São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004

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ARTIGO

Fala sério, Lula!

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Com todo o respeito: a idéia de comemorar as bodas de pérola com uma festa caipira não podia ter sido pior.
O Brasil tem tantos regionalismos bacanas, uma culinária riquíssima, várias maneiras de ser cheias de ginga e charme que deslumbram o mundo inteiro, e o presidente e dona Marisa Letícia vão escolher logo uma caipirada dessas?
Foi um desastre desde o começo: o tema da festa, o carro de boi chegando cheio de paçoca e cachaça, o autoritarismo de obrigar os convidados e suas respectivas esposas a vestir o traje típico, e ainda pedir que levassem um pratinho de doces ou salgados. Quem eles acham que estão enganando na hora em que a assessoria de imprensa da Presidência da República anuncia que o presidente ajudou a pendurar as bandeirinhas do arraiá? Oh, mas que almas tão genuinamente brasileiras? Socorro, Duda Mendonça.
Alguns mais sensatos não pagaram o mico de usar aquele chapeuzinho de Jeca Tatu, mas é difícil dizer não ao presidente. Como estamos num Estado quase totalitário, a imprensa foi proibida de cobrir o acontecimento, o que nos leva a pensar: terá algum ministro pintado um dentinho e um bigodinho com carvão, como é de praxe? O vice-presidente, talvez?
Um país que quer tanto ser moderno poderia ter se inspirado em qualquer outro folclore que não o do atraso, o da jequice explícita. Quem não se lembra do personagem Jeca Tatu, cheio de lombrigas, personificando um Brasil de que lembramos com carinho, mas que não é exatamente a imagem a ser exportada para os grandes estadistas do mundo com quem Lula gosta tanto de conviver de igual para igual?
Não há uma mulher que se realce num vestidinho caipira; não existe imagem masculina que resista a uma camisinha xadrez remendada e uma costeleta postiça. E essa história das despesas da festa serem divididas?
Foi um vexame atrás do outro, em nome de uma economia sem sentido, tipo me engana que eu gosto. Então é preciso que alguns empresários rachem a reforma das goteiras do Palácio da Alvorada para mostrar o quanto são parcimoniosas as despesas da Presidência? E essa de levar um pratinho de doces eu não ouvia falar desde que tinha dez anos, morava no interior e era pobre. Se investigassem mesmo o affair Waldomiro, sairia bem mais barato.
A gente temia que fosse acontecer esse tipo de coisa; até agora foi refresco, mas agora eles pegaram pesado. Olhem bem a foto para não perder nenhum detalhe: a margarida no bolso de Lula, o chapéu de palha desfiado, as trancinhas e as pintinhas feitas a lápis no rosto de dona Marisa. Pior, impossível.
Sempre se soube que a saudade de Fernando Henrique e dona Ruth Cardoso ia ser grande, mas não dava para imaginar que fosse ser tão grande. O arraiá foi de uma breguice difícil de ser superada, mas não vamos perder as esperanças: até o fim do mandato eles talvez consigam.


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