São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005

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COMENTÁRIO

A apoteose dos "outros Severinos"

ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O Brasil precisa entender os seus Severinos. Há os Severinos de João Cabral de Melo Neto. E há os Severinos da Câmara. Uns têm pouco a ver com os outros. Eles são mesmo opostos sociais.
Os Severinos de João Cabral "morrem de velhice antes do trinta, de emboscada antes do vinte, de fome um pouco por dia".
Os severinos da Câmara dos Deputados não. Eles chegaram lá, no poder. Nos ambientes esnobes do Congresso modernista, porém, eles agem como uma espécie de lúmpen-parlamentares que andam pela sombra.
Pouca gente conhece os deputados-Severinos da Câmara dos Deputados. A imprensa não os procura. Sua imagem não passa nas TVs. O governo não lhes dá muita bola. O senador José Sarney passa na frente deles e não os cumprimenta.
Até os porteiros do Congresso não sabem quem eles são, eles que portam ternos mal cortados, têm os dentes emendados, os sapatos de má qualidade, a fala cheia de falhas gramáticas, a política sem pensamento, o fisiologismo como objetivo e o arrivismo como condição brejeira.
A longa madrugada de ontem no Congresso foi a apoteose dos Severinos na política brasileira. Pelos votos, sabemos agora que eles são muitos, talvez muitíssimos. O momento em que um apagão deixou o plenário às escuras foi para os sensitivos como um presságio do vácuo onde o PT cairia horas depois.
A sessão, de folclórica que estava, transformou-se em histérica e, por fim, histórica.
Na calada da madrugada, quando todos os deputados são pardos, os Severinos derrubaram o PT da mesa da Câmara e elegeram como presidente o seu Mestre: Severino Cavalcanti.
Trata-se de um sujeito bonachão, dizem, ao mesmo tempo que um exemplo do que de mais retrógrado sabe produzir a política brasileira. Um de seus projetos de lei consiste em proibir cenas de nudismo na TV brasileira. Muitos se referem a ele como o chefe dos católicos no Parlamento.
Durante o seu discurso de posse, um ar quente de provincianismo espalhou-se pelo plenário, como se todos ali, de José Dirceu a Marco Maciel, estivessem assistindo à posse de um prefeito dos grotões.
Os outros discursos, do ministro Nelson Jobim e do senador Renan Calheiros, não ajudaram a desfazer a sensação, apesar da pompa na entrada do Congresso, com os Dragões da Independência e tiros de canhão.
Sim, havia uma atmosfera de grotões no Congresso brasileiro. Era o Brasil profundo dos políticos provincianos, dos inocêncios, do neopentescostalismo superconservador, dos radicais pós-ideológicos, do lúmpen-parlamentarismo fisiológico e de todos os severinos de Severino que exigiam os seus direitos plenos dentro do plenário.
O Brasil precisa entender os novos Severinos -esta troca de elites políticas que já vem se processando há alguns anos no país.
Os severinos tomaram conta da Câmara. Eles podem tomar conta do Planalto um dia.
Até nos Estados Unidos há uma onda severina, que levou à vitória dos Severinos americanos nas últimas eleições. George W. Bush é um Severino texano.
Os novos Severinos governarão o mundo.


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