Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
ANTONIO FERNANDO SOUZA
"Não queiram amordaçar o Ministério Público"
Antonio Fernando, procurador-geral da República, que deixa o cargo após
quatro anos, afirma que não há riscos de prescrição de crimes no inquérito
do mensalão
Joedson Alves/Folha Imagem
|
|
O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, durante entrevista de despedida do cargo, em sua sala, em Brasília; sucessor ainda não foi definido
ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A PÓS QUATRO anos como procurador-geral da República, Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza, 60, concede sua
entrevista de despedida do cargo. Discreto, sobe o tom apenas quando o tema é o projeto
de lei do deputado Paulo Maluf (PP-SP) que prevê
punição para procuradores que propuserem
ações motivadas por "questões políticas": "Não
queiram amordaçar o Ministério Público!" Antonio Fernando instaurou 141 inquéritos, o triplo da média dos antecessores. No do mensalão,
tornou réus 40 acusados de integrar um esquema de compra de apoio ao governo. "Ao menos
parte do dinheiro é de natureza pública", diz,
pela primeira vez de forma assertiva.
FOLHA - O sr. deixa o cargo com
mais amigos ou inimigos?
ANTONIO FERNANDO SOUZA - Amigos continuam os de sempre, e
não considero que tenho inimigos. Mesmo as pessoas que, por
dever de ofício, adotei alguma
providência [contra]. Pode alguém me considerar inimigo,
mas eu não me considero inimigo de ninguém.
FOLHA - Já sofreu pressão de autoridade investigada?
ANTONIO FERNANDO - Recebo todo mundo, converso, mas nunca ouvi pedido ou sugestão para
favorecer alguém. Pelo contrário, já disse para várias pessoas
que eu ia pedir [a abertura de]
um inquérito judicial porque
dúvidas precisavam ser esclarecidas. Meu estilo reservado
talvez não dê margem para isso.
FOLHA - O sr. acredita que algum
réu será condenado por envolvimento com o mensalão?
ANTONIO FERNANDO - A denúncia
foi feita à luz de dados que indicavam elementos suficientes
de autoria e materialidade. O
Supremo [Tribunal Federal]
corroborou essa compreensão
em quase tudo. A expectativa é
a de que, ao final, o Supremo faça um julgamento justo. Não
posso antecipar, mas em alguns
casos os elementos probatórios
eram muito robustos.
FOLHA - Há 600 testemunhas só de
defesa. Não há o risco de crimes
prescreverem?
ANTONIO FERNANDO - Não há nenhuma possibilidade. A ação
penal está indo num ritmo surpreendente, graças ao ministro
Joaquim [Barbosa, relator do
processo], que tem pedido aos
juízes designados que façam a
coleta de depoimentos com
brevidade.
FOLHA - Por prescrição, então, ninguém será absolvido?
ANTONIO FERNANDO - Não há essa
possibilidade.
FOLHA - O sr. sofreu críticas por ter
usado termos como "organização
criminosa" e "quadrilha". Está convencido da compra premeditada de
apoio político?
ANTONIO FERNANDO - Existem
expressões técnicas que ganham externamente conteúdo
mais forte. Por exemplo, quadrilha. É um tipo descrito no
Código Penal. Não teve nenhum outro conteúdo. Até porque todas as minhas manifestações são desprovidas de adjetivo. Mas a imputação [desses
crimes aos réus] foi feita com
convencimento.
FOLHA - Então, há indícios claros de
compra de apoio?
ANTONIO FERNANDO - Suficientes.
E o Supremo num juízo preliminar entendeu que os elementos eram suficientes.
FOLHA - Afinal, houve dinheiro público no mensalão?
ANTONIO FERNANDO - Sim. A
imputação é a de que ao menos
parte do dinheiro é de natureza
pública.
FOLHA - O sr. já declarou não ter
visto indícios da participação do presidente Lula. Acha que ele sabia?
ANTONIO FERNANDO - Não há, pelo menos no juízo que eu fiz,
elementos indiciários capazes
de comprometer a participação
dele naqueles episódios. Agora,
o que eu acho pessoalmente é
irrelevante.
FOLHA - Surpreendeu-se ao ser reconduzido pelo presidente Lula ao
cargo em 2007 [o Ministério Público
Federal faz uma eleição interna, que
pode ou não ser seguida pelo presidente]?
ANTONIO FERNANDO - Não me
surpreendi. Mas revelou uma
grandeza. [Ele] não misturou
sentimentos que possa ter de
natureza partidária com o comportamento de uma autoridade
que tem a missão de tomar uma
providência. Não se pode viver
na gestão da coisa pública de
vinganças.
FOLHA - O que o sr. pensa sobre a
hipótese de terceiro mandato para
presidente?
ANTONIO FERNANDO - Com a visão de eleitor, eu preferia que
não houvesse nem a reeleição.
A minha posição é que nesse
cargo os mandatos deveriam
ser republicanamente alternados a cada período.
FOLHA - Fugindo ao seu estilo, o sr.
comprou uma briga pública com o
presidente do Supremo, Gilmar
Mendes, quando ele criticou a falta
de ação do Ministério Público no
combate a ações ilegais dos sem-terra. Acha que ele foi desleal?
ANTONIO FERNANDO - Eu tenho
como método só me manifestar
sobre o que eu tenho conhecimento. Quando se exerce cargo
público dessa responsabilidade, devemos agir com o máximo de cuidado. O Ministério
Público é acusado de viver divulgando fatos. Nesse caso, o
Ministério Público atuou sem
divulgação. E isso surpreende
as pessoas às vezes. Faltou informação suficiente [a Gilmar
Mendes].
FOLHA - O presidente do Poder Judiciário pode estar tão presente na
mídia?
ANTONIO FERNANDO - Cada um
tem o juízo de como deve se
conduzir num cargo público.
No meu caso, as minhas aparições têm que ser em momentos
muito seguros. Por isso me preservei nesses quatro anos.
FOLHA - O Supremo é capaz de conduzir investigações criminais? O foro privilegiado protege autoridades?
ANTONIO FERNANDO - Algumas
investigações são mais complexas e outras, menos. Não se pode fazer uma relação necessária
do foro com uma inviabilidade
da investigação ou de uma ação
penal. No caso da ação decorrente do inquérito 2.245 [do
mensalão], há muitos réus,
muita prova a ser colhida e,
mesmo assim, está tendo um
curso razoável.
FOLHA - O Ministério Público corre
o risco de ter seu poder de investigação limitado?
ANTONIO FERNANDO - Nesse momento, há uma preocupação
muito grande em se atribuir todas as dificuldades ao Ministério Público. Talvez, se as pessoas tivessem a noção exata do
que cabe a cada um fazer, chegariam à conclusão de que o
Ministério Público cumpre o
que manda a Constituição.
FOLHA - O sr. está se referindo à
chamada Lei da Mordaça?
ANTONIO FERNANDO - Sim. Temos em torno de 20 mil membros do Ministério Público no
Brasil. Apontam-se os mesmos
cinco, dez casos em que teria
havido exagero. Será que é razoável criar um obstáculo ao
trabalho da instituição por isso? Esse projeto é um desserviço à sociedade. Há mecanismos
para responsabilizar quem
exerce mal a sua atribuição. O
que se quer é criar um impedimento à instituição.
FOLHA - Em sua opinião, o Ministério Público deve fazer grampo?
ANTONIO FERNANDO - É um instrumento que deve ser usado
com muita parcimônia. É fundamental, mas tudo o que se
obtém em interceptações deve
ser concretizado ou em documentos ou em documentação
de encontros, entre outros mecanismos.
O Ministério Público não
tem nenhum aparelho de escuta, é bom que fique bem claro.
Um procurador ficar executando uma escuta me parece desproporcional.
FOLHA - O expediente do sigilo de
Justiça é exagerado no Brasil?
ANTONIO FERNANDO - Acho que
sim. Quando se tem elementos
que sugerem que o sigilo está
sendo usado para esconder um
delito, não pode haver essa dificuldade tão grande que se tem
para se obter resultado [em
uma investigação].
FOLHA - Que efeito educativo pode
ter essa série de cassação de governadores?
ANTONIO FERNANDO - A pessoa
vai pensar duas vezes. Quem
quer se desviar tem que estar
ciente de um risco efetivo de
sofrer a punição.
FOLHA - E por que no Congresso os
escândalos não param?
ANTONIO FERNANDO - Há também o amadurecimento da sociedade. A partir de 1988 há
uma liberdade absoluta de imprensa e há uma circulação
mais rápida de notícias e de dados. Há uma série de circunstâncias que militam para que
essas informações apareçam.
FOLHA - O sr. então vê esse processo com otimismo?
ANTONIO FERNANDO - Sim. As instituições e o Estado devem funcionar bem. Por isso eu insisto
tanto: não queiram amordaçar
o Ministério Público! Essa é
uma instituição para preservar
exatamente a lisura na atividade estatal.
FOLHA - Acha que programas como o Bolsa Família são usados como
moeda eleitoral?
ANTONIO FERNANDO - A história
do administrador vai ficar marcada pelo que ele faz. Pode ter
potencial [eleitoral]? Pode.
Mas pode ter potencial negativo. O administrador público
não pode ficar tolhido em implantar programas porque isso
pode ser visto como um programa com conteúdo eleitoral.
FOLHA - Preocupa o fato de a campanha de 2010 já estar nas ruas?
ANTONIO FERNANDO - Quem tem
a idade que eu tenho verifica
que termina uma eleição e todos já começam a se articular
para uma nova.
Aí fica a grande disputa: fulano está fazendo campanha, beltrano está fazendo campanha.
Mas na mídia a gente vê todos
aqueles que querem ser candidatos a alguma coisa presentes.
Não me parece que tenha alguém ausente (risos).
FOLHA - O que fará após deixar o
cargo?
ANTONIO FERNANDO - Eu vou tirar 40 dias de férias (risos).
FOLHA - E depois?
ANTONIO FERNANDO - Vou decidir
nesses 40 dias.
Texto Anterior: Toda Mídia - Nelson de Sá: Com vocês, os Brics Próximo Texto: Frases Índice
|