São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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Roriz favoreceu empresas de transporte de Constantino

Em seu governo no DF, três famílias receberam concessões de ônibus sem licitação

Empresas de viação ligadas a Constantino, que diz ter emprestado dinheiro a peemedebista, controlam 36% da frota em circulação

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Primeiro congressista a renunciar ao mandato na atual legislatura sob suspeita de ter recebido propina do empresário Nenê Constantino, presidente do Conselho de Administração da Gol, o ex-senador Joaquim Roriz (PMDB) concedeu vários benefícios às empresas que controlam o transporte público urbano no Distrito Federal, entre elas as viações da família de Constantino, donas de 36% da frota em circulação.
Quando comandou o governo do DF -de 1988 a 1990, de 1991 a 1994 e de 1999 a 2006-, Roriz permitiu que três famílias mantivessem o domínio sobre cerca de 80% das concessões pois resistiu à realização de licitações expressivas, chegando a ignorar recomendações sucessivas do Ministério Público e até mesmo uma decisão judicial.
"O resultado não poderia ser outro: cartelização, ausência total de competitividade, extorsivas tarifas, serviços precários e deficientes. (...) O que vemos hoje no Distrito Federal é um cenário absurdo de verdadeira encampação do serviço de transporte coletivo pelas atuais empresas permissionárias, (...) observando-se que no caso concreto é a administração [pública] quem se dobra à vontade de seus contratados, agindo conforme a vontade destes", dizem duas ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Distrito Federal.
Estudo do Ministério das Cidades mostra que Brasília saltou de capital com tarifa de ônibus mais barata, em 1994, para a terceira mais cara, em 2003.
Roriz renunciou ao mandato de senador no último dia 4 diante da repercussão da gravação telefônica em que ele discute a partilha de um cheque de R$ 2,23 milhões.
Nenê Constantino assumiu a paternidade do cheque, mas, assim como Roriz, disse que o peemedebista ficou com apenas R$ 300 mil, a título de empréstimo.
Até agora, o Ministério Público do Distrito Federal trabalha com a hipótese de que a motivação para o repasse do cheque pode ter sido a venda de um terreno em Brasília que teria se valorizado em R$ 72 milhões após aprovação de lei por aliados de Roriz. O terreno pertence hoje a empresa que tem Nenê como um dos investidores.

"Piratas"
Segundo dados do Ministério Público, o controle das catracas em Brasília pertence a três famílias. Nenê Constantino, 76, delegou às filhas e genros o comando da viação Planeta e de pelo menos outras três, com controle de 36% da frota no Distrito Federal.
Victor Foresti, genro de Constantino, é vice-presidente do Setransp, o sindicato das empresas de transporte público do DF. De acordo com o Ministério Público, só a Planeta tem uma dívida previdenciária de R$ 108 milhões.
Já Wagner Canhedo -da companhia aérea Vasp- tem o filho Wagner Canhedo Azevedo Filho como presidente da Setransp e dono da Viplan e da Condor, com 30% da frota. As empresas da família do ex-senador Valmir Amaral, suplente do senador cassado Luiz Estevão, possuem 13% da frota.
Dos 1.882 ônibus sob o controle das três famílias, apenas 251 (13% do total) rodam em Brasília graças a licitação realizada. Os outros ganharam a permissão por ato administrativo de governos do DF.
Em 2001, quatro promotores do Ministério Público ingressaram com ação civil pública pedindo a realização de licitação para todo o sistema, mas a ação está desde então na 4ª Vara da Fazenda Pública.
Em agosto de 2005, nova ação civil pública assinada por outros cinco procuradores e promotores obteve sucesso resultou em uma liminar do Tribunal de Justiça invalidando lei distrital que prorrogava as permissões, sem licitação, até 2010. A decisão, porém, não resultou em nenhuma modificação prática até hoje.
"Nem assim o governo fez a licitação. Há uma conivência do Executivo, do Legislativo, e o Judiciário não está respondendo como deveria à situação", afirma a procuradora distrital dos Direitos do Cidadão, Ruth Kicis Torrents Pereira, que completa: "Não vejo diferença entre essas empresas do chamado sistema convencional e as piratas. Elas são tão piratas quanto as outras".

Desmonte
A gestão Roriz também transferiu, em 2001, para o Setransp a responsabilidade por gerenciar o sistema de vales-transportes. Entre outras coisas, as empresas até hoje não repassam ao poder público a taxa de 3,85% sobre a tarifa, o que sucateou o órgão responsável pela fiscalização e controle do transporte público.
A Delegacia de Combate ao Crime Organizado investiga acusação de fiscais do governo segundo as quais as poucas multas aplicadas às empresas pelos órgãos públicos jamais foram cobradas.
Em 2005 e 2006, Roriz baixou ainda dois decretos, um isentando as empresas de transporte público do pagamento de ISS (Imposto sobre Serviços). De acordo com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, apenas São Paulo, além do Distrito Federal, concede tal isenção. O outro decreto isentou o pagamento do primeiro IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) para os novos ônibus adquiridos.


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