Flávio Gomes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, "em várias partes da América portuguesa e espanhola, a igreja escravizou, legitimou a escravidão indígena e africana e impôs a fé cristã às sociedades indígenas".
Luiz Felipe de Alencastro, professor de história do Brasil na Universidade de Paris, se disse surpreso com as declarações. "O processo colonial foi de destruição da cultura ameríndia. Os missionários estavam a serviço de uma religião que havia incorporado os elementos autoritários e despóticos das monarquias européias."
Já o bispo-auxiliar de Salvador d. João Carlos Petrini diz ser necessário contextualizar a ação da igreja no século 16.
Ele afirma que não foram os evangelizadores que cometeram os atos de violência e que é preciso compreender que não era possível fazer então a crítica de hoje à colonização. "Não foram José de Anchieta, Manuel da Nóbrega, franciscanos ou beneditinos que cometeram atos de violência. Alguns foram até ardorosos defensores dos direitos dos índios, como o bispo Bartolomeu de las Casas."
A declaração do papa foi criticada por lideranças indígenas. "É arrogante e desrespeitoso considerar nossa herança cultural inferior", disse Jecinaldo Sateré-Mawé, coordenador-geral da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
Por meio de sua assessoria de imprensa, o presidente da Funai, Márcio Meira, afirmou que a catequização dos indígenas brasileiros foi um processo de imposição, "muitas vezes pelo uso da força".

Estado laico
Sobre outro ponto da fala de Bento 16, o historiador Luiz Felipe de Alencastro afirma que o papa terminou por deslegitimar o Estado laico ao dizer que, sem considerar Deus e a moral individual, o capitalismo e o marxismo se mostraram promessas ideológicas falsas.
"Isso também desqualificou os governos republicanos laicos que criaram o esforço de uma sociedade democrática que não deixa o mercado agir de maneira totalmente livre."
Para o professor do Departamento de Teologia da PUC-SP Luiz Felipe Pondé, no entanto, o papa tem razão em sua dupla crítica ao capitalismo e ao marxismo. "O capitalismo se alimenta do que há de mais baixo no ser humano, sua ganância. E o marxismo é uma tragédia, que alimenta o instinto autoritário e burocrático do homem, em cima de uma teoria que é pura metafísica", disse.
(CAROLINA RANGEL E RAFAEL CARIELLO)

Com agências internacionais


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