São Paulo, domingo, 15 de outubro de 2006

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ELIO GASPARI

A privataria pegou pesado em São Paulo


A ekipekonômica de Alckmin queria vender o carro (ao seu jeito) para comprar gasolina

LULA EXAGERA mas não mente quando vincula Geraldo Alckmin à privataria que torrou R$ 200 bilhões do tesouro da Viúva entre 1995 e 2002. Dois lances recentes, ocorridos em São Paulo com o patrimônio da índia Bartira, indicam que os privatas aninharam-se na ekipekonômica que o candidato do PSDB deixou na administração do Estado. Uma, a privatização de 20% do banco Nossa Caixa foi cancelada há duas semanas, na boca da pequena área, pelo governador Cláudio Lembo. Destinava-se a recolher R$ 1 bilhão no mercado para calafetar contas públicas. A outra aconteceu há quatro meses, com a venda de um pedaço da Cesp. Anomalias típicas da má gestão: queimar propriedades para cobrir buracos. Nas palavras de Noel Rosa: "Vendeste o carro para comprar gasolina".
Nos dois episódios ocorreram fenômenos paranormais durante o processo de privatização. Em geral, quando uma empresa lança ações no mercado, elas sobem. Foi o que aconteceu com a TAM. Com a Cesp e a Nossa Caixa, caíram. No dia em que se anunciou a venda do lote da Cesp, elas estavam a R$ 24,11. Quando os papéis chegaram ao mercado, valiam R$ 16,20. Um tombo de 32%. Com a Nossa Caixa, valiam R$ 47,36 no anúncio e, no dia em que Lembo salvou o gol, estavam a R$ 43,10, uma desvalorização de 14%.
Ações sobem, ações caem e a vida segue. Se a Cesp e a Nossa Caixa não encontravam quem pagasse mais pelos seus papéis, problema delas. O patrimônio de Bartira perdeu peso num período em que as casas Bradesco, Itaú e Unibanco valorizaram-se 3%. Novamente, é o jogo jogado. Nas duas iniciativas do governo de São Paulo, deu-se um fenômeno adicional. Depois do anúncio da operação, houve uma enorme demanda de aluguel de ações da Cesp e da Nossa Caixa. É o tal do mercado a descoberto, no qual um operador aposta na queda do valor de uma ação. Coisa assim: aluga-se um papel cotado a R$ 100 por 90 dias, pagando uma taxa de 5% ao ano. Vende-se a ação a R$ 100, coloca-se o dinheiro em outro negócio (juros de 14% ao ano do Copom, por exemplo) e espera-se. Se ao fim do contrato a ação estiver a R$ 90, ganha-se 10% sobre o investimento. Dinheirinho fácil.
Feito o anúncio das duas privatizações, ocorreu um surto de febre locatária de ações da Cesp e da Nossa Caixa.
Quando não se falava no negócio, o mercado tinha 718 mil ações da Cesp alugadas. Quando a transação foi concluída, as ações alugadas eram 3,7 milhões, um aumento de mais de 400%. A mesma coisa aconteceu com a Nossa Caixa. No dia do anúncio, as ações alugadas eram 400 mil. Quando Lembo suspendeu a operação, havia na praça 1,7 milhão de papéis alugados.
O mercado financeiro é muito mais complexo e menos demoníaco do que parece ao ser observado pelo retrovisor. Mesmo assim, se alguém teve a inspiração divina de alugar ações confiando e colaborando na queda do valor dos papéis da Cesp e da Nossa Caixa, fez um bom negócio. Admitindo-se que uma pessoa tenha apostado R$ 10 milhões em cada privataria e tenha lucrado apenas a metade do que lhe foi proporcionado pela queda das ações, faturou R$ 1,6 milhão com a Cesp. No caso da Nossa Caixa, se as ações fossem ao mercado na cotação do dia em que Lembo acabou com o jogo, a desvalorização teria rendido uns R$ 500 mil. O feliz locatário teria ganho R$ 2,1 milhões sem uma gota de suor ou um ceitil de seu patrimônio. Só com uma idéia, e uma fé.
Nos dois casos, quando a transação chegou ao fim, a febre locatária baixou e o número de ações das duas empresas no mercado a descoberto voltou ao normal. Os locatários das ações da Nossa Caixa micaram, pois nos dias seguintes ao cancelamento da operação o papel subiu 17%. Passada a febre locatária, as ações subiram de volta ao patamar em que estavam.
Na privataria paulista ocorreu uma mistura de oportunismo (vender o patrimônio para calafetar contas públicas), astúcia (torrar um pedaço de um banco no lusco-fusco do fim de governo) e onipotência (achar que ninguém estava prestando atenção). Pelo menos na Nossa Caixa, Bartira deve gratidão a Lembo.

TUNGA ESCONDIDA
Lula defende a "modernização dos direitos trabalhistas", mas não diz o que isso significa. Em 2004, durante um jantar, propôs uma negociação na qual tudo poderia ser conversado, menos as férias de 30 dias. Ao saber dessa disposição, o comissário Luiz Marinho, que à época presidia a CUT, atribuiu o ímpeto a um eventual excesso de consumo de vinho. Dias depois desse jantar a política brasileira foi abalada pelo aparecimento de Waldomiro Diniz. Daí em diante, o governo de Nosso Guia ganhou espaço no noticiário policial e a reforma trabalhista saiu da agenda. Ainda há tempo para que Lula diga claramente o que entende por "modernização dos direitos trabalhistas".

REFORMA ALOPRADA
Aproveitando o embalo, Lula poderia dizer que tipo de reforma sindical tem na cabeça. Durante seu governo armou-se um monstrengo que preservava as tungas existentes, adicionava umas poucas, endinheirava as centrais e criava um temível aparelho sindicalista. Seu coordenador era o secretário de Relações do Trabalho, Oswaldo Bargas, com dupla militância no dispositivo tabajara do PT. Ele foi um dos articuladores do dossiê Vedoin, cujos mercadejadores foram chamados por Lula de "aloprados" e "bando de imbecis".

PELEGUISMO
Os sindicalistas do patronato são uma graça. Quando os impostos saem de seus bolsos, denunciam a carga tributária. Quando se fala em reduzir uma taxa que vai para seus bolsos, viram feras. Querem derrubar a Lei da Microempresa, que livra o andar de baixo da produção da tunga de 2,5% sobre a folha de pagamento para sustentar o chamado Sistema S. Esse aparato arrecada R$ 9 bilhões por ano.

SOLIDÃO DE PETISTA
Quem conhece o PT garante: se for o caso, Aloizio Mercadante vai para o inferno sozinho e espera quatro anos, para ver se a chuva pára.

BWANA FOI MAL
O jornalista Joe Sharkey, carona do Legacy que derrubou o Boeing da Gol, chegou aos Estados Unidos criticando o sistema de proteção ao vôo da Amazônia: "Há zonas mortas no controle de trafego aéreo".
Como Sharkey escreve uma coluna semanal sobre o mercado de aviões particulares no "The New York Times", seria bem-vindo um artigo seu sobre o controle de tráfego de Nova York. Um aviãozinho espatifou-se num edifício distante uns 40 quarteirões do prédio do jornal. Sharkey mora em Nova Jersey.

MADE IN USA
Os çábios da CIA fizeram mais uma: garantiram a George Bush 2º que os norte-coreanos estavam blefando. Para levantar a moral da burocracia brasileira, outra boa história da çabedoria americana:
6 de junho de 1973: Robert Gates, um alto burocrata da CIA, está em Genebra, na sala de Paul Nitze, negociador americano na Conferência do Desarmamento. Há um rádio ligado, e Nitze pergunta a Gates se ele tem notícias da crise do Oriente Médio. Gates brilha e explica que há movimentos de tropas na região, mas não haverá guerra. Por duas vezes Nitze perguntou a Gates se entendia francês. Não. Se entendesse, explicou o diplomata, o senhor saberia o que o rádio está dizendo: a guerra já começou.


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