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ANÁLISE
Acusados e acusadores lavaram-se na sujeira
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
O que começou como
uma récita de gala para
Roberto Jefferson terminou com
cenas de inacreditável imundície.
Quem viu aquilo pela TV só pode
concluir que uma cassação em
massa, por falta de decoro parlamentar, será pouco para preservar as instituições democráticas.
Acusadores e acusados, denunciadores e denunciados, lavaram-se na própria sujeira. Ironicamente, o presidente do PTB saiu
da sessão como um reformador
dos costumes parlamentares na
mesma medida em que escancarava as negociações de que participou. Roberto Jefferson surgiu
em cena como se fosse o quarto tenor -uma espécie de Plácido Domingo, capaz de apresentar um
recital cheio de notas agudas, gestos calculados, súbitos arroubos;
e, como em certos espetáculos de
ópera para o público, uma postura corporal solene e controlada
não exclui seus laivos de breguice.
A turma do Zé Dirceu "não tem
coração", chegou a dizer o presidente do PTB. "Não tenho provas,
só tenho provações", disse, com
voz moderadamente patética. O
recurso de oratória mais freqüente, no discurso inicial, foram as
apóstrofes dirigidas a personagens ausentes. "Zé Dirceu", provoca, "sai daí rápido, Zé!"
Os nomes dos envolvidos eram
pronunciados como se sua mera
menção fosse capaz de explicar
tudo: "conversei com o doutor
Delúúúbio...". "Deputado Sandro
Mabel. Deputado José Janene.
Bispo Rodrigues." Membros do
PL eram citados com o tom de voz
de quem os "conhece muito bem",
"sabe muito bem do que são capazes" etc. Contra o presidente do
PL, Valdemar da Costa Neto, o
olhar fixo de ódio fazia lembrar o
Jefferson dos tempos de Collor -
"o escorraçado", como disse o petebista, evitando, dessa vez, pronunciar um nome próprio.
Sem provas, o depoimento de
Jefferson intensificou, para as câmeras de TV, o tom de ameaças
ao mesmo tempo genéricas e específicas que caracterizou suas entrevistas à Folha. Tudo bem: Jefferson diz que o caso das mesadas
a parlamentares terminará sendo
provado ao longo da CPI. Não
duvido dessa possibilidade, e
qualquer tentativa de abafar as
investigações (e punir Jefferson)
seria um escândalo ainda maior
que os apontados até o momento.
Mas um escândalo parece engolir o outro, e Roberto Jefferson diz
que, em determinada reunião
com José Genoino e o "doutor Delúbio", foram disponibilizados
milhões de reais para as campanhas municipais do PTB; e que,
diante de "duas malas enormes",
com notas de R$ 50 e R$ 100, perguntou ao presidente do PT: "Genoino, como é que a gente vai fazer para justificar esse dinheiro?"
É espantoso. Fico também perplexo quando Jefferson lembra
casos em que a imprensa -em
especial a revista "Veja"- destruiu, a seu ver de modo calunioso, reputações de políticos como
Ibsen Pinheiro e Roberto Cardoso
Alves. Mas não foi a ponto de dizer o mesmo de Collor, a quem
defendeu com tanta ênfase. É como se quisesse mergulhar o passado num dilúvio de lama nova.
Depois de um espetáculo bem
ensaiado, tivemos o improviso
-e uma amostra do grau de baixaria que virá por aí-, no bate-boca entre Jefferson e o presidente
do PL, Valdemar da Costa Neto.
Deste, o petebista disse "respeitar
os gostos", chamando-o de mulherengo e jogador.
Foi só o primeiro episódio de
uma série inacreditável de obscenidades políticas, desmoralizações mútuas, escancaramentos de
acordos, gozações em torno de
quem levou mais e quem está por
receber. Quando o deputado Sandro Mabel, do PL, já avançados os
debates, fez o seu discurso inflamado, já estávamos diante de um
dos dias mais deprimentes da história política republicana.
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