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Brasil poderia virar uma Cuba, diz Gordon
Em entrevista à Folha, ex-embaixador afirma que plano de contingência dos EUA para o Brasil tinha caráter preventivo
"Os militares disseram: "se vai ser uma ditadura, que seja nossa, não deles'", diz
o norte-americano sobre o temor das ações de Brizola
DE WASHINGTON
Os EUA lidavam com a "hipótese de uma movimentação
extremista" no Brasil, que estava próxima de fazer do país
"uma segunda Cuba". Daí o
"Plano de Contingência". É o
que disse à Folha Lincoln Gordon. Hoje com 93 anos, o embaixador dos EUA no Brasil durante o Golpe de 1964 acaba de se mudar para uma casa de repouso na cercania de Washington, cujo nome pede ao repórter não revelar.
"É que moram vários ex-diplomatas aqui também, como o
Viron Peter Vaky [ex-embaixador dos EUA na Costa Rica, Colômbia e Venezuela, nos anos
70 e ex-secretário-assistente
de Estado para a América Latina]." Lúcido, Gordon trabalha
em suas memórias, "From
World War II to Reconstruction in Europe and Latin America" (Da 2ª Guerra à Reconstrução na Europa e América Latina).
Escreve ora no seu escritório
do Brookings Institute, em
Washington, aonde diz ir esporadicamente, ora na mesa de
mogno que recebeu como presente dos funcionários da embaixada no Brasil, que levou
consigo ao retiro -e que o faz
lembrar constantemente do
país, diz, "de algumas épocas
agradáveis, de outras desagradáveis" no país.
Agora, ele mora a menos de
meia hora de carro do prédio
dos Arquivos Nacionais onde
repousam os documentos que
produziu, assinou e mandava
do Brasil com periodicidade
quase diária durante aqueles
turbulentos meses de 1963 e
1964. Desconhecia, no entanto,
a liberação dos papéis ao público. "Não estive envolvido nesse
processo de maneira alguma."
Leia os principais trechos da
conversa telefônica, feita na
sexta-feira e aqui agrupada por
tópicos:
(SÉRGIO DÁVILA)
"PLANO DE CONTINGÊNCIA"
"Não me lembro dos detalhes, mas havia um plano com
esse título. Lidava com a hipótese de uma movimentação extremista no Brasil, o que nós
julgávamos que estava próximo de fazer do Brasil uma segunda Cuba. Era mais para nos
cercarmos de todos os lados.
Não creio que fosse uma previsão de que qualquer uma das
duas ditaduras [de direita ou
esquerda] estivesse prestes a
acontecer, mas explorava as hipóteses caso acontecesse."
"Nós não estávamos promovendo soluções ditatoriais. Mas
eu presumo que outras pessoas
estavam. Nós não controlávamos a política interna do Brasil. Caso controlássemos, de
qualquer maneira, ela seria
muito diferente do que era."
JOÃO GOULART
"Era um homem fraco, diferentemente de seu cunhado, o
Brizola. Esse era, creio, um candidato a ditador. Queria ser um
ditador de esquerda e, é claro,
foi esse desejo que causou a
reação entre os militares, que
disseram: "Se vai ser uma ditadura, que seja nossa, não deles".
Brizola seria ruim para o Brasil.
Goulart não era um tipo pessoalmente ditatorial."
PERÓN COMO MODELO
"Uma vez, estávamos cada
um em nosso carro oficial, fomos pegos num congestionamento no Rio e nos avistamos
pelas janelas. Goulart desceu,
eu também, e fomos andando a
pé e conversando a uma cerimônia numa base naval. Enquanto andávamos sozinhos,
cruzamos com duas pessoas
que iam ao mesmo lugar, um
deles funcionário do governo
argentino."
"Goulart os saúda, me apresenta e, enquanto nos afastamos deles, diz: "Sabe, tenho
dois heróis. Um deles é Juan
Perón". Estava falando do homem que fez desmandos por
décadas na Argentina, um país
que tinha sido muito mais desenvolvido que o Brasil e que no
final do século 19 tinha a mesma renda per capita praticamente que a Europa ocidental.
E esse era um dos heróis de
Goulart, segundo o próprio! Esqueci qual era o outro, mas não
era Evita [Risos]."
"Eu pensei: "Esse é um tipo
de herói pessoal peculiar para
um homem que é presidente de
um país supostamente democrático, para ser um tipo de modelo que ele quer se inspirar".
Não achei que isso fosse bom
para o futuro próximo da democracia no Brasil. Mas eu não
acho que Goulart tivesse a coragem de ser um ditador. Acho
que, mesmo que fosse bem-sucedido temporariamente em
obter poderes ultrapresidenciais, não teria coragem de
prosseguir até uma ditadura.
Mas Brizola sim."
LEONEL BRIZOLA E JANIO QUADROS
"Brizola não tinha nenhuma
inibição em usar o poder. E foi
muito inteligente em utilizar o
episódio da renúncia de Janio
Quadros em seu favor."
"Foi quando eu cheguei ao
Brasil, no meio da crise causada pela renúncia."
CASTELLO BRANCO
"Era um verdadeiro cavalheiro. Ele queria acabar com o regime militar mesmo antes de
vencido seu mandato. Mas eles
o teriam chutado para fora, eles
o teriam seqüestrado, se fosse
necessário. Ele decidiu que era
melhor continuar do que renunciar e criar uma crise prematura."
BRASIL
"Tenho uma lembrança
constante de seu país, sempre
que olho para essa mesa de
mogno. De algumas épocas
agradáveis, de outras desagradáveis... Saí de lá bem na época
que os militares estavam assumindo para um longo e, creio,
não muito bem-sucedido regime, do qual finalmente todos se
cansaram. Inclusive os próprios militares."
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