São Paulo, terça-feira, 15 de setembro de 2009

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OPINIÃO

Medida nacionalista nasce com pernas curtas

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

MAIS até do que a aquisição de terras, a mera presença de estrangeiros na Amazônia costuma ser encarada como suspeita por princípio. A desconfiança de que não brasileiros só se dirigem à floresta com segundas intenções beira a paranoia. Se vier apenas para dar satisfação à sanha nacionalista, a legislação em estudo nascerá velha e inócua.
Dito isso, é possível reconhecer que ajustar os limites para a posse de terras por estrangeiros na região não é de todo descabido. A Amazônia guarda a maior porção contínua de floresta tropical do planeta. Embora não seja exclusiva do Brasil, que a partilha com outros oito países, aqui ficam ao menos 50% da mata.
Três tipos de patrimônio estratégico se encontram reunidos ali em grande quantidade. O mais relevante, no curto e médio prazos, é o carbono. Vale dizer, matéria orgânica armazenada na madeira, nas folhas, nas raízes e no solo.
Se derrubada a floresta, como fazemos no Brasil à taxa de uns 10 mil km2 por ano, a maior parte desse carbono vai para a atmosfera engrossar a manta de gases do efeito estufa. Com isso, realimentamos o aquecimento global.
É quase certo que, em dezembro, a Conferência de Copenhague adotará algum mecanismo para atribuir valor e gerar renda com a nova forma de riqueza. Florestas tropicais guardam o segundo maior estoque terrestre de carbono, com quase um quinto do total (perdem só para as florestas boreais, ou taiga).
Os outros dois gêneros de ativos, biodiversidade e água doce, são por ora de valor mais difícil de estabelecer. A promessa de muitas patentes, no caso da primeira, ainda não se materializou. E não existe um mercado para a massa líquida que flui pela foz do Amazonas e se perde no Atlântico, a milhares de quilômetros dos grandes centros urbanos.
Faz sentido, de todo modo, melhorar e aumentar o controle do Estado sobre esse território estratégico. Limitar propriedades de estrangeiros a 10% da área dos municípios parece sensato, também, pois eles são gigantescos na Amazônia. O de Altamira, no Pará, se espalha por 160 mil km2 -mais do que cinco Bélgicas.
Segundo o Incra, há hoje 36 mil km2 da Amazônia titulados para estrangeiros. Uma cifra subestimada, porque parcela desconhecida estaria nas mãos de laranjas. Mesmo assim, isso representa menos de 1% do bioma amazônico no Brasil. Ou pouco mais do que três anos de desmatamento, no ritmo atual de destruição.
Resta saber se o governo federal vai conseguir extinguir, também no caso dos estrangeiros, a tão brasileira instituição dos testas de ferro.


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