São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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JANIO DE FREITAS

Mau conselho

O aprimoramento ético dos meios de comunicação, o que tanto se refere a empresas como a jornalistas, é uma necessidade hoje e sempre será uma conveniência. Um modo já experimentado de buscar esse aprimoramento é, entre outros, a criação de conselhos, comissões ou institutos específicos. Mas o Conselho Federal de Jornalismo proposto pelo governo não seria isso.
Não seria também o retorno da censura, como tantos têm dito. O propósito é o dirigismo, objetivo e método mais próximos do sistema aplicado à mídia soviética ao tempo de Stálin e à mídia alemã dos anos 30, do que identificado com a censura boçal do AI-5 e das ditaduras convencionais. A censura é um dos efeitos do dirigismo, mas não o único nem o principal: o dirigismo busca conduzir a opinião pública para propósitos do poder. Pode-se mesmo incluí-lo entre as modalidades de lavagem cerebral.
Uma palavra no projeto do Conselho Federal de Jornalismo é bastante para que ele se autodenuncie. Suas atribuições estão assim definidas: "ORIENTAR, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da ATIVIDADE DE JORNALISMO". Orientar só pode ter um sentido: indicar uma direção a ser seguida, uma linha de ação a ser praticada, um rumo que se sobrepõe à preferência do sujeito, é induzido. Um dos pressupostos fundamentais do jornalismo, no entanto, é a elaboração de suas próprias orientações -variadas, conflitantes entre os "órgãos" da mídia e entre os jornalistas. Isso, exatamente isso, é a liberdade de imprensa.
Um dos dirigentes da Federação Nacional dos Jornalistas, origem do texto encampado pelo governo, usou na Câmara deste argumento em defesa do projeto: "Um jornalista que é obrigado a escrever sobre algo que é contra a ética, porque o patrão determina, não tem a quem recorrer". Sempre teve e terá a maior das instâncias: deve recorrer a seus princípios e demitir-se, e, se não faz, é porque não tem princípios éticos a defender.
De fora do petismo sindical, outra invocação da defesa dos jornalistas está representada em carta do advogado Alberto Zacharias Toron à Folha: "Os jornalistas (...) vão ter um órgão que, além de regular aspectos ético-disciplinares, poderá defendê-los". A defesa dos jornalistas está assegurada desde sempre, e por quem tem a competente habilitação para fazê-la: os advogados. E, de maneira geral, os magistrados de primeira e de segunda instâncias nos têm julgado com imparcialidade e com profundidade no exame dos fatos e suas circunstâncias.
Toron acredita, ainda, que o conselho, representando os jornalistas, poderá, "como a OAB, tomar parte ativa no debate político-institucional". Uma velha e boa entidade tem vida e história de muitas décadas no exercício desse papel. É a Associação Brasileira de Imprensa, a ABI sempre presente ao lado da OAB nas grandes causas nacionais e, agora mesmo, entregando-se a novos projetos.
A menos que as atribuições de "disciplinar e fiscalizar" refiram-se a obediência à orientação dada pelo conselho sobre o quê, como e quando escrever ou não, tais funções juntam-se a outras de gênero burocrático (emitir carteira funcional, fazer cadastro, etc.). Para as quais existem os sindicatos e, conjugando-os, a Federação Nacional de Jornalistas.
Há questões éticas muito importantes e sempre à espera, nem se diga que de solução, mas pelo menos do debate de que sindicatos e a Fenaj são devedores -devedores, não aos jornalistas, mas ao jornalismo e ao país. Seguem-se uns poucos exemplos.
Legal é, mas é também legítima, ou não, a filiação de jornalista a partido político, com a inevitável submissão a ditames partidários que tendem a influir, senão mesmo a comprometer, o desempenho jornalístico? A ética admite, e sob que condicionamentos o faria ou não, atividades comerciais de jornalistas em empreendimentos influenciáveis por sua atividade jornalística? Pode ou não o jornalista aceitar remuneração oficial por tarefas que lhe encomende um personagem de seus assuntos jornalísticos? E por aí vai.
Questões assim são inalcançáveis por contestações, desmentidos, correções e mesmo por julgamentos judiciais, mas são essenciais para a ética dos meios de comunicação e dos jornalistas. É claro que são também necessárias maiores exigências de precisão informativa e cautela no envolvimento de pessoas. Mas, sejam quais forem os propósitos originais de seus autores, não é nessa direção que vão os efeitos esperáveis do Conselho Federal de Jornalismo como o governo o deseja. Se posto em vigor, por certo vai gerar um movimento nacional como há tempos não se vê aqui.



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