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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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REGIME MILITAR

Ministério do Exército realizou operação em 1970 para intimidar e prender intelectuais acusados de subversão

Plano secreto visava professores da USP

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

No início dos anos 70, no regime militar, o Ministério do Exército conduziu uma operação sigilosa com o objetivo de intimidar e de prender cerca de cem pessoas, em sua maioria professores e estudantes da Universidade de São Paulo acusados de subversão.
O plano, detalhado em relatório de quatro páginas ao qual a Folha teve acesso, recebeu título sugestivo: "Tarrafa", referência à rede de pesca que pega tudo o que estiver ao seu alcance. Tal como sugere o nome, a operação deu liberdade aos órgãos envolvidos para incluírem novos suspeitos, "mesmo que aparentemente não haja motivos que determinem a prisão".
A lista dos "procurados" incluía o sociólogo Octavio Ianni, a professora emérita de história da Universidade de Yale (EUA) Emília Viotti da Costa, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Erney Felício Plessmann Camargo, e o professor emérito do Instituto Pasteur (Paris) Luiz Hildebrando Pereira da Silva.
A operação Tarrafa, segundo historiadores, não foi a primeira ação de intimidação levada a cabo durante o regime militar, mas certamente é uma das poucas com tantos detalhes operacionais e com a participação comprovada de diferentes órgãos de Estado, sob a supervisão do Exército.
O documento, descoberto durante as buscas de familiares de presos políticos na Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, foi assinado em 2 de abril de 1970 pelo general-de-brigada Ernani Ayrosa da Silva, então chefe do Estado-Maior do 2º Exército, e pelo coronel Erar de Campos Vasconcellos, chefe da 2ª Seção do Exército -ambos já mortos.
Como "organizações coatoras" estão, além do Exército, a 4ª Zona Aérea, a Força Pública do Estado de São Paulo (atual Polícia Militar) e o Deops-SP (antes Dops). Há referência sobre a prisão de cem pessoas. A Folha teve acesso à lista do Deops, de 12 de novembro de 1970 e com o título "Operação Tarrafa", que traz os nomes dos 33 "principais líderes da contestação e da subversão".
Do total, pelo menos 19 pessoas pertenciam aos quadros da USP. Quatro foram presas na operação Tarrafa: Octavio Ianni, Emília Viotti, Erney Plessmann Camargo e o cardiologista Reynaldo Chiaverini (que morreu em 1981). Outros foram chamados para depor e liberados em seguida. A maioria vivia na clandestinidade.
"Depois que fui preso em frente à minha casa, minha mulher avisou todos os nossos amigos, para que fugissem. Muitos estavam na lista", disse Plessmann Camargo. Da relação fazem parte ainda três ex-sindicalistas (Jairo Costa Bonilha, Rubens Vasconcellos e Bonifácio Evangelista de Brito).
A Folha buscou o paradeiro das 33 pessoas listadas. Uma delas foi morta no regime (o líder estudantil do Movimento de Libertação Popular, José Roberto Arantes de Almeida, em 71). Outra está entre os desaparecidos (o ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária, Vitor Carlos Ramos, visto pela última vez em 74).
Da lista de procurados, a reportagem conversou com 11 pessoas. Somente Ianni, 76, e Plessmann Camargo, 68, presos na operação Tarrafa, tinham ouvido falar da operação, mas não conheciam o relatório. Cinco pessoas da lista morreram após o fim do regime, outras não quiseram falar.
"Quando cheguei ao Dops, os policiais disseram que eu havia sido preso por causa do plano Tarrafa. Foi a operação mais burra que conheci porque queria prender todo mundo, independentemente do passado dessas pessoas", disse Ianni, preso no dia 20 de abril de 1970.
Detido no mesmo dia, mas em circunstâncias diferentes, Plessmann disse ter ficado "impressionado" com o documento. "É uma loucura. Eles fizeram um plano para intimidar as pessoas e afirmaram isso com todas as letras", disse o presidente do CNPq, que ficou preso por cerca de dez dias.
O Centro de Comunicação Social do Exército informou desconhecer o "documento citado", acrescentando que, "pela data em que foi expedito, seu original e possíveis documentos de teor semelhante já devem ter sido destruídos, de acordo com a legislação referente ao trato de documentos sigilosos".


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