São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 2005

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ANÁLISE

Acusados e acusadores lavaram-se na sujeira

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O que começou como uma récita de gala para Roberto Jefferson terminou com cenas de inacreditável imundície. Quem viu aquilo pela TV só pode concluir que uma cassação em massa, por falta de decoro parlamentar, será pouco para preservar as instituições democráticas.
Acusadores e acusados, denunciadores e denunciados, lavaram-se na própria sujeira. Ironicamente, o presidente do PTB saiu da sessão como um reformador dos costumes parlamentares na mesma medida em que escancarava as negociações de que participou. Roberto Jefferson surgiu em cena como se fosse o quarto tenor -uma espécie de Plácido Domingo, capaz de apresentar um recital cheio de notas agudas, gestos calculados, súbitos arroubos; e, como em certos espetáculos de ópera para o público, uma postura corporal solene e controlada não exclui seus laivos de breguice.
A turma do Zé Dirceu "não tem coração", chegou a dizer o presidente do PTB. "Não tenho provas, só tenho provações", disse, com voz moderadamente patética. O recurso de oratória mais freqüente, no discurso inicial, foram as apóstrofes dirigidas a personagens ausentes. "Zé Dirceu", provoca, "sai daí rápido, Zé!"
Os nomes dos envolvidos eram pronunciados como se sua mera menção fosse capaz de explicar tudo: "conversei com o doutor Delúúúbio...". "Deputado Sandro Mabel. Deputado José Janene. Bispo Rodrigues." Membros do PL eram citados com o tom de voz de quem os "conhece muito bem", "sabe muito bem do que são capazes" etc. Contra o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, o olhar fixo de ódio fazia lembrar o Jefferson dos tempos de Collor - "o escorraçado", como disse o petebista, evitando, dessa vez, pronunciar um nome próprio.
Sem provas, o depoimento de Jefferson intensificou, para as câmeras de TV, o tom de ameaças ao mesmo tempo genéricas e específicas que caracterizou suas entrevistas à Folha. Tudo bem: Jefferson diz que o caso das mesadas a parlamentares terminará sendo provado ao longo da CPI. Não duvido dessa possibilidade, e qualquer tentativa de abafar as investigações (e punir Jefferson) seria um escândalo ainda maior que os apontados até o momento.
Mas um escândalo parece engolir o outro, e Roberto Jefferson diz que, em determinada reunião com José Genoino e o "doutor Delúbio", foram disponibilizados milhões de reais para as campanhas municipais do PTB; e que, diante de "duas malas enormes", com notas de R$ 50 e R$ 100, perguntou ao presidente do PT: "Genoino, como é que a gente vai fazer para justificar esse dinheiro?"
É espantoso. Fico também perplexo quando Jefferson lembra casos em que a imprensa -em especial a revista "Veja"- destruiu, a seu ver de modo calunioso, reputações de políticos como Ibsen Pinheiro e Roberto Cardoso Alves. Mas não foi a ponto de dizer o mesmo de Collor, a quem defendeu com tanta ênfase. É como se quisesse mergulhar o passado num dilúvio de lama nova.
Depois de um espetáculo bem ensaiado, tivemos o improviso -e uma amostra do grau de baixaria que virá por aí-, no bate-boca entre Jefferson e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. Deste, o petebista disse "respeitar os gostos", chamando-o de mulherengo e jogador.
Foi só o primeiro episódio de uma série inacreditável de obscenidades políticas, desmoralizações mútuas, escancaramentos de acordos, gozações em torno de quem levou mais e quem está por receber. Quando o deputado Sandro Mabel, do PL, já avançados os debates, fez o seu discurso inflamado, já estávamos diante de um dos dias mais deprimentes da história política republicana.


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