|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
entrevista
"A gente usava socos, choques, tapa no ouvido"
DO ENVIADO A MANAUS
O tenente da reserva José
Vargas Jimenez ganhou a admiração dos colegas de farda
ao lançar o livro "Bacaba,
Memórias de um Guerreiro
de Selva da Guerrilha do Araguaia", em 2007, no qual narra como usou técnicas de tortura aprendidas no Cigs.
(CDS)
FOLHA - O sr. serviu na turma de
1972. Como foi o treinamento?
JOSÉ VARGAS JIMENEZ - Foi
muito duro, bem próximo da
realidade. Tenho consciência de que, se não tivesse passado pelo treinamento no
Cigs, eu não estaria vivo.
FOLHA - Vocês aprendiam técnicas de interrogatório?
JIMENEZ - Sim. Muito das técnicas lá eram em relação aos
índios que a gente prendia.
Era bem brabo, mas o interrogatório psicológico é pior.
FOLHA - Pode dar um exemplo?
JIMENEZ - Eu trabalhava no
DOI-Codi aqui e roubaram
oito pistolas. Toda a guarnição que estava de serviço foi
presa. Me mandaram interrogar. Eu, à paisana, preparei
uma sala e orientei um companheiro para atuar como no
filme onde tem um policial
malvado e outro bonzinho.
Mandei o sargento trazer o
soldado algemado e judiar
dele. Aí pedi que meu companheiro retirasse as algemas e ofereci um cafezinho,
um cigarrinho. Ele me delatou que as armas estavam na
casa de um civil. Prendemos
um senhor que tinha duas filhas lindas. Na PF, que efetuou a prisão, mandei juntar
os dois e deixei eles lá por
cinco minutos. Depois falei
pro civil que ele era mentiroso, pois o soldado já havia me
ajudado a recuperar quatro
armas. Saí e chamei três
agentes da PF, grandes, barbudos e com cara de mau. Na
frente do homem [civil], perguntei aos agentes: "Vocês
viram as duas filhinhas dele
lá na favela, uma de 12 e uma
de 14 anos. Vocês gostaram?
Vão lá comer elas, podem ir
estuprar elas". Para proteger
as filhas ele entregou tudo.
FOLHA - E a tortura física?
JIMENEZ - Eles faziam na
gente primeiro. Nos amarravam, faziam a gente passar
fome e nem deixavam dormir. A gente usava socos em
pontos vitais, choques elétricos, dava tapa no ouvido e
botava o sujeito em cima de
duas latinhas de leite condensado. Teve um camponês
que encontramos no meio da
selva -eu, Curió e meu grupo- que não queria falar onde estavam os guerrilheiros.
Pegamos ele e botamos no
pau-de-arara, só que o pau-de-arara era um viveiro de
formiga. Nós besuntamos ele
de açúcar, colocamos sal na
boca dele e deixamos ali. Em
dez minutos ele falou tudo.
FOLHA - Qual a reação ao livro
no meio militar?
JIMENEZ - Gostaram muito.
Mandei uns livros para lá
[Cigs], autografados. O major
Coimbra disse que [ela] vai
servir para a aula dos alunos.
Disse que o comandante [coronel Antonio Barros] me
convidou para ir lá dar uma
palestra e ser homenageado
com o facão do guerreiro de
selva [símbolo do militar da
Amazônia]. Um coronel que
foi meu chefe mandou pedir
dez livros: mandou cinco para a Aman [Academia Militar
das Agulhas Negras] e cinco
para EsSA [Escola de Sargentos das Armas], para servir
de orientação para os guris.
Texto Anterior: Exército ensinou tortura a estrangeiros Próximo Texto: Militar reconhece aulas, mas diz que contexto era outro Índice
|