São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CASO BANESTADO

Até motorista da Procuradoria ajudou no caso cruzando dados em computador apreendido pela Receita

Procurador acusa precariedade em apuração

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O cruzamento de informações sobre a megalavagem de dinheiro por meio das contas CC5 era feito, em 1998, por um motorista da Procuradoria da República, em Cascavel (PR). Autodidata, o servidor operava computadores contrabandeados do Paraguai apreendidos pela Receita Federal.
As condições precárias para apurar a lavagem de bilhões de dólares está narrada em requerimento que o procurador da República Celso Antônio Três enviou à CPI do Banestado em agosto de 2003. Três obteve na Justiça a quebra do sigilo bancário de todas as contas CC5 do país, no total de US$ 124 bilhões.
Ele responsabiliza a cúpula da Procuradoria Geral da República à época e a Polícia Federal pela "aberrante morosidade" na investigação. Três diz que o então procurador-geral, Geraldo Brindeiro, deveria ter constituído uma força-tarefa em 1998, o que só fez "no crepúsculo de sua gestão, acossado pela predição da CPI do Banestado", em maio de 2003. "A força-tarefa é digna de todo louvor. Ela "desengavetou" persecução que eu já temia sepultada", disse à Folha.
Três requereu à CPI do Banestado cobrar do atual procurador-geral, Cláudio Fonteles, relatório circunstanciado da repressão à lavagem de dinheiro e do atraso na apuração. Pediu a "responsabilização de membros do Ministério Público Federal que porventura tenham sido negligentes". A Procuradoria Geral da República informou à Folha que Brindeiro e Fonteles não iriam se manifestar. Consultada, a Polícia Federal também não se pronunciou.
Alvo de atentados e ameaças, Celso Três atuava isolado, em uma região de risco. Cascavel não tinha delegacia da Polícia Federal. Pediu transferência, em 1999, "por instinto de sobrevivência".
As primeiras informações sobre a lavagem naquela região foram apontadas pela CPI dos Precatórios, em 1996. "Até então sob sepulcral silêncio", segundo Três, o BC enviou informações sobre possíveis "testas-de-ferro".

Ação criminal
O MPF e a Polícia Federal ajuizaram, em 1997, ação criminal contra donos de uma agência de viagem, obtendo o seqüestro de bens. Várias denúncias foram feitas. Mas o hiato entre as remessas ao exterior e o recebimento de informações do BC chegou a levar 20 meses. Com a demora, o MPF não podia pedir o bloqueio das contas, já inativas e sem dinheiro.
Foi por isso que Três pediu à Justiça a quebra do sigilo. Recebeu documentos "premeditadamente desorganizados para obstruir a respectiva leitura e interpretação". Com a ajuda do motorista e de outros servidores, decodificou os dados do BC.
Com o consentimento do MPF, a Polícia Federal transferiu os autos dos inquéritos para Brasília, ficando a apuração a cargo da DCOIE (Divisão de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais). Segundo Três, essa intervenção foi "desastrosa".
"Em quase dois anos, a DCOIE devassou, depósito a depósito, o ingresso nas CC5" [em financeiras do Paraguai], onde, "sempre se soube, entravam apenas os "laranjas'". Em Cascavel, a investigação priorizava os depositantes e operadores das casas de câmbio, para saber quem alimentava as contas dos "laranjas".
Em Cascavel e em Foz do Iguaçu, houve rotatividade de procuradores inexperientes. "Esdruxulamente", segundo Três, o delegado José Castilho, que buscou dados no Exterior, foi afastado do caso sob acusação de inoperância. O motorista foi alvo de sindicância interna, por alegado acesso e divulgação de informações reservadas.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Dados da CPI podem ter sido usados para chantagem
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.