|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Índios buscam restos em lixão de Boa Vista
Saídos de reservas do Estado, como a Raposa, indígenas e garimpeiros vasculham aterro sanitário na periferia da capital
Para agente da Funai,
quando os índios saem de
suas comunidades, ficam
com vergonha de voltar e
têm de sobreviver na cidade
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BOA VISTA
MARLENE BERGAMO
ENVIADA ESPECIAL A BOA VISTA
O aterro sanitário de Boa Vista (RR), que recebe mais de 600
toneladas de lixo produzidas
diariamente por seus 250 mil
moradores, é o destino de índios e garimpeiros que deixaram as reservas indígenas de
Roraima, como a Raposa/Serra
do Sol, e hoje precisam do detrito para sobreviver na cidade.
A Folha esteve no descampado de mais de 500 metros de
extensão, na periferia da capital. Viu ao menos 30 pessoas
com feições indígenas trabalhando em meio ao chorume
(resíduo formado a partir da
decomposição de matéria orgânica) e aos urubus.
Eles não quiseram falar. "O
pessoal tem medo que seja a
polícia, que aparece para tirar a
gente daqui", afirma Magson
Pinto Azevedo, 28, um dos não-índios da área que perambula
pelo aterro há seis anos, buscando alumínio, cobre ou algo
para comer.
Segundo outros catadores,
ex-moradores das reservas
aparecem periodicamente.
Usam o que pegam no aterro
para vender e comprar roupas.
Também trocam farinha com
outros freqüentadores do aterro pela gordura das carnes apodrecidas. "Eles vendem o sebo
para as fábricas de sabão."
Sentada sobre uma lata, uma
mulher abaixa a cabeça quando
percebe a chegada da reportagem. Ao seu lado, outra, mais
velha, esconde o rosto com
uma das mãos.
Com alguma insistência, a
primeira diz que elas são da etnia macuxi. Está grávida de
cinco meses. "Venho só de sábado aqui", diz, perto do trator
que esmaga a carga deixada por
outro caminhão. Mas se cala
quando perguntada sobre sua
terra de origem.
Apesar de não ser indígena,
Luís Almir Ferreira, 52, conhece bem a Raposa/Serra do Sol.
Durante dez anos, morou nela,
onde buscava, ilegalmente, ouro e diamante.
Foi expulso depois da homologação da reserva, em 2005.
Agora vasculha o lixo, com a
ajuda de uma espécie de espeto
de ferro, ferramenta de quase
todos no aterro. "Lá era muito
melhor, bonito. Demora para
se acostumar com o cheiro."
Como boa parte dos catadores, ele trabalha cinco dias por
semana, das 9h às 17h. Consegue R$ 400 por mês, o que "dá
só para o gênero [comida]".
"Tem muito garimpeiro aqui.
Eles saíram [das reservas], foram botados para fora. Quando
chegam à cidade, não têm o que
fazer", diz José Procópio de
Souza, 65, que há 20 sobrevive
dos detritos de Boa Vista.
Um agente da Funai (Fundação Nacional do Índio) na região disse que, quando os índios saem de suas comunidades, ficam com vergonha de
voltar e têm de sobreviver na
cidade. Alguns, afirmou, acabam cometendo suicídio.
Para Erotéia Mota, macuxi e
candidata derrotada a vice-prefeita do arrozeiro Paulo César
Quartiero, o número de egressos da Raposa no aterro deve
aumentar se o Supremo Tribunal Federal confirmar a demarcação contínua da reserva.
Texto Anterior: Última semana: O que pode ser votado antes do recesso Próximo Texto: Frases Índice
|