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COMENTÁRIO
A apoteose dos "outros Severinos"
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O Brasil precisa entender os
seus Severinos. Há os Severinos
de João Cabral de Melo Neto. E há
os Severinos da Câmara. Uns têm
pouco a ver com os outros. Eles
são mesmo opostos sociais.
Os Severinos de João Cabral
"morrem de velhice antes do trinta, de emboscada antes do vinte,
de fome um pouco por dia".
Os severinos da Câmara dos Deputados não. Eles chegaram lá, no
poder. Nos ambientes esnobes do
Congresso modernista, porém,
eles agem como uma espécie de
lúmpen-parlamentares que andam pela sombra.
Pouca gente conhece os deputados-Severinos da Câmara dos Deputados. A imprensa não os procura. Sua imagem não passa nas
TVs. O governo não lhes dá muita
bola. O senador José Sarney passa
na frente deles e não os cumprimenta.
Até os porteiros do Congresso
não sabem quem eles são, eles que
portam ternos mal cortados, têm
os dentes emendados, os sapatos
de má qualidade, a fala cheia de
falhas gramáticas, a política sem
pensamento, o fisiologismo como
objetivo e o arrivismo como condição brejeira.
A longa madrugada de ontem
no Congresso foi a apoteose dos
Severinos na política brasileira.
Pelos votos, sabemos agora que
eles são muitos, talvez muitíssimos. O momento em que um
apagão deixou o plenário às escuras foi para os sensitivos como um
presságio do vácuo onde o PT cairia horas depois.
A sessão, de folclórica que estava, transformou-se em histérica e,
por fim, histórica.
Na calada da madrugada, quando todos os deputados são pardos, os Severinos derrubaram o
PT da mesa da Câmara e elegeram
como presidente o seu Mestre: Severino Cavalcanti.
Trata-se de um sujeito bonachão, dizem, ao mesmo tempo
que um exemplo do que de mais
retrógrado sabe produzir a política brasileira. Um de seus projetos
de lei consiste em proibir cenas de
nudismo na TV brasileira. Muitos
se referem a ele como o chefe dos
católicos no Parlamento.
Durante o seu discurso de posse, um ar quente de provincianismo espalhou-se pelo plenário, como se todos ali, de José Dirceu a
Marco Maciel, estivessem assistindo à posse de um prefeito dos
grotões.
Os outros discursos, do ministro Nelson Jobim e do senador
Renan Calheiros, não ajudaram a
desfazer a sensação, apesar da
pompa na entrada do Congresso,
com os Dragões da Independência e tiros de canhão.
Sim, havia uma atmosfera de
grotões no Congresso brasileiro.
Era o Brasil profundo dos políticos provincianos, dos inocêncios,
do neopentescostalismo superconservador, dos radicais pós-ideológicos, do lúmpen-parlamentarismo fisiológico e de todos
os severinos de Severino que exigiam os seus direitos plenos dentro do plenário.
O Brasil precisa entender os novos Severinos -esta troca de elites políticas que já vem se processando há alguns anos no país.
Os severinos tomaram conta da
Câmara. Eles podem tomar conta
do Planalto um dia.
Até nos Estados Unidos há uma
onda severina, que levou à vitória
dos Severinos americanos nas últimas eleições. George W. Bush é
um Severino texano.
Os novos Severinos governarão
o mundo.
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