FERNANDA KRAKOVICS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao anunciar oficialmente sua saída do PT no plenário da Câmara, o deputado Fernando Gabeira (RJ) fez duras críticas ao partido, ao governo Luiz Inácio Lula da Silva e à sua política ambiental. Comparou os dirigentes petistas à "velha esquerda" do Leste Europeu: "Sonhei um sonho errado".
"Agora que o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder vejo que a perspectiva dos dirigentes é parecida com a dos dirigentes comunistas do Leste Europeu, com uma visão de produtivismo estreita, sem a compreensão das variáveis ambientais." Derrubados a partir de 1989, os regimes comunistas no Leste Europeu eram notórios promotores de desastres ambientais. Mas suas críticas não se limitaram à política ambiental.
Gabeira também criticou a política externa e o recurso do governo contra a decisão judicial que determinou a abertura dos arquivos da guerrilha do Araguaia. O tom do discurso foi de descrédito em relação à capacidade do Estado de promover mudanças: "Não digo que meu sonho acabou, e sim que sonhei um sonho errado. Confiei que podíamos fazer tudo aquilo que prometíamos rapidamente, num período de quatro anos ou imediatamente. O sonho foi pior ainda. Foi confiar que era possível transformar o Brasil a partir do Estado, quando o dinamismo se encontra na sociedade".
Em entrevista após o discurso, ele acrescentou: "Apesar da pequena margem de manobra, optou-se pela mediocridade. Podíamos fazer muito mais", disse.
Uma das críticas mais contundentes foi sobre a posição do governo em relação a Cuba. Para o ex-petista, Lula, ao visitar o país, deveria ter denunciado as violações de direitos humanos, condenado a execução de dissidentes do regime e recebido a oposição cubana: "A relação do Brasil com Cuba não pode ser reduzida à relação de amigos e compadres".
Também sobraram críticas às dificuldades financeiras do Itamaraty. "Não há política externa que resista a esse tipo de pressão cotidiana. Embaixadores e funcionários brasileiros assediados por credores não são o tipo de serviço diplomático que queremos para o Brasil", disse Gabeira.
No campo dos direitos humanos, as divergências do deputado incluem a guerrilha do Araguaia. "Conhecer esse material alude à democracia, mas a prerrogativa da família de recuperar a ossada de seus membros relaciona-se à civilização brasileira. Se um pequeno grupo de militares não aceitar tal prerrogativa, vamos dizer a eles que não negociamos os fundamentos da civilização só porque há um grupo de militares insatisfeitos. "Que vengan los toros", como dizem os espanhóis. Façamos como os chilenos, os argentinos, que ajustaram adequadamente as contas com o passado", disse Gabeira, um ex-exilado.
Gabeira está saindo do PT principalmente por discordar da política ambiental do governo Lula. O estopim foi a edição da medida provisória que liberou o plantio de soja transgênica para a atual safra. A insatisfação também abrange a importação de pneus usados do Paraguai e do Uruguai.
O deputado afirmou ontem que a política ambiental do governo Lula é um "retrocesso" em relação à do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "O governo FHC se preocupou com as questões climáticas, votou o Protocolo de Kyoto, chegou a propor mecanismos de desenvolvimento limpo e não deu esse passo de legalizar os transgênicos." Para o ex-petista, o governo Collor também era "muito melhor, mais audacioso, ao demarcar terras indígenas".
"Estou respirando muito saindo desse clima sufocante das esperanças negadas", disse. O deputado fluminense concluiu seu discurso afirmando que estará "aberto, disposto a contribuir e a ajudar a sociedade para que o governo, se não reencontrar o seu caminho, pelo menos perca esse ritmo lento e exasperante ao qual nos submeteu nesses primeiros nove meses". Ele foi abraçado pela deputada Luciana Genro (RS), ameaçada de expulsão pela cúpula do PT, ao descer da tribuna.
Leia o discurso de Gabeira na http://www.folha.com.br/032861

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