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A REVANCHE DOS 300
Severino Cavalcanti está na vida pública há mais de 40 anos, trocou de partido seis vezes e participou de expulsão de padre do país
"Católico roxo", eleito personifica baixo clero
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
"Vossa Senhoria é homossexual
ativo ou passivo?"
Todos sabiam da aversão de Severino Cavalcanti por "relações
sexuais de homem com homem".
Ainda assim, a pergunta do deputado soou deselegante. Brasília
respirava uma atmosfera abafadiça naquela manhã de terça-feira, 6
de agosto de 1996. O ar parecia
ainda mais espesso no corredor
das Comissões da Câmara.
Ali, um grupo de parlamentares
reunira-se para ouvir o depoimento de Toni Reis, então presidente do grupo gay "Dignidade",
de Curitiba. Ele vivia há seis anos
com outro homem. Daí ter sido
convidado a comparecer à Câmara. Falava aos parlamentares sobre a conveniência da aprovação
da proposta que previa o reconhecimento da união civil entre
casais gays. Entre as vantagens,
mencionou o reconhecimento judicial do direito à herança de parceiros homossexuais.
Atalhado por Severino, Toni
Reis reagiu com humor: "Ah, senhor deputado, isso a gente conversa depois. A gente pode combinar um vinho".
A deputada Maria Elvira
(PMDB-MG), que presidia o encontro, ainda tentou retomar a
meada da conversa. "Senhor deputado, sua participação é com
essa pergunta?!?!" Severino, porém, não se deu por achado:
"Quero ouvir a resposta". E Toni
Reis: "Temos que variar, sr. deputado. Não é só sexo penetrativo.
Há outras formas de prazer". Severino não integrava formalmente a comissão. Define-se, porém,
como um "eterno vigilante contra
a pornografia e a libertinagem".
Eleito ontem presidente da Câmara, o pernambucano Severino
Cavalcanti, 74, é a personificação
daquilo que se convencionou
chamar de "baixo clero". O país
ainda não o havia notado. Mas ele
está na vida pública há mais de 40
anos. Tornou-se prefeito de João
Alfredo (PE), sua cidade natal, em
1964. Desde então, jamais ficou
sem mandato. Seguindo as pegadas da ditadura militar, a quem
sempre devotou fidelidade, foi
deputado estadual por 28 anos.
Em 1980, Severino atraiu o então presidente João Baptista Figueiredo para uma causa pessoal.
Elegera um padre italiano, Vito
Miracapillo, como seu inimigo
em Pernambuco. E convenceu o
governo a expulsá-lo do país.
Severino diz ter defendido a expulsão o porque ele teria se recusado a celebrar uma missa pela
Independência, num Sete de Setembro. O padre diz que esse foi
um pretexto. Na verdade, o deputado o considerava "subversivo".
A partir de 1995, sob Fernando
Henrique Cardoso, Pernambuco
concedeu a Severino um mandato
federal. Não saiu mais da Câmara.
Está em seu terceiro mandato.
Um de seus assessores dizia ontem que o chefe ascendeu à presidência da Câmara "comendo o
mingau pelas beiradas".
Pleiteou e obteve cargos na mesa diretora da Câmara. Na Segunda Secretaria, seu último posto,
esmerou-se na defesa dos interesses dos colegas. Alçou a "valorização do mandato" -leia-se aumento salarial e um imenso etc.-
ao topo de sua plataforma de
campanha. Assim tornou-se o
terceiro homem na linha sucessória da República, substituto eventual de Luiz Inácio Lula da Silva.
O próprio Severino acha, segundo confidenciava ontem a amigos, que a presidência lhe caiu no
colo porque o governo trata deputados com soberba. Esse seu
ponto de vista é antigo. Em discurso de 7 de abril de 2003, disse
que "os tecnocratas encastelados
no poder parecem abominar os
pedidos dos políticos". Defendeu
a transformação do Orçamento
da União em algo "impositivo",
para que o governo não possa
mais se negar a liberar verbas de
emendas dos parlamentares.
O novo presidente da Câmara
assume com orgulho a condição
de despachante de interesses paroquiais. "Boa parte do nosso
tempo é gasto em repartições do
Poder Executivo, lutando para liberar os recursos de nossas prefeituras, naquilo que já foi chamado de trabalho de vereador federal. Menciono o termo com tranqüilidade. Em vez de nos diminuir, nos honra e engrandece."
Em diálogos reservados, Severino saboreava o triunfo ontem repetindo uma frase à Zagalo: "Eles
vão ter que me engolir". Referia-se aos jornalistas. Acha que nunca
teve da grande imprensa a atenção que merecia. A presidência da
Câmara dá a Severino um púlpito
que ele jamais teve. Agora sob holofotes, quer fazer da defesa da revitalização dos valores familiares
o seu maior baluarte.
Para o deputado, "o papa João
Paulo 2º é a figura maior do século
20". Severino se define como "católico roxo". Além de combater a
união civil entre homossexuais,
deseja restringir a exposição de
cenas que contenham sexo e violência na televisão no intervalo de
6h às 22h e proibir o aborto, mesmo em casos de estupro e risco de
morte da mãe.
Diz ele: "As nossas autoridades
estão fechando os olhos aos malefícios que a permissiva programação das TVs vêm fazendo às nossas crianças e adolescentes e à família brasileira. Estão erotizando
precocemente corpos infantis, incentivando a pedofilia, com novelas de grande audiência promovendo o sexo de crianças com
adultos, alimentando a tara de
adultos por adolescentes (...)".
A coerência do discurso moralista de Severino contrasta com
sua fluidez partidária. Já trocou
do partido seis vezes. Hoje, é filiado ao PP de Paulo Maluf. Sob o tucanato, sempre votou afinado
com o governo. Os articuladores
políticos de Lula também não têm
do que se queixar.
O ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política) passou em revista ontem a ficha de Severino.
No essencial, sempre votou com o
Planalto. Foi a favor, por exemplo, das reformas previdenciária e
tributária.
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