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ENTREVISTA - ANTONIO PATRIOTA
Embaixador quer levar aos EUA visão brasileira da região
Diplomata pretende evitar que americanos julguem casos como o de Chávez de maneira "estereotipada"
Alan Marques - 13.set.2005/Folha Imagem
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Antonio Patriota, novo embaixador do Brasil em Washington |
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
ANTONIO Patriota assume em março a mais disputada embaixada do Brasil, a de Washington. Segundo explica ele, em típico "diplomatês", uma de suas funções será apresentar "a nossa compreensão do quadro regional" para evitar que os EUA julguem fenômenos como Hugo Chávez de maneira "precipitada ou estereotipada".
FOLHA - A percepção de que o Brasil deu preferência a outros países
em detrimento dos EUA pode criar
embaraço à sua nova função?
ANTONIO PATRIOTA - Discordo.
Talvez a explicação para essa
percepção é que o que há de
mais inovador na política externa do governo Lula não é a
relação com os EUA, porque essa relação é importante, complexa, já há muito tempo. O que
há de mais novo são as iniciativas envolvendo Índia, Brasil,
África do Sul, a Cúpula Mercosul-Oriente Médio.
Mas vamos olhar os números
das exportações para os EUA.
Nos quatro anos que antecederam a posse do presidente Lula,
elas aumentaram US$ 5 bilhões. Nos quatro anos do governo Lula, aumentaram US$
10 bilhões. Pode-se falar num
amadurecimento da relação,
que significa atenção às análises que não sejam coincidentes.
FOLHA - A Alca está morta?
PATRIOTA - Não. Houve uma redefinição de contornos que levou ao acordo de Miami, prevendo acordos plurilaterais nas
áreas em que um ou outro participante não quisesse assumir
novas responsabilidades. Víamos como problemático o fato
de a Alca parecer menos uma
iniciativa voltada para a abertura de mercado -que nos interessa muito e pela qual vamos
continuar trabalhando- e mais
um esforço de harmonização
de regulamentos e leis, por
exemplo, na área de propriedade intelectual.
FOLHA - O ministro Amorim diz: o
Brasil queria abertura de mercado, e
os EUA queriam exportar suas leis,
defender suas patentes.
PATRIOTA - Exatamente. Na
área também de investimentos,
de compras governamentais. Aí
não interessou para o Brasil,
porque aquele modelo teria sido problemático para o nosso
desenvolvimento industrial.
Interessante registrar que essa
avaliação se disseminou muito,
até mesmo em setores que pareciam mais simpáticos à Alca.
FOLHA - Então, a Alca morreu.
PATRIOTA - Olha...Algumas pessoas preferem dizer que está hibernando.
FOLHA - Quais os prazos para fechar um acordo?
PATRIOTA - Se houver um esforço de conclusão acelerado, ela
pode se concluir ainda antes do
fim da vigência do TPA [Trade
Promotion Authorities], a autorização especial que o Congresso dá para o Executivo negociar acordos comerciais.
FOLHA - Até junho ou julho?
PATRIOTA - Há vozes no Partido
Democrata admitindo até a
possibilidade de prorrogação
do TPA para além de junho ou
julho. Mas o desejável seria que
o acordo fosse fechado antes.
FOLHA - E quanto à vitória dos democratas nas últimas eleições? São
mais protecionistas e poderiam ser
mais duros nas negociações?
PATRIOTA - O que se comenta é
que farão um esforço para promover a inclusão de cláusulas
trabalhistas e ambientais nos
acordos, inclusive nos que estão em pauta para serem aprovados pelo Congresso dos EUA,
com Peru e Colômbia.
FOLHA - Isso pode servir como barreira a exportações brasileiras.
PATRIOTA - Pode, mas pode favorecer a integração regional.
FOLHA - Sabe como isso soou?
Uma aliança latino-americana contra o protecionismo americano.
Uma ameaça?
PATRIOTA - Não acredito que se
chegue a isso, até porque o governo americano dá demonstrações de querer relançar as
negociações na OMC, coisa que
interessa muito à região. Não
tive intenção de fazer ameaça.
Há mais de uma maneira para
olhar isso. Tem que ver crise
como oportunidade também.
FOLHA - Há possibilidade de o Brasil negociar acordos em separado,
como fizeram outros países?
PATRIOTA - Apesar dos acordos
bilaterais, o comércio do Brasil
com os países sul-americanos
aumentou muito mais do que o
comércio dos EUA com esses
mesmos países. Indica que estamos acertando na região.
FOLHA - Chávez na Venezuela, Morales na Bolívia, Noriega na Nicarágua. Esse perfil não pode prejudicar
as relações com os EUA?
PATRIOTA - A Venezuela é o segundo parceiro comercial dos
EUA na América Latina, e o
Brasil é o terceiro. Retórica à
parte, isso já diz tudo.
FOLHA - E as investidas de Chávez e
Morales rumo à nacionalização de
setores importantes para os EUA?
PATRIOTA - Se olharmos para a
América do Sul, todos os governos foram democraticamente
eleitos. Quais são as outras regiões do mundo em desenvolvimento sobre as quais se possa
dizer isso? Acho que nenhuma
outra. Isso é que importa.
FOLHA - Na visita de Condoleeza
Rice ao Brasil, ela disse que a legitimidade eleitoral era apenas um dado da democracia.
PATRIOTA - É um dado, mas é
fundamental. Outro aspecto é
que têm sido eleitos na região
líderes que dão importância à
agenda social. Isso é relevante
numa região tão marcada por
desigualdades. O agravamento
dessas desigualdades pode levar ao enfraquecimento da democracia. A ênfase no investimento social é positivo.
FOLHA - As últimas novidades do
governo Chávez, como reeleições
sucessivas, se enquadram em passos pela democracia?
PATRIOTA - Até 1950 e poucos,
os americanos tinham reeleições por tempo indeterminado.
Franklin Roosevelt foi eleito
quatro vezes.
FOLHA - O Brasil se orgulha de servir como mediador de crises na região. O sr. vai ser parte dessa tática?
PATRIOTA - O presidente tem dito que você não pode buscar o
desenvolvimento ignorando os
países à volta. Estamos todos
no mesmo barco. Isso contaminou a ação externa brasileira.
FOLHA - A Unctad (órgão da ONU),
detectou que a América Latina foi a
única região que perdeu investimento estrangeiro em 2006. O Brasil não é afetado por essas investidas da "república socialista do século 21" de Chávez?
PATRIOTA - Você me fez lembrar
de uma frase da Condoleeza Rice: "Eu me recuso a "chaveizar"
a relação do Brasil com os
EUA". Eu também. Temos uma
boa relação com a Venezuela, e
é preciso olhar o capitalismo do
século 20 da Venezuela e ver
que também não tinha nada para ser aplaudido. Um país com
tantos recursos naturais que
não traduziu isso num desenvolvimento econômico e social.
FOLHA - O sr. poderá ser porta-voz
da região junto aos EUA?
PATRIOTA - No máximo, podemos apresentar da maneira
mais clara possível nossas análises, ponderações e a nossa
compreensão do quadro regional para que não haja uma tendência a categorizar de maneira precipitada ou estereotipar,
para que haja uma compreensão dos fenômenos dentro de
sua dimensão real.
FOLHA - O sr. disse que o Brasil poderá ter um papel de mediador entre Cuba e os EUA.
PATRIOTA - Não disse que o Brasil pode ser mediador. Disse
que não nos furtaremos a compartilhar com os americanos
nossas análises e ponderações.
FOLHA - Traduzindo do "diplomatês", o que significa?
PATRIOTA - Cuba é assunto da
política interna nos EUA. A comunidade de origem cubana
em Miami tem peso político
grande. Há um prisma muito
particular pelo qual os EUA
vêem a questão cubana. E não é
o prisma brasileiro.
FOLHA - Qual é o prisma brasileiro?
PATRIOTA - Com Cuba, particularmente, temos o desejo de
evitar que haja acirramento de
tensões desnecessariamente.
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