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PAULO LACERDA
Delegado diz que instituição prioriza área de Inteligência e oferece ajuda para apurar caso Santo André
Diretor-geral da PF reclama da Justiça e da falta de verbas
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O diretor-geral da Polícia Federal, delegado Paulo Lacerda, considera que os desdobramentos e
os indícios de conotação política
no assassinato do prefeito petista
Celso Daniel justificam a entrada
da corporação nas investigações
do chamado caso Santo André.
"Nós nos colocamos à disposição para o que for necessário",
disse Lacerda em longa entrevista
à Folha, terça-feira passada, em
seu gabinete em Brasília.
Avesso a entrevistas e a polêmicas públicas, Lacerda insinuou seguidas vezes críticas ao papel da
Justiça no desfecho de ações contra o crime organizado. A cada
uma delas, porém, ele se justificava e dizia que não queria atritos.
"Não quero amanhã inviabilizar o meu trabalho com a Justiça.
Dependendo da forma que vocês
colocarem, a gente não vai ter como realizar outros trabalhos, porque a gente depende do Judiciário", declarou.
"Todos nosso compromissos
estão suspensos", disse Lacerda
sobre as dívidas do órgão -até
com fornecedores de luz e telefone-, situação que deixa a PF "extremamente vulnerável". O diretor-geral disse ter uma promessa
de pagamento pelo governo: "Estou acreditando".
Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida à
Folha.
Folha - Os focos de corrupção na
polícia são conhecidos há anos, alguns há décadas. Por que só agora
a Polícia Federal está agindo?
Paulo Lacerda - Temos hoje feito
um trabalho muito voltado para
valorizar a Inteligência, a especialização do policial e usando algumas estratégias e metodologias de
trabalho.
Folha - O carro-chefe é a escuta
telefônica?
Lacerda - É um instrumento importante, de vanguarda, mas não
é só isso. O que temos feito? Antes, era: "Ah! Eu abri um processo.
Se deu resultado, não sei". Agora,
estamos interessados no resultado. Pode durar um mês, seis meses. Ou um ano e meio, como a
Operação Anaconda.
Aquilo foi feito na área de Inteligência, na área reservada. Deixamos o funcionário continuando a
roubar lá, fomos dando corda para ele e passamos a apurar no entorno dele. É apenas ele? Tem outros colegas? E o corruptor? Quem
o mantém ali? Dali a pouco a gente começou a alargar a investigação de modo que de repente está
com a quadrilha toda na mão. E aí
desarticula.
Folha - É assim que começam essas grandes operações envolvendo
juízes, policiais e até governadores?
Lacerda - Vale tanto uma forma
quanto a outra. Se você também
pega uma denúncia contra um
juiz e tem condição de investigá-lo -e muitas vezes é difícil, por
conta da prerrogativa de função-, pode partir dele para pegar
os demais. Um exemplo típico de
uma investigação que veio de cima para baixo e que foi muito
bem sucedida foi a investigação
do [Fernando] Collor. Se algum
dia alguém for verificar aqueles
autos e toda a investigação, vai
chegar à conclusão de que os elementos estavam todos ali.
Folha - Ou seja, o ponto fraco nessa rede é a Justiça?
Lacerda - Segundo dito por vocês.
Folha - Com o sr. concordando.
Lacerda - É. E eu concordando.
Folha - Não é frustrante para o
policial fazer a investigação, produzir os autos, pegar quem está
roubando e depois tudo dar em nada na Justiça?
Lacerda - Isso tudo é algo que só
com o tempo mesmo vai se resolver. Acho que hoje a sociedade está reclamando mudanças. É possível que essas coisas aconteçam.
Folha - O sr. está pregando uma
cobrança da sociedade à Justiça
brasileira?
Lacerda - Não quero amanhã inviabilizar o meu trabalho com a
Justiça. Dependendo da forma
que vocês colocarem, a gente não
vai ter como realizar outros trabalhos, porque a gente depende do
Judiciário, mas acho que algumas
coisas vocês mesmos vêem por aí.
Folha - A Polícia Federal e outras
polícias estão cortando na própria
carne. E a Justiça?
Lacerda - Não sei. Os procedimentos da Justiça são muito fechados, embora o ministro Maurício Corrêa [presidente do Supremo Tribunal Federal] tenha
dito na TV que são muito transparentes, abertos. A Secretaria de
Reforma do Judiciário está reunindo elementos para passar ao Congresso. Estamos
indo no caminho
certo.
Folha - Há juízes
presos. Isso é um
fio da meada?
Lacerda - Acho
que sim.
Folha - O sr. ainda espera surpresas na Operação
Anaconda? Novos
nomes, novas prisões?
Lacerda - A
maior parte do
que tinha que ser
investigado já foi.
Acredito que na
semana que vem
[nesta] encerramos completamente a análise do material. O
que pode acontecer é, no meio daquele material, a própria mídia
descobrir novos fatos ainda pouco explorados e alertar para eles.
Foi muito tempo de investigação,
há muita coisa.
Acredito que o Judiciário, no caso a desembargadora [Therezinha Cazerta], vai acolher algumas
sugestões dos nossos delegados
no sentido de tentar estabelecer
uma conexão da Anaconda com
alguns casos de São Paulo. Quais
são esses casos? Os casos Ari Natalino e Lobão [contrabando] e os
casos Toninho da Barcelona e
Santur [doleiros].
Folha - O sr. está se referindo, por
exemplo, à sentença do juiz Casem
Mazloum absolvendo o ex-senador
Luiz Estevão no caso de desvio de
dinheiro do TRT-SP? Foi uma decisão muito controversa e, agora,
não só o Mazloum é um dos juízes
da Anaconda como surgiram documentos das empresas do ex-senador na casa do Rocha Mattos.
Lacerda - Pode até haver alguma
implicação legal nos casos que
passaram nas mãos deles [dos juízes]. Acho que o tribunal deve se
debruçar sobre todos os assuntos
suspeitos. E até pedir, eventualmente, a ajuda da polícia e do Ministério Público para auxiliar nessa tarefa, que é árdua, complexa,
grande. Estamos à disposição.
Folha - Esses casos que o sr. citou
se referem a contrabando e a lavagem de dinheiro. O que falta é fechar o cerco sobre o dinheiro obtido pelos
juízes?
Lacerda - O cruzamento de todas essas
informações pode
avançar. É bom que
se diga que o empenho do tribunal de
São Paulo é algo novo. Não existia. Apesar de alguns problemas, há um entrosamento grande entre
os órgãos e isso é
muito importante
para a sociedade. Em
vez de ficar brigando,
querendo saber
quem é o protagonista da ação, temos de
trabalhar juntos.
Folha - Parte do dinheiro desviado do
TRT de São Paulo pode ter sido lavada por esses doleiros?
Lacerda - Se eu fosse falar como
cidadão, diria o que eu penso.
Mas não devo tecer considerações, porque vai ser mera especulação. Daqui a pouco o Luiz Estevão está me processando aí pelo
que eu vou falar.
Folha - Qual sua opinião sobre a
escuta e a quebra do sigilo bancário e fiscal?
Lacerda - Se você tiver uma polícia com credibilidade para usar
esses instrumentos devidamente
e com mecanismos de controle
contra excessos, a tendência é o
próprio delinquente -o homem
do colarinho
branco- pensar
duas vezes.
Há que ser feito,
mas devidamente
autorizado por alguém, além da garantia de uso de
equipamentos
modernos. Não
há como, tecnicamente, enxertar
ou retirar alguma
fala ali dentro.
Aquilo ali vai para
o Judiciário como
foi gravado.
Folha - Na Operação Sucuri [em Foz
do Iguaçu], os 23
agentes federais
presos foram soltos porque a Justiça considerou as
escutas como provas frágeis.
Lacerda - Estou evitando falar de
situações que venham a fragilizar
as relações da polícia com o Ministério Público e o Judiciário.
Folha - A PF não está trocando investigação policial por mera escuta
telefônica?
Lacerda - Imagina vocês fazendo
uma investigação que começa a se
arrastar seis meses, oito meses. O
patrão vai reclamar. O mesmo
acontece conosco. O ideal é utilizar ao mesmo tempo todos os instrumentos disponíveis, mas o
ideal a gente quase nunca atinge.
A Anaconda foi um exemplo, pois
durou um ano e meio e as cautelas
ocorreram em função das pessoas envolvidas. A gente não
podia errar ali.
Folha - Quando não
há juízes envolvidos
pode errar?
Lacerda - Não é nesse sentido. Você vai
fazer uma investigação que envolve um
ministro de um tribunal superior, ou
um ministro de Estado. Imagina o que vai
acontecer se você erra. Não se pode desmoralizar uma instituição.
Folha - E o caso Celso
Daniel?
Lacerda - Confesso
que não conheço detalhes, na época não
estava na PF. As primeiras conclusões, de crime comum, de sequestro que resultou em morte,
deixaram inúmeras dúvidas que
agora estão aí sendo tiradas pelo
Ministério Público, dizendo que
não é bem assim.
Folha - A PF vai voltar ao caso?
Lacerda - Aí é o tipo do assunto
que nós só podemos entrar se requisitados.
Folha - Requisitados por quem?
Lacerda - Pelo Judiciário competente. Vamos dizer que tenha conotação política, aí nós poderíamos até entrar no caso. Não é o
que ficou evidenciado [no inquérito do ano passado], mas agora o
Ministério Público do Estado
apresenta novos elementos de
prova. Lógico que nós temos que
respeitar e aguardar as investigações, mas nos colocamos à disposição para o que for necessário.
Folha - Sempre se diz que a PF é
muito partidarizada. Isso não atrapalha? No caso de Santo André, por
exemplo?
Lacerda - Nunca vi esse tipo de
coisa na polícia. O que noto é um
grupo de funcionários que quer
estar bem com quem está mandando. Tivemos diretor-geral
que, se desse para dar uma corridinha no palácio, entrar numa solenidade e tentar falar com o presidente... É do ser humano.
Folha - O caso Lunus [investigação da PF sobre Jorge Murad, marido de Roseana Sarney, na época
pré-candidata do PFL à Presidência, que provocou a retirada de sua
candidatura] não deixou uma
grande interrogação no ar?
Lacerda - Ah sim! Até acredito
que ali tenha... Até acredito...
Folha - Que tenha o quê?
Lacerda - Que tenha acontecido
alguma coisa nesse sentido que
vocês estão dizendo. Que alguém
foi usado. Não sei se foi, eu nem
estava aqui. Se é que houve, não
foi no sentido político. É no sentido de gente que quer ficar bem
com alguém.
Folha - Ficar bem com o candidato José Serra, por exemplo?
Lacerda - Não estou dizendo que
é, estou levantando uma hipótese.
Se aconteceu, pode ser.
Folha - Com que recursos a PF faz
operações enormes, se falta luz no
prédio e os agentes estão em greve
por melhores salários?
Lacerda - Temos a promessa do
governo de que nossas dívidas
vão ser pagas e estou acreditando.
Passamos o ano numa situação
extremamente difícil, driblando
não apenas nossos alvos, nossos
inimigos no crime organizado.
Todos os nossos compromissos
estão suspensos. A Embratel já ficou de desligar nossos sistemas de
informática. Ficamos extremamente vulneráveis.
Folha - E a entrada das Forças Armadas no combate ao crime organizado?
Lacerda - As Forças Armadas
podem, sim, dar uma grande contribuição, com a logística e a estrutura. Em algumas ações pontuais, já temos tido um apoio
muito importante. Essas grandes
operações nossas, quando deslocamos 200, 300 policiais, a Aeronáutica sempre nos auxilia.
Folha - O sr. é a favor da lei do
abate?
Lacerda - Em princípio sim, mas
é um risco enorme. Se a aeronave
mostrasse um "Air Farc" [Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia], que são nossos fronteiriços, tudo bem. A gente metia fogo
ali sabendo que são narcotraficantes. E quando não forem?
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