São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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Brasil poderia virar uma Cuba, diz Gordon

Em entrevista à Folha, ex-embaixador afirma que plano de contingência dos EUA para o Brasil tinha caráter preventivo

"Os militares disseram: "se vai ser uma ditadura, que seja nossa, não deles'", diz o norte-americano sobre o temor das ações de Brizola

DE WASHINGTON

Os EUA lidavam com a "hipótese de uma movimentação extremista" no Brasil, que estava próxima de fazer do país "uma segunda Cuba". Daí o "Plano de Contingência". É o que disse à Folha Lincoln Gordon. Hoje com 93 anos, o embaixador dos EUA no Brasil durante o Golpe de 1964 acaba de se mudar para uma casa de repouso na cercania de Washington, cujo nome pede ao repórter não revelar.
"É que moram vários ex-diplomatas aqui também, como o Viron Peter Vaky [ex-embaixador dos EUA na Costa Rica, Colômbia e Venezuela, nos anos 70 e ex-secretário-assistente de Estado para a América Latina]." Lúcido, Gordon trabalha em suas memórias, "From World War II to Reconstruction in Europe and Latin America" (Da 2ª Guerra à Reconstrução na Europa e América Latina).
Escreve ora no seu escritório do Brookings Institute, em Washington, aonde diz ir esporadicamente, ora na mesa de mogno que recebeu como presente dos funcionários da embaixada no Brasil, que levou consigo ao retiro -e que o faz lembrar constantemente do país, diz, "de algumas épocas agradáveis, de outras desagradáveis" no país.
Agora, ele mora a menos de meia hora de carro do prédio dos Arquivos Nacionais onde repousam os documentos que produziu, assinou e mandava do Brasil com periodicidade quase diária durante aqueles turbulentos meses de 1963 e 1964. Desconhecia, no entanto, a liberação dos papéis ao público. "Não estive envolvido nesse processo de maneira alguma."
Leia os principais trechos da conversa telefônica, feita na sexta-feira e aqui agrupada por tópicos: (SÉRGIO DÁVILA)

"PLANO DE CONTINGÊNCIA"
"Não me lembro dos detalhes, mas havia um plano com esse título. Lidava com a hipótese de uma movimentação extremista no Brasil, o que nós julgávamos que estava próximo de fazer do Brasil uma segunda Cuba. Era mais para nos cercarmos de todos os lados. Não creio que fosse uma previsão de que qualquer uma das duas ditaduras [de direita ou esquerda] estivesse prestes a acontecer, mas explorava as hipóteses caso acontecesse."
"Nós não estávamos promovendo soluções ditatoriais. Mas eu presumo que outras pessoas estavam. Nós não controlávamos a política interna do Brasil. Caso controlássemos, de qualquer maneira, ela seria muito diferente do que era."

JOÃO GOULART
"Era um homem fraco, diferentemente de seu cunhado, o Brizola. Esse era, creio, um candidato a ditador. Queria ser um ditador de esquerda e, é claro, foi esse desejo que causou a reação entre os militares, que disseram: "Se vai ser uma ditadura, que seja nossa, não deles". Brizola seria ruim para o Brasil. Goulart não era um tipo pessoalmente ditatorial."

PERÓN COMO MODELO
"Uma vez, estávamos cada um em nosso carro oficial, fomos pegos num congestionamento no Rio e nos avistamos pelas janelas. Goulart desceu, eu também, e fomos andando a pé e conversando a uma cerimônia numa base naval. Enquanto andávamos sozinhos, cruzamos com duas pessoas que iam ao mesmo lugar, um deles funcionário do governo argentino."
"Goulart os saúda, me apresenta e, enquanto nos afastamos deles, diz: "Sabe, tenho dois heróis. Um deles é Juan Perón". Estava falando do homem que fez desmandos por décadas na Argentina, um país que tinha sido muito mais desenvolvido que o Brasil e que no final do século 19 tinha a mesma renda per capita praticamente que a Europa ocidental. E esse era um dos heróis de Goulart, segundo o próprio! Esqueci qual era o outro, mas não era Evita [Risos]."
"Eu pensei: "Esse é um tipo de herói pessoal peculiar para um homem que é presidente de um país supostamente democrático, para ser um tipo de modelo que ele quer se inspirar". Não achei que isso fosse bom para o futuro próximo da democracia no Brasil. Mas eu não acho que Goulart tivesse a coragem de ser um ditador. Acho que, mesmo que fosse bem-sucedido temporariamente em obter poderes ultrapresidenciais, não teria coragem de prosseguir até uma ditadura. Mas Brizola sim."

LEONEL BRIZOLA E JANIO QUADROS
"Brizola não tinha nenhuma inibição em usar o poder. E foi muito inteligente em utilizar o episódio da renúncia de Janio Quadros em seu favor."
"Foi quando eu cheguei ao Brasil, no meio da crise causada pela renúncia."

CASTELLO BRANCO
"Era um verdadeiro cavalheiro. Ele queria acabar com o regime militar mesmo antes de vencido seu mandato. Mas eles o teriam chutado para fora, eles o teriam seqüestrado, se fosse necessário. Ele decidiu que era melhor continuar do que renunciar e criar uma crise prematura."

BRASIL
"Tenho uma lembrança constante de seu país, sempre que olho para essa mesa de mogno. De algumas épocas agradáveis, de outras desagradáveis... Saí de lá bem na época que os militares estavam assumindo para um longo e, creio, não muito bem-sucedido regime, do qual finalmente todos se cansaram. Inclusive os próprios militares."


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